
No Dia Mundial de Conscientização e Dia Nacional da Luta contra a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica (21/6), compartilhamos a experiência de vida da advogada e escritora Maria Lucia Wood Saldanha, que viajou recentemente com seu filho em um cruzeiro de 22 noites com paradas em cidades brasileiras, e no exterior, como Tenerife e Ilha da Madeira, Vigo (Espanha), Southampton (Reino Unido), Le Havre (França), Zeebrugge (Bélgica), Rotterdam (Holanda) e Hamburgo (Alemanha).
A viagem foi a realização do que considera ser seu ‘último desejo’, que ela mesma não acreditava ser possível realizar, por conta da progressão da ELA, diagnosticada há 11 anos: atualmente, os únicos músculos que consegue mexer são alguns do rosto para sorrir, além do movimento dos olhos. Sua alimentação é por meio de uma sonda de gastrostomia e a respiração conta com auxílio de um ventilador mecânico. “No primeiro livro que escrevi – ‘Como cresci com ELA’, lançado em 2020 (confira aqui a matéria que fizemos sobre a obra), mencionei que tinha um objetivo que era conseguir ir na formatura do meu único filho, no Rio de Janeiro, e também que tinha um sonho de fazer mais uma travessia com ele, mas que achava muito difícil, em razão do custo e de toda a logística que envolveria”, salienta Maria Lucia, que conseguiu realizar ambos: esteve presente na formatura de Vinícius com o apoio de suas cuidadoras, em dezembro de 2020 (Confira o momento especial: https://www.youtube.com/watch?v=xwqP2irg05A), e, agora, a tão sonhada viagem de navio com seu filho.
A escritora conta que sempre foi apaixonada por viajar e assim que recebeu o diagnóstico da ELA, em 2012, dois dos seus irmãos e um primo a presentearam, juntamente com sua mãe e seu filho, com uma travessia de Barcelona a Santos, que durou 17 noites. “Meses depois fui aposentada por invalidez e tive a oportunidade de fazer mais duas travessias, sendo uma de 11 e outra de 18 noites. Em todas elas eu ainda andava, falava e as limitações se faziam presentes só nos membros superiores, mas conseguia ainda segurar o garfo, com um suporte com velcro, necessitando de ajuda só para cortar o alimento”, relembra.
Assim, com o desejo de voltar a viajar, Maria Lucia passou a pesquisar sobre os cruzeiros novamente. “As travessias que eu vi geralmente tinham paradas nas mesmas localidades (algumas cidades do Brasil e do exterior, como Tenerife, Ilha da Madeira, Lisboa e Barcelona). Foi então que vasculhando os sites de companhias de cruzeiros (nunca perdi a esperança), encontrei um com roteiro diferenciado, com paradas em diferentes locais, como em Vigo (Espanha), Southampton (Reino Unido), Le Havre (França), Zeebrugge (Bélgica), Rotterdam (Holanda) e Hamburgo (Alemanha), além das cidades brasileiras e das paradas em Tenerife e Ilha da Madeira – e esses novos locais me despertaram uma vontade imensa de querer muito fazer essa travessia de navio, juntamente com meu filho”.
Com sua motivação ímpar de vivenciar mais essa experiência, ela começou a fazer os cálculos dos gastos, uma vez que precisa do acompanhamento de três cuidadoras, cujos valores de passagens e estadias ela teria que cobrir. Não pensou duas vezes, no dia seguinte montou uma vaquinha online no site Vakinha para a arrecadação, inicialmente, de R$40mil que, segundo ela, a grosso modo, seria suficiente para as despesas do cruzeiro e das passagens aéreas. No entanto, ela não havia pensado nos gastos que teria com transporte até Santos, passeios, refeições e hotel em Hamburgo, por conta das duas noites, além de táxis ou ubers adaptados. Precisou então aumentar a meta para R$60 mil, total que ainda não foi atingido. Até a data da viagem, foram arrecadados R$52 mil (valor bruto, pois há desconto de taxa da plataforma). “Quantia essa que agradeço imensamente aos que colaboraram! Para cobrir os gastos extras, fiz empréstimo bancário e, por isso, a Vakinha continua ativa”, esclarece, ao dizer, com brilho no olhar, sobre a experiência que a realização desse sonho a proporcionou – o cruzeiro parou em sete países: Espanha, Portugal, Reino Unido, França, Bélgica, Holanda e Alemanha.

“A experiência foi maravilhosa. Foi cansativa também, pois eu queria ir pra cabine só para dormir, e o corpo, nas minhas condições, precisa de horas de repouso. Mas eu não queria perder nada que me proporcionasse prazer e alegria. E o que mais gostei foi da vida social que pude ter no navio. Ficar fora da cama, num lugar cheio de entretenimentos, totalmente acessível e ter a possibilidade de conhecer pessoas e lugares diferentes é tudo de bom. Eu moraria num navio, se pudesse!”, relata.
Quanto à acessibilidade, Maria Lucia diz que esperava mais de alguns lugares, principalmente em relação ao transporte (ônibus impróprios e escassez de táxis e ubers adaptados), considerando que a faixa etária na Europa é formada por pessoas idosas, que necessitam de cuidados especiais. Ela enumera ainda algumas de suas observações quanto ao que vivenciou ao longo da travessia:
“A viagem me possibilitou ter várias experiências, como:
a) Saber que no Brasil não temos calçadas adequadas como na Alemanha, país modelo de acessibilidade. Mas, por outro lado, lá não existe prioridade no atendimento, como aqui.
b) Não são em todos os países que há acessibilidade nos ônibus da linha-turismo e há escassez de táxis/ubers adaptados também, em todas as cidades que passamos.
c) Navios são perfeitos para cadeirantes, desde que em cabines próprias para esses.
d) Sentir-me impotente ao ver meu filho sofrer uma tentativa de roubo, em Salvador, e não poder fazer nada.
e) Andar de trem foi perfeitamente possível e acessível.
f) Um aparelho de comunicação assistiva na cadeira de rodas dá muita liberdade, alegrias e sensação de independência.”, relata.
Maria Lucia, que lançou, em junho passado, seu segundo livro – “A vida é bela – como aprender com ELA” (cuja renda da venda da obra é integralmente destinada à Associação Pró-Cura da ELA), enfatiza: “uma bela viagem é patrimônio para a alma, que não perdemos quando partimos, ao contrário de todos os bens que deixamos”.
Neste Dia Mundial de Conscientização e Dia Nacional da Luta contra a ELA, a escritora deixa a seguinte mensagem a quem, como ela, enfrenta a patologia: “Diria que ainda há muito a ser vivido após o diagnóstico e que as limitações físicas não nos impedem de termos lazer, quando há vontade e uma equipe competente que tenha amor à profissão e que tenha empatia pelo paciente. Se temos pouco tempo de vida, então vamos aproveitá-la ao máximo e da melhor forma possível. Sonhos podem ser realizados, quando metas são estabelecidas!”.
Confira mais detalhes de sua viagem em seu instagram:
https://www.instagram.com/mlwsaldanha
Link da vaquinha online para quem puder contribuir:
https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ultimo-desejo-maria-lucia-wood-saldanha