Carol Souza tem 28 anos, é autista (nível 2 de suporte), tem TDAH e, mesmo com diversas dificuldades enfrentadas na rotina dos estudos, concluiu o ensino superior e hoje é pedagoga. De acordo com ela, a grande questão para que mais pessoas com deficiência possam cursar uma faculdade não se trata de força de vontade, mas, sim, do suporte que as instituições de ensino devem oferecer ao estudante. “Não existe isso de ‘se você quiser, você consegue’, isso é mentira. O autista pode querer, mas se não tiver ajuda da faculdade, não adianta. Eu tentei cinco vezes antes de conseguir, mas sem suporte não tinha como. As instituições é que precisam se dedicar a incluir estudantes autistas em sala de aula”, explica.
Carol contou com o apoio dos professores da faculdade, que se esforçaram para que ela pudesse acompanhar as matérias: além de adaptar as atividades, trabalhos e prazos, também adaptaram o ambiente e tudo o mais que ela precisasse. “Era uma regra me avisar de pequenas mudanças, até enfeites que eles colocavam na parede, porque eu estranhava e poderia ter crises. Também tinha minha amiga Amanda que sentava do meu lado e me ajudava em tudo”, diz. A pedagoga explica ainda que mesmo com o suporte recebido, ela pensou em desistir diversas vezes antes de concluir o curso. “Foco, concentração, estímulos, várias crises que eu tinha na faculdade, interação, comunicação, cumprir prazos. Tudo era difícil”.
Mas ela diz que para não desistir do curso buscou forças na família (sua mãe a ajudava na organização da rotina), nas amigas, na psicóloga, na coordenação da instituição e nos professores que a apoiavam para seguir. “Mesmo tendo concluído a pedagogia em oito anos para um curso de três anos e meio, o tempo não me importa. Uma autista de maior suporte terminou a faculdade, quando as pessoas não acreditavam que nem mesmo eu terminaria o Ensino Fundamental”, diz.
Carol cita ainda que vivemos em um momento delicado da inclusão social na educação, em que as pessoas com deficiência estão sendo excluídas e os direitos conquistados sendo retirados. “Nós temos um presidente que não se importa com as minorias e ainda diz que os alunos “lentos” devem ser separados dos demais. Um Ministro da Educação que diz que alunos com deficiência atrapalham em sala de aula. Desse jeito, o que levamos muitos anos pra caminhar rumo a inclusão vai retroceder em pouco tempo”.
Diagnóstico tardio aos 23 anos
A pedagoga recebeu o diagnóstico de autismo (nível 2 de suporte) aos 23 anos e de TDAH aos 27. O diagnóstico tardio em relação ao autismo, segundo ela, foi em decorrência de morar em uma cidade do interior (Itararé/SP), que não tinha especialistas na época. “Não tinha fonoaudiólogo, não tinha nem pediatra. Eu me consultava com clínico geral mesmo. Ele notou e comentou uma vez que eu tinha um comportamento diferente. Minha tia diz que eu tinha um ano, mas na época nem se falava de autismo aqui. Eu estava doentinha e ele focou na saúde que era a área dele. Aos 5 anos fui para a terapia e só havia duas psicólogas mal informadas para a cidade. Não tínhamos dinheiro para ir para outras cidades. Então foi isso, não foi descaso da minha família, que sempre procurava saber o que eu tinha, porque todo mundo via que havia alguma coisa, mas infelizmente na nossa situação não deu para descobrir antes”, explica Carol, que mora com a mãe, a tia, que também tem TDAH, e a avó, que tem Alzheimer.
Na infância, ela foi não verbal e foi alfabetizada pela mãe e pela tia e apenas aos 13 anos é que passou a ser verbal, a escrever palavras e frases e, mais tarde, a oralizar melhor com a ajuda da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), que tomou conhecimento por meio de uma psicóloga.
