
Um dos grandes desafios de pais com filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) está nos comportamentos desafiadores que muitas crianças autistas apresentam. “As pessoas com autismo apresentam DIS – Disfunção na Integração Sensorial, o que significa dizer que os estímulos provenientes do meio ambiente e também os do próprio corpo são processados e interpretados de forma distinta dos neurotípicos. Por isso, uma das maiores dificuldades das pessoas com autismo está na modulação sensorial, o que significa que as respostas adaptativas aos estímulos são dadas de forma diferenciada, podendo ser exageradas ou indiferentes. Exemplo disso é não tolerar um carinho ou mesmo bater a cabeça no chão e parecer não doer”, explica Vanessa Gouvea, fonoaudióloga, especialista em Psicomotricidade, Bobath Pediátrico e Baby Comunicação Alternativa.
De acordo com ela, nas pessoas com autismo, sensações de fome ou dor, entre outras, podem levar a se desorganizarem completamente, impedindo até mesmo de realizar tarefas. “Além do mais, como as pessoas com autismo possuem dificuldades em se comunicar, muitas vezes essa sensação simples faz com que a criança tenha comportamentos inadequados, tanto para aliviar sensações desagradáveis, como pela dificuldade em não conseguir comunicar que está sentindo essa necessidade. A criança neurotípica interage com as pessoas e com o meio ambiente, de forma a ir desenvolvendo a linguagem e estratégias de autorregulação, ou seja, vai construindo formas próprias de se acalmar frente a um determinado estímulo. Já a criança com autismo apresenta falhas nas interações e, portanto, perde importantes modelos de comportamento e estratégias de autorregulação, o que, associados à dificuldade de modular as sensações, acaba fazendo-a criar estratégias que, muitas vezes, são ineficientes e inadequadas para se autorregular”, esclarece a especialista.
Segundo Vanessa, para trabalhar a autorregulação de crianças autistas, o trabalho deve ser integrado com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional (TO) e psicólogo. “A TO vai trabalhar as questões da Integração Sensorial, a psicologia vai regulando os comportamentos e a fonoaudiologia trabalhará com o sistema sensorial intra e extra oral e com a Comunicação Alternativa (CA). A estimulação oral é muito reguladora para qualquer ser humano, por isso que quando estamos cansados, muitos de nós têm o costume de tomar um cafezinho, ou então fumar um cigarro”, exemplifica a fonoaudióloga.
A especialista explica ainda que a linguagem organiza o comportamento de qualquer criança. “Não é à toa que crianças pequenas choram e se descontrolam muito mais fácil do que as que já aprenderam a se comunicar de forma efetiva. Isso porque, além de expressar suas necessidades, a linguagem favorece o desenvolvimento cognitivo e, por volta de 2 anos de idade, segundo Vygotsky, a linguagem e pensamento se fundem. No caso de pessoas com autismo, a falta de uma comunicação efetiva vai gerando muitas estratégias inadequadas, que colocam em risco a segurança física e o desenvolvimento da criança como um todo. A Comunicação Alternativa, além de desenvolver a linguagem e comunicação, dá previsibilidade para o que vai acontecer, diminuindo o estresse frente ao inesperado. Além disso, com a possibilidade de se expressar, a pessoa pode comunicar seus sentimentos e necessidades, podendo sanar imediatamente alguns desconfortos como, por exemplo, matar a sede pedindo água, bem como desenvolver a compreensão de eventos, o que favorece muito o não aparecimento de situações desafiadoras”, salienta Vanessa.
Para a autorregulação, de acordo com a especialista, a CA é apenas uma delas. “Se a criança está desorganizada em seus sentidos, a comunicação pode até ser efetiva, mas não vai resolver o problema primário. Outro motivo é o sistema de comunicação não ser robusto, ou seja, sistema que permite que sejam realizadas várias funções de linguagem com repertório compatível com a faixa etária da pessoa. A falta de sistemas robustos de comunicação pode gerar frustrações e, consequentemente, levar a uma desregulação sensorial, ao invés de auxiliar na autorregulação”, diz a especialista.
