A Terapia Ocupacional, apesar de consolidada como primordial no desenvolvimento de pessoas com deficiências, como Paralisia Cerebral, Síndrome de Down, Transtorno do Espectro Autista, ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), entre outros, enfrenta diversos desafios em sua atuação. Entre os motivos está, principalmente, a falta de conhecimento sobre a função da profissão por parte do público que será atendido por esses profissionais.
Com o objetivo de trazer mais informações, especialmente às famílias, abordaremos a função da Terapia Ocupacional, a sua definição e sua atuação no campo da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA)** e, assim, esclarecer as dúvidas mais comuns para trazer compreensão às pessoas sobre a importância dos terapeutas ocupacionais no processo de desenvolvimento das pessoas com necessidades complexas de comunicação em suas diversas ocupações.
A Terapia Ocupacional
É a ciência que estuda a atividade humana em suas diversas ocupações e visa promover a saúde, prevenir, manter e ou tratar dificuldades físicas e ou psicossociais que interfiram no desenvolvimento e na autonomia do indivíduo em relação às atividades rotineiras em todas as áreas – lazer, trabalho e social. Assim, o terapeuta ocupacional atua diretamente em todas as ocupações do paciente, de que forma as suas atividades da rotina são organizadas, quais são seus objetivos, o que elas significam para a pessoa, em qual ambiente são realizadas, entre outros.
“O objetivo primário da Terapia Ocupacional é habilitar as pessoas a participarem das atividades diárias por meio de todo um trabalho para aumentar suas habilidades físicas, afetivas e cognitivas para o engajamento nas ocupações que elas querem, desejam ou precisam participar. Os terapeutas ocupacionais acreditam que tal participação pode ser otimizada ou reduzida em decorrência das habilidades do indivíduo, das características das ocupações ou do ambiente físico, social, cultural, atitudinal e até legislativo. Deste modo, a prática da Terapia Ocupacional é focada em habilitá-lo a modificar aspectos pessoais, da ocupação e/ou do ambiente, visando aumentar a sua participação ocupacional”,conforme livre tradução da WFOT (Federação Mundial de Terapia Ocupacional), destacada pela terapeuta ocupacional Daianne Serafim Martins*, especialista em Educação Inclusiva.
De acordo com ela, uma grande parcela do público atendido pelos terapeutas ocupacionais apresenta distúrbios na expressão e compreensão da linguagem falada e/ou escrita que afetam diretamente a funcionalidade e a participação do indivíduo em suas atividades diárias. E daí, a importância da CAA.
Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA)
“Se todas as minhas propriedades fossem tiradas de mim com exceção de uma delas, eu escolheria manter o poder da comunicação, pois, através dela, recuperaria todo o resto”. (Daniel Webster, 1822). É com essa citação que a especialista explica que por comunicação entende-se ser uma função e um direito inerente a todos os seres humanos para que possam interagir na sociedade. Exatamente para assegurar esse direito também às pessoas com necessidades complexas de comunicação é que surgiu a CAA.
“A CAA é definida como uma comunicação que pode utilizar uma combinação de todos os métodos de comunicação disponíveis, desde incluir qualquer fala residual, vocalizações, gestos e comportamentos comunicativos, além de estratégias e meios auxiliares específicos de comunicação. O objetivo geral da CAA é permitir a transmissão de uma mensagem para outro indivíduo e, como diz Beukelman e Mirenda, ‘mesmo indivíduos com deficiências graves podem se beneficiar do uso de CAA’”, explica a terapeuta ocupacional.
Segundo Daianne, um dos desafios que a profissão enfrenta está no uso de recursos e estratégias de CAA em contextos reais de comunicação com apoio da família e parceiros de comunicação. “O profissional precisa identificar as possíveis barreiras para a sua participação, conhecendo o indivíduo e seu contexto de vida para então propor recursos e estratégias de tecnologia assistiva que sejam potencialmente eficientes em cada situação ou tarefa”.
Ou seja, o terapeuta ocupacional que atua em CAA deve fazer valer os direitos à comunicação conforme declarado pelo National Joint Committee for the Communications of Persons with Severe Disabilities, que afirma que ‘todas as pessoas, independentemente da extensão ou gravidade de suas deficiências, têm o direito básico de afetar, por meio da comunicação, as condições de sua própria existência’. Além desse direito básico, o comitê descreveu direitos de comunicação específicos que devem ser garantidos durante todos os atos diários de comunicação com pessoas com deficiência, conforme a figura ao lado.
“Portanto os processos de avaliação e as intervenções em CAA devem envolver não apenas os indivíduos com deficiência como protagonistas, mas também os familiares, cuidadores e principais parceiros de comunicação”, diz a terapeuta.
A especialista explica ainda que com uma abordagem dinâmica, colaborativa e centrada na família, a equipe de profissionais envolvida na implementação da CAA deverá articular seus conhecimentos específicos em um trabalho conjunto: a família dispõe do melhor conhecimento das necessidades e rotinas diárias de comunicação do indivíduo, os professores e educadores terão seus conhecimento relacionados à alfabetização e ao ensino, os fonoaudiólogos são especialistas em desenvolvimento da linguagem e os fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais fornecem serviços relacionados ao posicionamento, acesso e uso físico do sistema de CAA.
