No dia 15 de setembro é comemorado o Dia do Musicoterapeuta, o profissional que utiliza a música e seus componentes (sons, melodias e ritmos) como método de terapia complementar para uma melhor qualidade de vida. “Apesar de muitas pessoas acreditarem ser uma profissão recente, o conceito da musicoterapia começou a surgir na Segunda Guerra Mundial, quando músicos tocavam melodias para os feridos, e médicos e enfermeiros observavam melhoras no estado de saúde desses soldados ao escutarem música. No Brasil, a musicoterapia existe há mais de 40 anos, porém, apenas nos últimos 15 anos, com o advento de estudos científicos sobre os benefícios da terapia com música na área da saúde, é que a profissão começou a ser mais conhecida, uma vez que as pessoas vão tendo acesso à pesquisa, além da curiosidade sobre seus benefícios”, explica a musicoterapeuta Vitória de Morais Góes, Terapeuta Ocupacional (TO), especialista em Neurociência, proficiente DIR/Floortime, Integração Sensorial de Ayres, PODD e PEC’s; e idealizadora do Ser Brincante Espaço Terapêutico.
“Não podemos esquecer que, por questões culturais, muitas pessoas relacionam a música à área artística e à diversão apenas, o que explica o preconceito existente em relação à musicoterapia ou a falta de reconhecimento da sua potencialidade”, diz a especialista. Potencialidade essa que, segundo Vitória, é ampla e, por isso, a musicoterapia beneficia quem busca melhorar a saúde mental, cognitiva, memória, entre outros.
“De maneira geral, não tem como dissociar a música de emoção e expressividade – algo muito importante para o ser humano. Quando ouvimos uma música, imediatamente lembramos de momentos da nossa vida, ou seja, utilizamos a música como forma de regulação emocional. Por exemplo, é comum quando nos sentimos felizes queremos ouvir uma música animada. Quando estamos tristes, escutamos melodias também tristes ou então buscamos colocar uma música com ritmo totalmente diferente para mudar o estado emocional. Ou seja, falar de música é falar de emoção. Por isso, quando pensamos em um quadro clínico de paciente, sabemos que os estímulos musicais vão provocar reações de ordem emocional, que é uma das coisas mais poderosas na música, principalmente aquelas que conhecemos, pois ativam as memórias, resgatando, assim, momentos vividos de forma muito efetiva”, diz a especialista.
A musicoterapeuta destaca ainda que o caminho de processamento cerebral das memórias, a partir da música, acontece em diversas outras áreas, além das emoções. “E o processamento da música é lindo e potente: falamos de emoção, de linguagem e de aspectos motores. Com música eu danço, movimento meu corpo; aciono áreas de funções visuais para ler uma letra de música; se for cantar, eu tenho que planejar o movimento da fala e controlar o fluxo de ar. Se eu for compor, eu tenho que pensar na estrutura musical, na narrativa desta canção. A música estimula um conjunto de várias habilidades”, salienta a musicoterapeuta.
Exatamente por tantos estímulos em diversas áreas, é que Vitória explica que a musicoterapia vem sendo utilizada na reabilitação de pessoas com deficiência: “Pelo fato da música ter essa característica transdisciplinar, não conseguimos falar de música e de habilidades dissociadas, pois ela abrange estimulação motora, cognitiva, emocional e tudo acontecendo ao mesmo tempo. Além de trabalhar a neuroplasticidade, uma vez que a música é processada em nosso cérebro como um todo”, ressalta a especialista. Exemplo disso, segundo ela, é a ação da musicoterapia em pessoas com disfluência e pacientes com Mal de Parkinson: “Quando uma pessoa com hesitação/disfluência gaguejada escuta música, a fala acontece de forma mais fluída, porque, como citei acima, outros sistemas cerebrais estão sendo acionados, não apenas o da linguagem. Além do que, pelo fato da música trabalhar ritmo, pessoas com Parkinson são estimuladas pela musicoterapia em relação à marcha parkissoniana, melhorando o controle dos movimentos do paciente. Um fato curioso é que quando retiramos os estímulos musicais, o paciente tende a fazer os caminhos cerebrais que já eram feitos antes. Por isso, a musicoterapia é um processo que precisa ser realizado de forma lenta e contínua. Ressalto que eu trabalho a partir do conceito da neuroplasticidade, portanto, se conseguirmos colocar várias atividades no dia a dia do paciente com recursos musicais, ele terá um avanço significativo em sua qualidade de vida”, salienta.
Entre os inúmeros exemplos de sucesso de atendimento com a musicoterapia, Vitória cita o caso de uma criança com 8 anos, na época, com Paralisia Cerebral grave. “A criança era totalmente dependente, não tinha controle de tronco, cabeça; os movimentos funcionais eram bem mínimos, apresentava grande hipersensibilidade auditiva, que a fazia se assustar com sons como abrir e fechar a porta; tinha também deficiência motora e visual avançadas, além de ter uma sensibilidade corporal diferenciada, podendo qualquer som ou mudança corporal repentina ser algo ameaçador em potencial. Como qualquer som a estressava, a família não tinha costume de escutar música. Comecei então o processo terapêutico dela apenas com minha voz e utilizando um guizo. Aos poucos, fui adicionando nas sessões instrumentos de percussão, tambores e tocando violão com notas isoladas – depois de um ano e meio comecei a tocar violão de forma completa e ela começou a gostar das músicas. Juntamente com a fonoaudióloga e a fisioterapia, trabalhávamos controle cervical, pois ela fazia um grande esforço com o pescoço para ouvir e enxergar o instrumento. A coisa mais linda que aconteceu é que a família, que tinha resistência à música por conta dessa hipersensibilidade da criança, passou a escutar músicas por conta das sessões. Fiz minha iniciação científica da minha segunda graduação em terapia ocupacional com esse caso e quando voltei à casa dessa paciente por conta da minha pesquisa, ela estava escutando música! Fiquei muito orgulhosa dela, de ter mudado um padrão comportamental de uma família para melhor”, emociona-se Vitória.
Confira nos vídeos abaixo alguns trechos de sessão de Musicoterapia: no primeiro com objetivo de trabalhar comunicação compreensiva e expressiva, e no segundo vídeo trabalho com canções para facilitar o engajamento intrínseco e ampliar ciclos comunicativos funcionais.
Vitória ressalta que, apesar da musicoterapia ser mais conhecida como processo de reabilitação, é uma terapia que beneficia todos. Por isso, a musicoterapeuta deixa a seguinte mensagem: “Eu, como musicoterapeuta, tenho sempre o seguinte pensamento: eu devo me permitir vivenciar isso! Não existe somente o caminho das “terapias tradicionais” para trabalharmos questões emocionais, cognitivas, motoras, comportamentais. Quando nos permitimos viver processos diferentes, que também nos dão prazer, temos muito mais resultados. A musicoterapia é uma profissão que une os resultados e a sistematização da ciência com a sensibilidade da arte. Por isso, permita-se experimentar novos caminhos!”.
Conheça um pouco mais da história da musicoterapeuta Vitória Morais Góes:
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