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A importância da família no apoio à CSA* em casa

Gabriel, sorrindo com seu tablet Indi no colo.

“Ele se tornou uma criança feliz, que participa de tudo: se estamos na cozinha conversando e se mencionamos, por exemplo ‘acabou o bolo’, o Gabriel vai lá e clica em bolo. Então, ele está participando da conversa, sabe? Se comentamos alguma coisa engraçada, ele começa a dar risada. Eu ainda coloquei no tablet um item de piadinhas, que são gírias nossas do dia a dia, que usamos em casa, e ele usa sempre”, explica Luciana Lins Coelho, mãe do Gabriel, 9 anos, que tem paralisia cerebral, ao relatar o quanto a comunicação alternativa mudou a vida do jovem. Exemplo de mãe dedicada, ela constantemente posta em seu Instagram vídeos do filho utilizando o INDI, recurso de alta tecnologia assistiva da Tobii Dynavox que o permite, como ela ressalta, ‘falar e se expressar’.

“Costumo ouvir ‘nossa, vocês cuidam tão bem dele, ele é tão feliz’ e fico me questionando: era para ser diferente? Pois o Gabriel é meu filho tanto quanto os outros dois e não faço diferença alguma entre eles. Ele é amado, alimentado, brinca, gosta de ir ao Mc Donald’s, como qualquer criança. E nós somos uma família que luta pelos seus direitos e pela sua qualidade de vida. Então como ele não seria feliz?”, indaga. 

No entanto, nem sempre as famílias de pessoas com deficiência compreendem a importância de participarem ativamente no processo de aquisição de linguagem. De acordo com a fonoaudióloga Luciana Leal de Sousa**, da Clarear Fonoaudiologia, que é quem acompanha o desenvolvimento do jovem há seis meses, o apoio em casa é fundamental: “até que a criança tenha independência para se comunicar, ela precisa ver a comunicação acontecendo muitas e muitas vezes no contexto real. Antes de se expressar, toda criança (dentro do desenvolvimento neurotípico ou não) precisa de muito modelo para compreender e paulatinamente iniciar a expressão. Se considerarmos que a criança no desenvolvimento de fala, demora cerca de 1 ano imersa num ambiente em que está recebendo input de linguagem verbal 24h/dia, para começar a falar poucas palavras isoladas, por que na comunicação alternativa seria diferente? Sendo assim, a criança que usa comunicação alternativa precisa receber input o máximo de tempo possível. A família é papel fundamental neste processo, já que é a família que estará com a criança na maior parte do tempo. O fonoaudiólogo é fundamental para guiar os parceiros de comunicação e o usuário e para identificar em que etapa de linguagem o usuário se encontra, qual o próximo passo. Mas a comunicação tem que acontecer no dia a dia, não apenas na sessão de terapia”.

De acordo com Luciana, a mãe do Gabriel, uma das grandes vantagens é que com a CSA* ele expressa também quando algo na saúde não vai bem: “agora ele tem me mostrado quando ele fica doente, onde ele tem sentido dores e quais tipos de dores, o que é muito importante. Ele sabe dizer quando ele está com febre, ele pede o termômetro, ele mostra a dor de ouvido, aponta o lado do ouvido. Uma vez o levei ao médico e ele mostrou ao doutor, colocando a mão na barriga e apontando ao desenho de um foguinho, quer dizer, ele estava com o estômago queimando, né? Ou seja, ele entende as sensações e dores do corpo”, explica orgulhosa a mamãe, que diz ainda que até mesmo as emoções, como ‘ciúmes’, são relatadas pelo Gabriel. “A pedagoga tem vindo aqui em casa e tem a irmãzinha dele, que agora está com um ano e às vezes ela quer participar da sessão. Quando a pedagoga dá atenção para os dois, o Gabriel aponta para ‘ciúmes’. Então ele sabe dizer o que está sentindo, que significa uma ótima evolução. Eu não consigo pensar em nada que ele não saiba mais dizer pra gente. É muito bom”, encanta-se. 

