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Você sabe o que é Comunicação Alternativa?

Uma criança de cabelos longos, pretos e presos, está sorrindo e segurando em suas mãos 4 figuras de frutas: blueberry, morango, uva e banana. Na mesa em sua frente tem uma bandeja com diversas frutas. Em sua frente uma mulher morena de cabelos longos, segura uma folha e uma caneta.

A fala é uma das habilidades mais importantes do indivíduo e valorizada em nossa sociedade. No entanto, quando uma pessoa tem dificuldades para falar, que é chamada de necessidades complexas de comunicação (NCC), é preciso recorrer a outras formas que a possibilitem de se expressar. Assim, as estratégias adotadas para servirem de suporte à sua comunicação vão muito além da fala e são chamadas de Comunicação Alternativa (CA), que abrange figuras, gestos, movimentos com a cabeça, piscar de olhos, apontamentos, língua de sinais, expressões faciais, uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, além do uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada. Além de possibilitar a comunicação, o objetivo da CA é promover a inclusão social e acessibilidade da pessoa com NCC.

O termo Comunicação Alternativa é originário de Augmentative and Alternative Communication, referência internacionalmente encontrada para se referir à área da CA. No Brasil, as traduções realizadas do inglês, ao longo do tempo, incluem os termos: Comunicação Ampliada e Alternativa (CAA); Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA); Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) e Comunicação Alternativa (CA).

De acordo com o site da ISAAC-Brasil (Capítulo brasileiro da International Society of Alternative and Augmentative Communication), a “Comunicação Suplementar Alternativa é uma área de prática e pesquisa, clínica e educacional para crianças e adultos, que envolve um conjunto de ferramentas e estratégias utilizadas para resolver desafios cotidianos de comunicação de pessoas que apresentam algum tipo de comprometimento da linguagem oral, na produção de sentidos e na interação”. Tradicionalmente, os termos “ampliada”, “aumentativa” e “suplementar” fazem referência ao potencial de apoio adicional dos recursos às formas de comunicação que a pessoa já utiliza na interação, até mesmo a fala, que pode, nesse caso, ser insuficiente ou pouco precisa para atender às necessidades de comunicação de forma completa. O termo “alternativa” compreende a ideia de que as ferramentas e estratégias atuam como uma alternativa à fala.

Dessa forma, a CA contribui simultaneamente para aumentar a compreensão da linguagem e a capacidade de expressão da pessoa em sua comunicação.

Quando surgiu – história

Um marco extremamente importante no desenvolvimento da Comunicação Alternativa foi o aparecimento dos símbolos pictográficos para a comunicação  das pessoas que não eram alfabetizadas. O Sistema Bliss, desenvolvido pelo austríaco Charles K. Bliss, foi um dos primeiros sistemas gráficos de símbolos a ser criado entre 1942 e 1965, porém, com o objetivo de ser uma linguagem universal entre os homens e não como comunicação alternativa às pessoas com distúrbios de comunicação. Esta finalidade surgiu em 1971, quando a canadense Shirley MacNaughton, juntamente com Bliss, realizou algumas adaptações no sistema. O Bliss é dinâmico, capaz de representar conceitos abstratos, sendo que o significado de cada símbolo é aprendido em relação à lógica que envolve o sistema como um todo. O vocabulário é constituído por categorias, sendo que cada uma apresenta uma cor específica e são divididas por conjunções, adjuntos, substantivos, pronomes, verbos, expressões e outros termos necessários à formação de frases simples ou complexas. 

Baseados na  experiência dos símbolos Bliss, outros sistemas gráficos foram desenvolvidos  posteriormente, considerando que as pessoas com necessidade complexas de comunicação têm diferentes características e, por isso, precisam, muitas vezes,  de sistemas de comunicação diferenciados, como o PIC (Pictogram Ideogram Communication), idealizado em 1980 no Canadá pela terapeuta da fala Subhas Maharaj, que sentiu a necessidade da criação de um sistema gráfico simples que pudesse ser utilizado por jovens com deficiência intelectual. Em 1981, nos EUA, foi desenvolvido o Picture Communication Symbols (PCS) por Roxana Mayer Johnson com o objetivo de ampliar os materiais de CA. Seu uso é indicado para crianças, adolescentes ou indivíduos que apresentam problemas na fala ou uma fala não funcional. Já o PECS (Picture Exchange Communication System) surgiu em 1985 e trata-se de um sistema de comunicação alternativa baseado na troca de figuras. Desenvolvido nos por Andy Bondy, PhD, e Lori Frost, MS, CCC-SLP, o PECS foi implementado pela primeira vez com alunos de pré-escola diagnosticados com autismo no Programa de Autismo de Delaware.

