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A comunicação alternativa na autorregulação de crianças com TEA

Foto de uma terapeuta jovem de cabelos longos e claros, usando uma camisa branca. Ela está sentada em frente a um menino de uns 8 anos sentado também em uma cadeira, vestindo calça jeans e camiseta branca. Ela segura as mãos do menino e sorri para ele.

Um dos grandes desafios de pais com filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) está nos comportamentos desafiadores que muitas crianças autistas apresentam. “As pessoas com autismo apresentam DIS – Disfunção na Integração Sensorial, o que significa dizer que os estímulos provenientes do meio ambiente e também os do próprio corpo são processados e interpretados de forma distinta dos neurotípicos. Por isso, uma das maiores dificuldades das pessoas com autismo está na modulação sensorial, o que significa que as respostas adaptativas aos estímulos são dadas de forma diferenciada, podendo ser exageradas ou indiferentes. Exemplo disso é não tolerar um carinho ou mesmo bater a cabeça no chão e parecer não doer”, explica Vanessa Gouvea, fonoaudióloga, especialista em Psicomotricidade, Bobath Pediátrico e Baby Comunicação Alternativa.

De acordo com ela, nas pessoas com autismo, sensações de fome ou dor, entre outras, podem levar a se desorganizarem completamente, impedindo até mesmo de realizar tarefas. “Além do mais, como as pessoas com autismo possuem dificuldades em se comunicar, muitas vezes essa sensação simples faz com que a criança tenha comportamentos inadequados, tanto para aliviar sensações desagradáveis, como pela dificuldade em não conseguir comunicar que está sentindo essa necessidade. A criança neurotípica interage com as pessoas e com o meio ambiente, de forma a ir desenvolvendo a linguagem e estratégias de autorregulação, ou seja, vai construindo formas próprias de se acalmar frente a um determinado estímulo. Já a criança com autismo apresenta falhas nas interações e, portanto, perde importantes modelos de comportamento e estratégias de autorregulação, o que, associados à dificuldade de modular as sensações, acaba fazendo-a criar estratégias que, muitas vezes, são ineficientes e inadequadas para se autorregular”, esclarece a especialista.

Segundo Vanessa, para trabalhar a autorregulação de crianças autistas, o trabalho deve ser integrado com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional (TO) e psicólogo. “A TO vai trabalhar as questões da Integração Sensorial, a psicologia vai regulando os comportamentos e a fonoaudiologia trabalhará com o sistema sensorial intra e extra oral e com a Comunicação Alternativa (CA). A estimulação oral é muito reguladora para qualquer ser humano, por isso que quando estamos cansados, muitos de nós têm o costume de tomar um cafezinho, ou então fumar um cigarro”, exemplifica a fonoaudióloga.

A especialista explica ainda que a linguagem organiza o comportamento de qualquer criança. “Não é à toa que crianças pequenas choram e se descontrolam muito mais fácil do que as que já aprenderam a se comunicar de forma efetiva. Isso porque, além de expressar suas necessidades, a linguagem favorece o desenvolvimento cognitivo e, por volta de 2 anos de idade, segundo Vygotsky, a linguagem e pensamento se fundem. No caso de pessoas com autismo, a falta de uma comunicação efetiva vai gerando muitas estratégias inadequadas, que colocam em risco a segurança física e o desenvolvimento da criança como um todo. A Comunicação Alternativa, além de desenvolver a linguagem e comunicação, dá previsibilidade para o que vai acontecer, diminuindo o estresse frente ao inesperado. Além  disso, com a  possibilidade de se expressar, a pessoa pode comunicar seus sentimentos e necessidades, podendo sanar imediatamente alguns desconfortos como, por exemplo, matar a sede pedindo água, bem como desenvolver a compreensão de eventos, o que favorece muito o não aparecimento de situações desafiadoras”, salienta Vanessa.

Para a autorregulação, de acordo com a especialista, a CA é apenas uma delas. “Se a criança está desorganizada em seus sentidos, a comunicação pode até ser efetiva, mas não vai resolver o problema primário. Outro motivo é o sistema de comunicação não ser robusto, ou seja, sistema que permite que sejam realizadas várias funções de linguagem com repertório compatível com a faixa etária da pessoa. A falta de sistemas robustos de comunicação pode gerar frustrações e, consequentemente, levar a uma desregulação sensorial, ao invés de auxiliar na autorregulação”, diz a especialista.