Outra questão que surpreendeu a mamãe dedicada é a noção de tempo: “eu não sabia que ele tinha ideia dos dias da semana, os dias das terapias. Mas ele sabe cada dia certinho e demonstra tudo isso através do Felipe, que é como apelidamos o INDI para facilitar o entendimento do Gabriel”.

Segundo a fonoaudióloga Luciana, desde o início do tratamento, o jovem passou por avaliação fonoaudiológica e recebeu indicação de uso da comunicação alternativa pelo método PODD (Pragmatic Organisation Dynamic Display) e, desde então, segue em terapia fonoaudiológica com apoio da família e com supervisões periódicas. “Treinar os parceiros de comunicação é fundamental para desenvolver a comunicação auxiliada por símbolos em diversos contextos. Ao longo desses seis meses de terapia, o Gabriel aprendeu a utilizar diversas novas funções comunicativas além do pedido, como dar opinião, fazer um comentário e ainda está em fase de aprendizado de outras tantas. Gabriel também passou a ter acesso a diversas categorias semânticas e começou a utilizar palavras abstratas como sentimentos, por exemplo. Agora que ele tem um sistema robusto de comunicação, pode expressar toda a sua real personalidade, suas habilidades e desafios. Tem sido encantador conhecer a pessoa que o Gabriel é, e que agora pode se expressar”, diz a fonoaudióloga

Os desafios da família com a CSA*

A especialista ressalta que é importante que a família esteja consciente que o aprendizado da linguagem é um processo e novos desafios acontecem a cada período. “Alguns desafios podem ser realmente difíceis e envolverem questões comportamentais e exigem persistência não só da criança, mas também da família. Mas se a construção acontece em conjunto – terapeuta, criança e família-, ela é possível”, explica.

Segundo a profissional, a maior dica às famílias é modelar o uso da comunicação alternativa em contextos naturais, na rotina diária. Mas para isso acontecer, é necessário primeiro ter acesso a um sistema robusto de comunicação, para que exista vocabulário suficiente para modelagem mais ampla. “Outro aspecto muito importante é conhecer profundamente o sistema de comunicação que seu filho usa. Comece com pequenas metas e vá ampliando aos poucos, mas tenha sempre em mente que para ensinar você precisa também saber usar. Converse com a fonoaudióloga e entenda quais são os objetivos no trabalho de linguagem. A comunicação fica muito limitada se não houver um direcionamento sobre quais funções pragmáticas ensinar neste momento ou qual etapa semântica e sintática. Tenha o dispositivo de comunicação sempre por perto e associe a baixa tecnologia ao contexto da casa. Espalhe pranchas temáticas do sistema de comunicação nos ambientes. Assim, diante de qualquer problema (acabar a bateria do tablet, por exemplo) a comunicação não será interrompida”, orienta.

Pensando em ajudar os parceiros de comunicação, como os familiares, a Clarear Fonoaudiologia desenvolveu mais um curso on-line com diversas dicas sobre modelagem e como implementar a comunicação alternativa com sucesso para quem já fez a primeira edição do curso “Implementando a CSA: habilidades importantes em sistemas robustos de comunicação”. A segunda edição compreende módulos como oficinas de modelagem, vocabulário, leitura compartilhada e CSA; e da avaliação pragmática ao planejamento.  Para saber mais acesse no insta @clarearfonoaudiologia.

*Nota: Há variações em relação à Comunicação Alternativa. Em algumas regiões, pesquisadores e profissionais utilizam CAA (Comunicação Alternativa e Ampliada), em outras, o termo mais usado é CSA (Comunicação Suplementar Alternativa). Por isso, consideramos todas as variações corretas.

fonoaudiologa Luciana Leal

** Luciana Leal de Sousa é fonoaudióloga na Clínica Clarear com ênfase nos distúrbios do neurodesenvolvimento infantil e na comunicação alternativa. É especialista em disfagia pela USP, especialista em Fala e Linguagem pela UNIFESP e tem formação nos métodos PECS (I), PODD (I), Snap+corefirst, Prompt (I), DIR/floortime(101).

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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