Outro sistema de comunicação alternativa é o PODD, que significa “Pranchas Dinâmicas com Organização Pragmática” (Pragmatic Organisation Dynamic Display), desenvolvido nos anos 1990 por Gayle Porter. Trata-se de uma ferramenta de comunicação alternativa que organiza todo o vocabulário de palavras e símbolos em um livro ou dispositivo adaptado às necessidades físicas e sensoriais do usuário.

Há ainda o Core Words, método que, assim como o PODD, também é recente e permite o acesso rápido a palavras essenciais que constituem a maior parte de tudo o que dizemos para permitir que pessoas com necessidades complexas de comunicação se comuniquem. Seja por aplicativos ou pranchas de baixa tecnologia, permite a formação das próprias frases para que o usuário expresse uma ampla variedade de ideias, além de trabalhar a gramática, o que faz do método também uma ferramenta de alfabetização.

No Brasil, os pioneiros no campo foram profissionais e pessoas com dificuldades de comunicação severa que desenvolveram pranchas de comunicação utilizando a intuição. No decorrer da década de 50, com o avanço da medicina, mais crianças prematuras passaram a sobreviver, assim como adultos com sequelas de acidentes, doenças ou traumas. Assim, os profissionais passaram a utilizar a CA em indivíduos com dificuldades severas de comunicação, sendo uma das instituições pioneiras, com o uso do Sistema Bliss, a Associação Educacional Quero-Quero de Reabilitação Motora e Educação Especial, que implantou o método a partir de 1978. E, em 1980, o sistema Bliss foi implementado pela terapeuta ocupacional Nadia Browning na Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro.

Os benefícios da Comunicação Alternativa

Segundo a American Speech and Hearing Association, algumas pessoas ainda acreditam erroneamente que a utilização da Comunicação Alternativa desmotive seus usuários a se comunicarem por meio da linguagem verbal. Diversos estudos têm demonstrado que a utilização de CA pode até mesmo melhorar o desenvolvimento da linguagem do indivíduo. “Nas minhas pesquisas de mestrado e doutorado (2012-2016), eu pude notar uma certa resistência dos pais pelo uso da Comunicação Alternativa. Acredito que seja pela falta de alinhamento entre as expectativas e de que forma será o desenvolvimento da comunicação da criança com a CA, afinal todo pai gostaria que seu filho falasse e pudesse utilizar a comunicação oral como as crianças típicas. Mas, o que precisam entender é que uma pessoa com NCC se comunicará dentro das suas limitações, sendo o principal objetivo que consiga expressar suas vontades e sentimentos, ainda que não seja por meio da fala. Porém, apesar desses desafios e da resistência no uso da Comunicação Alternativa por parte da família, tenho notado que, há um ano, aproximadamente, os pacientes chegam no consultório já com a solicitação do médico quanto à utilização da CA”, explica a Terapeuta Ocupacional Mariana Gurian Manzini*, Doutora em Educação Especial.

Além disso, de acordo com a especialista, a pandemia aumentou a demanda de cursos de formação em CA de forma on-line, ajudando a disseminar ainda mais os conhecimentos em Comunicação Alternativa. “Há cada vez mais especializações para profissionais e familiares, além de diversos congressos e eventos de formação realizados por instituições como ISAAC-Brasil, além das redes de apoio, que contribuem ainda mais para a capacitação de profissionais que atendem diretamente pessoas com NCC, como terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e neurologistas. Mas, o ideal seria que toda a população conhecesse os recursos de CA para que os usuários de Comunicação Alternativa tivessem a oportunidade de se comunicar em qualquer lugar”, idealiza a terapeuta ocupacional.

