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Coletivo Autista da USP: quando o bullying e o preconceito viram motivação para uma causa maior

#pra cego ver #pra todos verem: 
fundo rosa claro com ilustrações de 5 mãos com tons de pele diferente e no centro um símbolo de infinito com as cores do arco-íris e abaixo o logo da USP.

Se a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas já é um desafio, quem dirá no Ensino Superior. Gia Jardim Martinovic é autista e sentiu na pele as dificuldades de realizar o sonho acadêmico ao ingressar no curso de Letras da Universidade de São Paulo (USP) em 2019. “Eu não tinha amigos e quase ninguém conversava comigo. Ocorreu bullying também, acredita? Bullying como naqueles filmes e séries como Mean Girls e Gossip Girl. Então fazia tempo que eu sentia falta de um espaço para universitários autistas. Ademais, a maioria dos professores não oferecia métodos de avaliação alternativos e pareciam desconhecer a existência de alunos com deficiência estudando na USP”, recorda. Gia revela que um dos motivos do bullying foram as notas altas que incomodam os demais estudantes: “É frustrante para muita gente neurotípica ver uma pessoa autista brilhar mais do que elas”.

Foi então que conversando com outros autistas pelas redes sociais, percebeu que sofriam os mesmos desafios no Ensino Superior e que era preciso transformar as experiências ruins em algo positivo: tornou-se ativista pela luta dos direitos dos autistas e decidiu criar o primeiro coletivo autista do Brasil, o Coletivo Autista da USP, com a finalidade de conscientizar a comunidade acadêmica, visando a permanência de autistas nas universidades. 

“E, então, o fundei em 12 de maio de 2021 e logo criei as redes sociais e um e-mail do Coletivo Autista da USP (CAUSP) e divulguei  em vários grupos do Facebook e WhatsApp da USP. E assim, várias pessoas foram aderindo, até mesmo muitos professores da Universidade de São Paulo nos ajudaram a divulgá-lo”, explica. 

De acordo com Gia Martinovic, o CAUSP tornou-se um espaço de acolhimento e apoio para estudantes da universidade que estão dentro do espectro. Além da organização de eventos do coletivo e de postagens informativas nas mídias sociais, o objetivo é oferecer suporte virtual aos autistas, como tutorias de diversas disciplinas e mentorias de carreira para o mercado de trabalho e o meio acadêmico, assim como planos de estudo. O Coletivo da USP foi reconhecido por sua relevância conquistando o Prêmio Diversidade USP em junho de 2021. Depois do pioneirismo do grupo, diversas outras instituições formaram coletivos autistas e atualmente existem mais de 20 no Brasil. “A ideia é que o coletivo possa apoiar os autistas na medida em que as instituições de ensino possam criar formas de viabilizar tais apoios. O fundador do Coletivo Autista da Unicamp, por exemplo, realizou um trabalho incrível em relação a cotas, por exemplo. Na USP ainda não houve mudanças sobre essa questão”, questiona.

Quanto a ser uma inspiração a outras instituições de ensino por ter criado o CAUSP, Gia Martinovic diz: “Eu fico muito feliz. Foi a melhor coisa que aconteceu em 2021 e tenho grande admiração por todos os coletivos e tudo o que já realizaram. Além do que, os outros coletivos autistas também me inspiram todos os dias”. Apesar do reconhecimento de hoje por ter usado as experiências de bullying e a solidão na universidade como motivação para encabeçar essa luta e ser reconhecido pelo pioneirismo e pela pró-atividade por ter fundado o Coletivo em uma das principais universidades do país, Gia conta que nem sempre os dias foram um mar de rosas: “Já cheguei a pensar em desistir de ficar no CAUSP, pois não é uma tarefa fácil estar em uma posição de visibilidade, lidar com trolls, pessoas interesseiras, invejosas, entre outros desafios. É preciso ter a cabeça forte! E mesmo depois que eu me formar, o Coletivo Autista da USP continuará – é o que eu espero! – com as demais turmas. Eu seguirei com novos projetos, mas sempre amarei o Coletivo!”.

Quando perguntamos quais são seus sonhos, Gia Martinovic revela: “Quero que a USP ofereça cotas para alunos PCDs na graduação e aumente o número de cotas para a pós-graduação. Sonho ainda que os professores da USP parem de ignorar a nossa existência e adotem uma postura mais inclusiva em aulas e métodos de avaliação”.