A importância da intervenção terapêutica precoce

Vanessa Gouvea explica ainda que um dos principais desafios para trabalhar a autorregulação de crianças autistas está na implementação da CA quando elas já estão crescidas: “Ressalto e faço um alerta aos pais de que quanto mais precocemente as crianças autistas iniciarem as intervenções terapêuticas, mais facilmente será a implementação de estratégias mais adequadas para que a organização sensorial aconteça o quanto antes e para que os padrões não sejam fixados nos comportamentos inadequados”, explica.

A especialista destaca ainda que é preciso prestar atenção na diferença entre limites de educação e quando a criança está desregulada. “Há casos em que a criança, ao ser contrariada, manifesta comportamentos inadequados. Ela também precisa de limites, assim como qualquer outro ser humano”, avalia. 

Uma das principais formas de evitar que a criança se desregule está na antecipação dos acontecimentos. “Contar pra criança para onde vão, com quem vão encontrar e antecipar situações e criar estratégias para solução de problemas em situações de estresse é importantíssimo e minimiza a ansiedade, além de ditar para criança o que ela deve fazer. Por exemplo: ‘Hoje tem o aniversário do Pedrinho, vai ser numa casa de festas, talvez lá esteja muito barulho, então se você ficar incomodado, você pode me pedir pra sairmos um pouquinho da festa e voltar quando você se sentir melhor!’. Mas, vale ressaltar que nem sempre esse conversa de forma antecipada evita a desregulação, pois essa depende de vários fatores, porém, minimiza e já cria memórias para outras situações semelhantes, fazendo com que a criança se sinta segura e possa responder a essa situação de forma diferente e mais equilibrada”, exemplifica Vanessa.

Aplicação da CA na autorregulação

“Geralmente, quando a criança começa a se desorganizar, eu entro com os símbolos que representam que algo não vai bem e mostro as opções do que pode estar acontecendo. A criança geralmente para de chorar pra ouvir e, quando conseguem demonstrar, mostram o que estão sentindo. Um exemplo: em um atendimento, uma das crianças, no meio da brincadeira, da qual estava gostando, começou a me beliscar e dar uns gritinhos agudos.  Ofereci o sistema de comunicação dela e ela disse que estava com dor de barriga. Expliquei a ela que me apertar não ia resolver a situação e que poderíamos ir ao banheiro juntas para ela tentar fazer cocô. Falei também que entendia que ela precisava ter alguma coisa nas mãos naquele momento e ofereci aquelas bolinhas de apertar. Ela ficou com as bolinhas na mão e foi se acalmando na tentativa de fazer o cocô (que não estava fácil pra ela). Depois de feito, ela voltou para sala e o comportamento não voltou a acontecer, sendo que antes era corriqueiro começar a me beliscar, se desregular e ficar um bom tempo chorando. A partir de então, quando ela começava a se desregular, ao invés de me beliscar, passou a utilizar os símbolos”, explica Vanessa.

A especialista cita outro caso de comportamento desafiador: um menino que arrancava as roupas, se auto agredia e se mordia quando chegava para o atendimento. “Eram apresentadas a ele figuras de ‘pare’ e de ‘não estou gostando disso’. Algumas semanas depois, só de ver os símbolos, ele já parava de tirar a camisa. Após algumas sessões, foi possível que ele começasse a mostrar os símbolos de ‘não quero isso’, de ‘trocar atividade’ e depois começou a comunicar pela CA qual atividade queria fazer”.

Vanessa, que é apaixonada pelo atendimento a crianças autistas com a CA, pela melhora da qualidade de vida dessas pessoas, salienta que cada caso é um caso e é preciso avaliação para adotar as melhores estratégias de comunicação e condução para melhorar a autorregulação da criança com TEA. “Vale lembrar que existem indivíduos com muita dificuldade em modular os sentidos e em se autorregular, e outros que se regulam mais facilmente. Por isso, é preciso toda uma avaliação individual que considere todas as formas de expressão da criança, ainda que de forma menos adequada”, explica. A especialista atende em São Paulo, na clínica Pilar Terapias Integradas, fundada por ela (saiba mais clicando aqui).

Serviço:

Pilar Terapias Integradas

Rua Henri Dunant, 792 – Conjunto 901 – Chácara Santo Antônio/SP

Telefone: (11) 97552-2122

https://www.instagram.com/pilarterapiasintegradas/

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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