A importância da intervenção terapêutica precoce
Vanessa Gouvea explica ainda que um dos principais desafios para trabalhar a autorregulação de crianças autistas está na implementação da CA quando elas já estão crescidas: “Ressalto e faço um alerta aos pais de que quanto mais precocemente as crianças autistas iniciarem as intervenções terapêuticas, mais facilmente será a implementação de estratégias mais adequadas para que a organização sensorial aconteça o quanto antes e para que os padrões não sejam fixados nos comportamentos inadequados”, explica.
A especialista destaca ainda que é preciso prestar atenção na diferença entre limites de educação e quando a criança está desregulada. “Há casos em que a criança, ao ser contrariada, manifesta comportamentos inadequados. Ela também precisa de limites, assim como qualquer outro ser humano”, avalia.
Uma das principais formas de evitar que a criança se desregule está na antecipação dos acontecimentos. “Contar pra criança para onde vão, com quem vão encontrar e antecipar situações e criar estratégias para solução de problemas em situações de estresse é importantíssimo e minimiza a ansiedade, além de ditar para criança o que ela deve fazer. Por exemplo: ‘Hoje tem o aniversário do Pedrinho, vai ser numa casa de festas, talvez lá esteja muito barulho, então se você ficar incomodado, você pode me pedir pra sairmos um pouquinho da festa e voltar quando você se sentir melhor!’. Mas, vale ressaltar que nem sempre esse conversa de forma antecipada evita a desregulação, pois essa depende de vários fatores, porém, minimiza e já cria memórias para outras situações semelhantes, fazendo com que a criança se sinta segura e possa responder a essa situação de forma diferente e mais equilibrada”, exemplifica Vanessa.
Aplicação da CA na autorregulação
“Geralmente, quando a criança começa a se desorganizar, eu entro com os símbolos que representam que algo não vai bem e mostro as opções do que pode estar acontecendo. A criança geralmente para de chorar pra ouvir e, quando conseguem demonstrar, mostram o que estão sentindo. Um exemplo: em um atendimento, uma das crianças, no meio da brincadeira, da qual estava gostando, começou a me beliscar e dar uns gritinhos agudos. Ofereci o sistema de comunicação dela e ela disse que estava com dor de barriga. Expliquei a ela que me apertar não ia resolver a situação e que poderíamos ir ao banheiro juntas para ela tentar fazer cocô. Falei também que entendia que ela precisava ter alguma coisa nas mãos naquele momento e ofereci aquelas bolinhas de apertar. Ela ficou com as bolinhas na mão e foi se acalmando na tentativa de fazer o cocô (que não estava fácil pra ela). Depois de feito, ela voltou para sala e o comportamento não voltou a acontecer, sendo que antes era corriqueiro começar a me beliscar, se desregular e ficar um bom tempo chorando. A partir de então, quando ela começava a se desregular, ao invés de me beliscar, passou a utilizar os símbolos”, explica Vanessa.
A especialista cita outro caso de comportamento desafiador: um menino que arrancava as roupas, se auto agredia e se mordia quando chegava para o atendimento. “Eram apresentadas a ele figuras de ‘pare’ e de ‘não estou gostando disso’. Algumas semanas depois, só de ver os símbolos, ele já parava de tirar a camisa. Após algumas sessões, foi possível que ele começasse a mostrar os símbolos de ‘não quero isso’, de ‘trocar atividade’ e depois começou a comunicar pela CA qual atividade queria fazer”.
Vanessa, que é apaixonada pelo atendimento a crianças autistas com a CA, pela melhora da qualidade de vida dessas pessoas, salienta que cada caso é um caso e é preciso avaliação para adotar as melhores estratégias de comunicação e condução para melhorar a autorregulação da criança com TEA. “Vale lembrar que existem indivíduos com muita dificuldade em modular os sentidos e em se autorregular, e outros que se regulam mais facilmente. Por isso, é preciso toda uma avaliação individual que considere todas as formas de expressão da criança, ainda que de forma menos adequada”, explica. A especialista atende em São Paulo, na clínica Pilar Terapias Integradas, fundada por ela (saiba mais clicando aqui).

Serviço:
Pilar Terapias Integradas
Rua Henri Dunant, 792 – Conjunto 901 – Chácara Santo Antônio/SP
Telefone: (11) 97552-2122