A ativista diz ainda que com a fundação do Coletivo Autista na USP, a empatia pelos neurotípicos em relação às pessoas com deficiência aumentou, mas que ainda há muito trabalho de conscientização pela frente. “O papel do Coletivo é aumentar a permanência dos autistas nas universidades. Ao conhecer sobre o Transtorno do Espectro Autista e que nós existimos na universidade, muitas visões estereotipadas foram desfeitas, de modo que passaram a nos ver com olhos mais empáticos. Porém, sabemos que essa empatia ainda não é geral ou ideal e lutamos para que a consciência vá aumentando cada vez mais, a começar pelos próprios professores e pessoas que convivem com algum autista ou tenha contato com o CAUSP. Dessa forma, divulgando cada vez mais o debate acerca do respeito ao outro, acreditamos que um maior número de pessoas poderá apoiar os autistas e pessoas com deficiência durante os cursos. É o que esperamos para uma sociedade melhor”.

Gia Martinovic explica também que o Coletivo é voltado para a comunidade da USP (graduação, pós, professores, alunos de cursinho, funcionários, entre outros), mas que se autistas de fora da Universidade de São Paulo precisarem de algum conselho ou orientação, os membros do Coletivo buscarão ajudar na medida do possível.  

Aos estudantes autistas que estão com dificuldades na universidade, a ativista deixa a seguinte mensagem: “Foi uma grande conquista chegar até aqui. Parabéns por isso! É uma pequena parcela de nós que ingressa no Ensino Superior. Parece difícil agora, eu sei, mas é difícil para a maioria das pessoas, acredite. Continue. A universidade é o seu lugar, sim, nunca duvide disso. Não se importe com as maldades que os colegas dizem e denuncie qualquer caso de bullying. Você vai gostar das experiências que viverá e de todo conhecimento obtido. E certifique-se se a sua universidade já tem um coletivo autista. Se sim, entre em contato com eles. Se não tiver, entre em contato com o Coletivo Autista da USP ou outro coletivo autista de outra universidade, que eles poderão te ajudar”.

Martinovic, cujo nome de batismo é Giulia, mas prefere utilizar o nome Gia por se identificar como uma pessoa não-binária, foi diagnosticada com autismo aos 5 anos de idade. Apesar de todo o bullying sofrido no curso de Letras da USP, nunca pensou em desistir da faculdade, mas em trocar de curso. E assim o fez no início deste ano: migrou para o curso de Direito na mesma instituição e está no primeiro semestre. “Além de não me ver trabalhando na área de Letras, uma grande quantidade de alunos que estão nesse curso pratica o bullying. Já no Direito, eu me encontrei, pois eu amo ler, escrever e estudar, além de me ver trabalhando na área, quem sabe advogando pelas nossas causas!”

E é claro que, assim que se tornou caloura do novo curso, Gia prontamente criou o perfil no Instagram “Sanfranautista”, como um dos núcleos FDUSP do Coletivo Autista da USP, que, para este ano, segundo Gia, os planos de atuação estão a todo vapor: “Teremos mais eventos presenciais, incentivaremos a divulgação de artistas autistas da USP e diversas outras novidades que ainda são surpresa”.

Quanto à inclusão nas universidades, Gia Martinovic diz que o que falta para que as pessoas com deficiência possam realmente cursar o ensino superior com total apoio é “que as instituições de ensino nos ouçam, nos enxerguem e tenham empatia por nós”, diz. 

https://www.instagram.com/coletivoautista/

https://www.instagram.com/giamartinovic/

https://www.instagram.com/sanfranautista/

Dados de autistas em universidades

De acordo com o último Censo de Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2019, as universidades brasileiras contavam com 48.520 estudantes com algum tipo de deficiência. Entre eles, cerca de 2.000 estavam dentro do espectro autista, número que representa 0,02% do total de matriculados. Porém o número pode não representar totalmente o cenário real devido às dificuldades que envolvem o diagnóstico de TEA no Brasil.

Confira também a matéria que fizemos em nosso blog com a Carol Souza, 28 anos, autista, tem TDAH e se formou em psicologia: https://civiam.com.br/carol-souza-e-autista-tem-tdah-e-se-formou-em-pedagogia/

 Fonte:

http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2022/01/coletivo-autista-auxilia-na-permanencia-de-estudantes-neurodivergentes-dentro-da-usp/

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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