Porém, Mariana diz que, apesar de estarmos em 2022 e depois de termos vivenciado a situação de inúmeras internações por Covid-19, outra grande batalha dos profissionais que utilizam a CA é implementá-la nos hospitais, que, na grande maioria dos casos, ainda desconhece o recurso e, por isso, apresenta resistência: “Acredito que a formação das pessoas da área da saúde, por não terem a CA na grade curricular da faculdade, acabam não tendo conhecimento sobre os recursos alternativos de comunicação, tornando mais distante o acesso aos pacientes hospitalizados”, conclui a especialista que, há três anos, ministrou um curso em um hospital e uma das alunas queria implementar a CA com um paciente idoso que perdeu a fala por conta de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). No entanto, de acordo com ela, houve resistência da instituição e a Terapeuta Ocupacional teve que apresentar estudos e pesquisas científicas para comprovar os benefícios da Comunicação Alternativa com pacientes com AVC. E somente a partir daí é que o hospital permitiu a aplicação da CA com o paciente.

“Os cursos superiores da área de saúde deveriam contemplar em sua grade curricular aulas de tecnologia assistiva e de Comunicação Alternativa para melhor capacitar os profissionais que atenderão pacientes com dificuldades na comunicação oral. E, por parte dos alunos, os estudantes deveriam se aprofundar no assunto por meio de especializações, como mestrado e doutorado, e, assim, terem o conhecimento dos recursos que auxiliarão em seus atendimentos com pessoas com necessidades complexas de comunicação”, enfatiza a especialista. Segundo ela, quanto mais os profissionais entenderem sobre os recursos de comunicação alternativa, maior a chance de orientar quanto à CA para uma melhor qualidade de vida dos pacientes. “Afinal, o direito de se comunicar deve ser de todos, independente das suas limitações, e permitir que o paciente possa expressar seus sentimentos e suas vontades será melhor também para sua família, que deixará de ficar tentando adivinhar o que a pessoa quer falar”, explica Mariana.

A Terapeuta Ocupacional relata que atualmente existem inúmeros trabalhos já publicados que vêm apontando grande vantagem no uso da Comunicação Alternativa nos diferentes contextos da vida, aplicada por meio de novas técnicas e sistemas pictográficos que estão sendo cada vez mais utilizados em diferentes regiões do Brasil.

Os sistemas da CA

Os sistemas de comunicação alternativa fazem parte da tecnologia assistiva, que compreende recursos, dispositivos, técnicas e métodos que podem prover assistência e reabilitação com a finalidade de melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência. Dessa forma, a CA pode ser de baixa ou alta tecnologia, sendo considerada baixa tecnologia, como o próprio nome diz, o uso de recursos que podem ser elaborados de forma manual, como, por exemplo, as pranchas de comunicação, que podem ser produzidas manualmente a partir de figuras recortadas e coladas ou impressas. “Muitas famílias, por iniciativa própria, acabam montando seus recursos de baixa tecnologia para estimular seus filhos no desenvolvimento em casa da Comunicação Alternativa. Porém, é importante que os pais tenham orientação de profissionais (terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e educadores), que auxiliarão de forma mais assertiva sobre o melhor recurso de CA”, ressalta a Terapeuta Ocupacional.

Já os recursos de alta tecnologia são os que, por meio de uma tecnologia mais avançada, como softwares, disponibilizam a comunicação alternativa em dispositivos, como tablets e computadores. Com a evolução desses recursos ao longo dos anos, hoje é possível o acesso a computadores e à automatização (como desligar ou acender a luz e a televisão) por meio do rastreador ocular, indicado para pessoas com mobilidade reduzida.