“Assim, a atitude e a aceitação da CAA desempenham um papel crucial no seu impacto quanto à qualidade e na função das interações. Os sistemas de CAA devem ser projetados com layout e componentes que correspondam aos desejos, preferências, habilidades, capacidades e contextos sociais do indivíduo. Além disso, muitos pais temem que a CAA interfira no desenvolvimento da fala, quando, de fato, e apoiado em pesquisas, a CAA pode favorecer a comunicação oral”, esclarece.
Daianne cita ainda estratégias para promover o uso da CAA pela família e parceiros de comunicação:
⦁ Estruture o ambiente para promover a interação;
⦁ Ofereça oportunidades significativas de uso da CAA durante as atividades da rotina;
⦁ Ajuste o ritmo da interação, ofereça ao indivíduo tempo para se comunicar;
⦁ Modele a comunicação com uso de imagens e palavras, isto significa que o parceiro deve apontar ao falar;
⦁ Mostre que as palavras podem ser combinadas para criar mensagens;
⦁ Presuma competência: Todo mundo tem algo a dizer. Todos podem aprender.
Atuação da Terapia Ocupacional nas escolas
Em dezembro de 2018, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) reconheceu a especialidade de Terapia Ocupacional no Contexto Escolar, considerando também sua atuação como parte da equipe do serviço do atendimento educacional especializado (AEE). Teoricamente, os terapeutas ocupacionais atuariam em salas multifuncionais para a implantação dos recursos de tecnologia assistiva, comunicação alternativa quando necessários, além das adaptações razoáveis necessárias e justas no processo da inclusão de estudantes com deficiência. No entanto, na prática, a questão caminha a passos lentos: ainda são poucas as instituições de ensino que contratam profissionais da saúde como os terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.
“Infelizmente muitos municípios e também as escolas particulares não investem em qualificar a atenção aos estudantes com deficiência e delegam as funções de Terapia Ocupacional, assim como de outros profissionais da saúde, a serviços fora do âmbito escolar, sendo que muitos desses serviços não são articulados. Em alguns casos são esforços pessoais de terapeutas e educadores, apoiados pelos gestores dos serviços, que conectam ações em prol de seus estudantes”, lamenta a especialista, pois, de acordo com ela, os benefícios da CAA no âmbito escolar são comprovadas por diversas pesquisas e práticas sobre a questão.
“Exemplo disso é o caso de um paciente com Paralisia Cerebral que acompanho desde 2010, o Hermann Halberstadt. Apresentando uma grande dificuldade no controle dos movimentos devido à patologia, juntamente com sua família, buscamos os recursos de tecnologia assistiva que pudessem ajudá-lo a realizar as atividades escolares no computador. Assim, ele experimentou diversos recursos de alta tecnologia, como mouses, teclados e acionadores. Todas com pouco ou nenhum sucesso. Na época o recurso de acesso ocular era inédito no Brasil e extremamente caro, mas acreditamos que esta poderia ser a melhor solução para Hermann e, então, prescrevemos o recurso. A mãe de Hermann, incansavelmente, buscou através da Defensoria Pública a aquisição do computador integrado com sistema de acesso ocular e conseguimos! O acesso ao recurso foi um sucesso e possibilitou que Hermann chegasse hoje ao final do Ensino Médio técnico em informática no IFSUL, campus Bagé”, relata a terapeuta.
Veja uma matéria que saiu no portal G1 sobre a história de Hermann:
A dedicação da mãe de Hermann, Cimone Barbosa, juntamente com o apoio da Associação ISAAC Brasil (International Society for Augmentative and Alternative Communication), foi tamanha que acaba de ser aprovado o projeto de lei 064/2020, que institui o mês de Conscientização sobre Comunicação Alternativa, a ser realizado em outubro.
O projeto, que agora aguarda a sanção do Executivo, também concebe ações de mobilização e conscientização para promover o direito dessas pessoas. E, se sancionado, terá o nome de “Lei Hermann”, como reconhecimento e agradecimento ao estudante.
Veja aqui o projeto de lei na íntegra:
“Espera-se também que o poder público assegure através da Lei Brasileira de Inclusão que as instituições de ensino apresentem um projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência. E, dessa forma, garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia”, diz Daianne. E os desejos da especialista são também, com certeza, os nossos, da Civiam.
*Daianne Serafim Martins é Terapeuta Ocupacional pelo Centro Universitário Metodista, do IPA. Especialista em Educação Inclusiva pela PUCRS. Mestre e Doutoranda em Design pela UFRGS com pesquisa em Tecnologia Assistiva. Membro da ISAAC.
**Nota: Há variações em relação à Comunicação Alternativa. Em algumas regiões, pesquisadores e profissionais utilizam CAA (Comunicação Alternativa e Ampliada), em outras, o termo mais usado é CSA (Comunicação Suplementar Alternativa). Por isso, consideramos todas as variações corretas.