Inclusão social é oferecer oportunidades iguais de acesso a bens e serviços a todos, mas, na prática, a realidade ainda é um tanto distante, principalmente em escolas regulares quando há alunos com necessidades complexas de comunicação.
“Se os professores conhecessem a utilização dos pictogramas, também conhecidos como PCS (Picture Communication Symbols), um sistema que utiliza símbolos ou figuras como forma de viabilizar a comunicação em pessoas não verbais por meio da Comunicação Aumentativa e Alternativa/Comunicação Suplementar Alternativa (CAA/CSA)**, o engajamento dos alunos com necessidades complexas de comunicação no acompanhamento nas atividades escolares seria mais efetivo. Porém, o que comumente acontece é que os professores não têm conhecimento teórico e prático referente aos recursos de CAA/CSA”, explica a Terapeuta Ocupacional Dra. Mariana Gurian Manzini*, Doutora em Educação Especial e docente do Departamento de Terapia Ocupacional da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos). Mariana relata que esses dados também foram resultados da sua pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos.
“Além da falta de conhecimentos sobre os recursos adequados, normalmente o que observamos nas escolas também é que o professor que recebe um aluno não verbal não está preparado para essa situação porque se vê diante da grade curricular que precisa aplicar naquela turma e não sabe como adaptar os materiais às necessidades daquele aluno de forma mais individualizada, sendo que precisa ainda trabalhar juntamente com toda a sala, de forma coletiva”, explica.
Segundo a terapeuta ocupacional, com os pictogramas, os professores podem criar quadros visuais de rotinas, que é muito importante para o aluno não verbal porque dá a previsibilidade das atividades e ações por meio das figuras. “O professor também pode ampliar o tamanho das figuras para promover a interação coletiva de todos os estudantes da sala e, assim, promover a inclusão escolar e social. Com o uso dos símbolos, é possível ainda adaptar os materiais da escola, como livros infantis, histórias, trazer as figuras dos personagens mais importantes para as atividades, trabalhar as cores e adaptar conteúdos de português, matemática, história, geografia, ciências, entre outros conteúdos. A utilização dos pictogramas também permite o professor trabalhar noção temporal e espacial, não apenas dentro da sala como também fora, tais como hora do lanche, do brincar, do parquinho, hora de pegar um livro na biblioteca. E tudo isso utilizando as figuras de comunicação alternativa com o objetivo de promover a acessibilidade com as sinalizações corretas por toda a escola, como ‘abrir e fechar’ a porta, ‘indicação de escada’, entre outros que também são muito importantes para os alunos com necessidades complexas de comunicação”, orienta a especialista.
Outro aspecto importante, de acordo com Mariana, é que os professores exercitem o que se chama de ‘modelagem’, quando o aluno não verbal aprende por meio de um ‘modelo’ de linguagem, que, no caso, será a do professor: “a modelagem será feita com o professor na sala de aula que, ao falar, deve apontar para o material ao qual ele se refere para que o aluno consiga aprender a palavra a qual ele está se referindo, que será o ‘modelo’. Por exemplo, ao utilizar a figura de comunicação alternativa que representa o lápis de cor, o professor, ao mesmo tempo que pega o lápis de cor, fala ‘aqui está o lápis de cor’, aponta também para a figura que representa o material e assim o faz com todos os materiais que mencionar, sempre mostrando a figura que o representa”, exemplifica.
De acordo com a especialista, o ideal é que os professores busquem também cursos de capacitação para aprenderem técnicas de modelagem e de CAA/CSA para aplicarem no dia a dia. “A utilização em conjunto com os pictogramas nas rotinas escolares e nas atividades é benéfica ainda para as demais crianças ao possibilitar a participação social em atividades em grupos e, principalmente, estimula o engajamento da criança com necessidades complexas de comunicação, que terá a oportunidade de se comunicar e expor suas opiniões, podendo participar de atividades com os demais colegas”, cita Mariana.
Como iniciar o uso de pictogramas
Para ilustrar uma forma dos professores iniciarem a inclusão social de alunos não verbais com o uso de pictogramas, segundo a especialista, seria em uma roda de contação de histórias o professor imprimir em tamanho ampliado os personagens principais da história a ser trabalhada. “A figura ampliada facilita a comunicação efetiva entre os pares e possibilita também a maior compreensão do aluno com necessidades complexas de comunicação”, explica.
Outra dica da especialista é que os professores também iniciem modelando com a fala deles, que seria, por exemplo: “nós vamos contar histórias, nós vamos para a sala da biblioteca, nós vamos para o recreio”. De acordo com a terapeuta, essas são modelagens mais simples, mas que também podem ser feitas com a ajuda da tecnologia, como o software BoardMaker (da empresa Tobii Dynavox), que foi disponibilizado em 2007 pelo governo às salas de recurso multifuncional das escolas públicas regulares. “Outra forma é os professores buscarem outras opções de recursos, como figuras, pictogramas e imagens até mesmo na internet, imprimi-las para então criarem as pranchas de comunicação. Ou seja, há diversas formas do professor iniciar o uso da comunicação alternativa no ambiente escolar para inserir e acolher o aluno com necessidades complexas de comunicação”, indica.
“Sabemos que para os professores não é fácil ter que aprender um novo recurso, um novo sistema, uma nova tecnologia. Mas que busquem apoio nos terapeutas ocupacionais ou fonoaudiólogos que têm o conhecimento da CAA/CSA para dar o suporte ao aluno. Muitas vezes, o trabalho em conjunto é o que vai garantir o sucesso do desempenho dessa criança ou adolescente na escola. Por isso, conhecer os recursos e profissionais específicos para ajudar nesse desenvolvimento é fundamental na alfabetização de uma criança não oral, que é capaz, sim, de acompanhar uma escola regular, assim como as demais”, explica a especialista.
A terapeuta cita o caso de uma criança com paralisia cerebral com quem trabalhou em sala de aula e cuja professora não tinha conhecimentos em CAA/CSA. “Fiz então a adaptação de vários materiais que a professora ia me enviando para facilitar a aprendizagem da criança. Somente assim, por meio de atividades adaptadas e com os recursos de comunicação alternativa mais adequados a ela, que então a criança conseguiu ser alfabetizada e fazer as provas da escola”, cita Mariana ao mencionar os benefícios dos pictogramas na alfabetização e evolução de alunos não verbais.
*Mariana Gurian Manzini é Terapeuta Ocupacional, graduada pela Unesp. Tem especialização em Terapia da Mão e Reabilitação Neurológica em Terapia Ocupacional pela UFSCar. Mestrado e Doutorado em Educação Especial pela UFSCar. Pós-doutorado em Terapia Ocupacional pela UFSCar. Atualmente é professora substituta do corpo docente do Departamento de Terapia Ocupacional – UFSCar – São Carlos. É também organizadora, juntamente com Claudia Maria Simões Martinez, do livro Terapia ocupacional e comunicação alternativa em contextos de desenvolvimento humano.
Veja também em nosso blog a matéria com dicas de como se planejar e organizar para implementar com sucesso a CAA:
*Nota: Há variações em relação à Comunicação Alternativa. Em algumas regiões, pesquisadores e profissionais utilizam CAA (Comunicação Alternativa e Ampliada), em outras, o termo mais usado é CSA (Comunicação Suplementar Alternativa). Por isso, consideramos todas as variações corretas.