Mas, como escolher o melhor sistema de comunicação alternativa, entre PECS, Bliss, PODD, PCS? Mariana diz que é preciso uma avaliação com um terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo sobre diversos fatores que vão direcionar a escolha do sistema, como:

–       Idade, diagnóstico, história social e cultural da pessoa,

–       Habilidades motoras,

–       Habilidades comunicativas (se a pessoa consegue comunicar sensações, sentimentos, desejos/gestos, expressões faciais, olhares, vocalizações, movimentos corporais, verbalizações),

–       Habilidades perceptivas e cognitivas,

–       Locais onde o recurso será utilizado,

–       Características do recurso (tamanho, pranchas de rotina, coletiva, individual, fixa, desmontável, temática, baixa ou alta tecnologia),

–       Tipos de materiais a serem utilizados: EVA, papel cartão, entre outros,

–       Com quem a criança irá utilizar: pais, professores, amigos,

–       Desejos, vontades, capacidades, potencialidades e necessidades da criança e dos interlocutores.

Casos de sucesso com a implementação da CA:

Um dos casos de sucesso da especialista com a implementação da CA, ocorreu durante sua tese de doutorado, com uma criança com paralisia cerebral. “Implementei o uso da Comunicação Alternativa na escola, com a professora da criança; na casa, mais precisamente com a mãe da criança e a terapeuta ocupacional, no ambiente clínico, uma vez que a profissional não conhecia a CA. Eu, como pesquisadora, fiz a aplicação e a capacitação nesses três ambientes. A criança tinha uma vocalização, mas não era muito compreendida. Em uma semana, retornei para a coleta de dado, e a criança estava conseguindo verbalizar algumas palavras com auxílio da CA. Outro atendimento é sobre uma criança que começou a utilizar pranchas de comunicação e a mãe relatou que um dia, no ambiente domiciliar, ela pegou a figura do banheiro, que simboliza “fazer xixi”, comunicando a sua necessidade. Em outro dia, essa mesma criança pegou a figura de pipoca, expressando seu desejo pelo alimento”.

 A terapeuta finaliza destacando a importância dos parceiros de comunicação: “O ideal seria formar os interlocutores em CA para que a generalização do aprendizado seja em todos os ambientes que a pessoa com necessidades complexas de comunicação frequenta”.

A Dra. Mariana Gurian Manzini é também organizadora do livro “Terapia ocupacional e comunicação alternativa em contextos de desenvolvimento humano”, desenvolvido em uma das etapas de seu Pós-Doutorado em Terapia Ocupacional da UFSCar, sob a supervisão da professora Dra. Claudia Maria Simões Martinez. A obra traz uma abordagem completa sob o ponto de vista de diversos terapeutas ocupacionais com expertise na área da comunicação alternativa. (veja a matéria que fizemos sobre a obra: clique aqui).

Outubro é o mês de Conscientização sobre a Comunicação Alternativa, sendo o objetivo principal a divulgação da CA e seus benefícios na melhora da qualidade de vida da pessoa com necessidades complexas de comunicação.

foto de uma mulher de cabelos longos e claros, usando óculos, sorrindo

*Mariana Gurian Manzini é Terapeuta Ocupacional, graduada pela Unesp. Tem especialização em Terapia da Mão e Reabilitação Neurológica em Terapia Ocupacional pela UFSCar. Mestrado e Doutorado em Educação Especial pela UFSCar. Pós-doutorado em Terapia Ocupacional pela UFSCar. Atualmente é professora voluntária do corpo docente do Departamento de Terapia Ocupacional – UFSCar – São Carlos, membro associado do ISAAC, terapeuta da clínica Cuhidar Saúde e supervisora na área de CAA.

Fontes:

https://www.isaacbrasil.org.br/uploads/9/7/5/4/97548634/cartilhacaafinalsab.pdf

file:///C:/Users/Fl%C3%A1via/Downloads/11117-Texto%20do%20Artigo-94521-1-10-20170928%20(1).pdf

http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/Comunica%C3%A7%C3%A3o%20Alternativa.pdf

http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/artigos_edespecial/linguagem_comunicacao_alternativa.pdf#:~:text=O%20Sistema%20Bliss%2C%20criado%20por,de%20paralisia%20cerebral%2C%20sem%20comprometimento

https://www.clinicaclarear.com.br/podd

http://www.bengalalegal.com/bliss-e-pcs

https://pecs-brazil.com/sistema-de-comunicacao-por-troca-de-figuras-pecs/#:~:text=O%20PECS%20%C3%A9%20um%20sistema,Programa%20de%20Autismo%20de%20Delaware.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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