Hoje, a pedagoga utiliza a baixa tecnologia (pranchas de comunicação com pictogramas) e a alta tecnologia (com o uso de um tablet, que foi adquirido com a ajuda de uma amiga também autista, que organizou uma rifa para levantar recursos para a aquisição do dispositivo e do software). “Eu posso escrever e usar pictogramas. Quando preciso dizer coisas complexas eu escrevo e quando preciso fazer pedidos básicos, principalmente quando estou muito estressada e não consigo escrever, utilizo os pictogramas, que também me ajudam na rotina, como tomar banho, trocar de roupa, escovar os dentes, e na tabela de atividades do dia”, explica.
Carol participou do programa Conversa com o Bial e, por meio da CAA, falou sobre a importância da educação inclusiva.
Carol tornou-se referência em autismo no Instagram
Há três anos, a pedagoga montou um canal no Instagram (@carolsouza_autistando) com o objetivo de escrever posts para que sua família lesse questões do seu dia a dia, mas, com o passar do tempo, muitas pessoas passaram a segui-la como fonte de informação sobre o autismo e como lidar com autistas. Hoje, Carol compartilha, principalmente, diversas situações que enfrenta em sua rotina, como com atitudes capacitistas, que são comportamentos, atitudes ou falas de pessoas neurotípicas carregadas de preconceitos contra a pessoa com deficiência, mas que nem sempre as próprias pessoas percebem que estão sendo preconceituosas. Exemplo disso, segundo ela, é quando perguntam à sua mãe, ao seu lado, o que ela quer, ao invés de se dirigirem a ela ou ainda, ao conversarem com ela, mencionam termos no diminutivo, como ‘bracinho, mãozinha’; ou quando a pessoa se abaixa para ficar da mesma altura que Carol. “Todas essas atitudes que normalmente as pessoas neurotípicas têm com os autistas são capacitistas, porque nos infantilizam e é como se um autista não tivesse a capacidade de se tornar um adulto”, explica.
Carol recebe quase que diariamente a pergunta do público sobre quem escreve o conteúdo dos posts e ela diz que ela faz tudo sozinha, assim como as ilustrações: “eu tenho muitos pensamentos, então eu só vou escrevendo o que tenho vontade de compartilhar no momento. Tenho muita dificuldade em planejar. Às vezes tem muitos posts em um dia e no outro não tem nenhum, ou só tem um. Depende”. Quanto às imagens, ela utiliza um aplicativo e personaliza cada arte, alterando as cores e adaptando-a a cada post.
E, dessa forma, ajudando tantas pessoas com seu conteúdo que é educativo ao abordar diversas questões importantes sobre tudo que envolve os desafios rotineiros dos autistas, além de compartilhar como lidou e lida com diversas situações em sua vida (até mesmo questões complexas, como sexualidade, namoro, futuro dos autistas e suas famílias, leis, entre outros), seu Instagram rapidamente cresceu e conta hoje com mais de 40 mil seguidores. Ainda assim, ela diz que a cobrança é grande do público, principalmente para que ela responda os directs, o que sempre gera crises nela. “Já tive inúmeras durante esses anos. Esse é um dos motivos para minha mãe e tia quererem que eu pare, mas me faz bem escrever porque alivia a minha mente e ainda ajuda as pessoas. Não penso em metas de crescimento para o canal, eu só gosto de escrever e mesmo que tivesse apenas 2 pessoas lendo, eu continuaria. Mas fico feliz se o canal ajuda mais pessoas”.
E, exatamente por isso, pelo fato do canal ser uma fonte de informação a quem precisa é que uma amiga de Carol deu a ideia dela fazer posts pedindo a contribuição de quem quiser ajudá-la com doações, que são destinadas para as terapias e para os medicamentos. A mãe dela está desempregada, porque ela e a tia se revezam para cuidar da avó, que, como já citado, tem Alzheimer. Os interessados em contribuir com a família devem utilizar a chave PIX: carol.s05@hotmail.com (nome: Suzete Souza) para fazer a doação.