A pergunta do título é uma das dúvidas mais frequentes de professores de salas de aula regulares ao tomarem conhecimento de que na turma haverá alunos com deficiência. Apesar da inclusão escolar estar embasada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, e na Lei Brasileira de Inclusão (LB13.146), de 2015, muitas escolas regulares ainda se mostram despreparadas para possibilitar uma educação inclusiva na prática.
Por isso, como contribuição às instituições de ensino e, principalmente, a esses profissionais que ainda se sentem inseguros em relação à inclusão, compartilhamos nesta matéria as orientações de Thiago Pereira, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pelo Mackenzie, pós-graduação em Neurociência, em Docência do Ensino Superior e em Deficiência Intelectual, graduado em Pedagogia e Geografia. Ele é servidor público da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde atua hoje como Gestor Escolar, tendo como profunda experiência anterior a área técnica da Divisão de Educação Especial (DIEE) da Secretaria Municipal de Educação (SME). É também consultor em diversidade e inclusão não apenas no âmbito escolar, mas em diversas áreas, como a da Saúde; e professor do ensino superior, em cursos de pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado (AEE), Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e Deficiência Intelectual (DI).
De acordo com o especialista, há alguns pontos iniciais fundamentais a serem considerados para que a escola e os profissionais envolvidos na jornada escolar do aluno com deficiência consigam colocar em prática o que está assegurado em lei.
“Primeiramente, é preciso que cada professor faça uma auto reflexão sobre a profissão, se realmente tem aptidão para a desafiadora missão, mas tão grandiosa, que é ensinar e formar pessoas que sejam críticas, questionadoras e buscadoras de informação. Enquanto não houver uma motivação genuína, aquela que vem do coração, e a certeza de querer seguir e evoluir na carreira, dificilmente esse professor estará preparado para entender a verdadeira inclusão e de que forma promovê-la em sala de aula. Pois, vale ressaltar que os professores lidam com a diversidade cultural e precisam ter empatia para compreender as questões particulares de cada aluno, não apenas os com deficiência. A partir da citação de Rubem Alves – “o ensino é um exercício de imortalidade” – proponho ainda a seguinte reflexão: ‘que vocês tenham consciência do legado que deixarão a esses alunos – o que você está ensinando será algo frutífero e valioso para permanecer imortal na vida desses estudantes?”.
Um segundo ponto, segundo o Gestor Educacional, é a forma como o professor irá lidar com o aluno com deficiência em sala de aula. “Uma dúvida muito comum que recebo de professores é como chamar o aluno ou se referir a ele. Precisamos lembrar que, antes da deficiência, que é apenas uma das características do estudante, há ali uma pessoa com diversos outros atributos. Por isso, sempre respondo que o ideal é chamar o estudante pelo seu nome, assim como os demais alunos. É fundamental ainda que o professor faça uma anamnese de cada um, para conhecer a história do aluno, saber quais são suas potencialidades e suas barreiras – afinal, este é o papel do professor quanto ao desenvolvimento da turma toda. Portanto, ressalto que é preciso empatia e também uma mudança de mentalidade, onde as pessoas parem de diferenciar alunos atípicos dos típicos no modo de lidar, sendo primordial considerar que todos têm a mesma oportunidade de se desenvolver, a partir da visão de equidade e não da igualdade”, salienta.
O especialista considera também um terceiro ponto, extremamente importante ao receber um aluno com deficiência: “Para iniciar a jornada desse aluno na sala de aula regular, é preciso que os professores façam o Plano Educacional Individualizado (PEI), que é elaborado para o aluno com deficiência com o objetivo de nortear o desenvolvimento do estudante. Vale enfatizar que se todos os alunos têm um plano traçado pelo professor, por que os com deficiência, normalmente, não têm? Ainda mais por enfrentarem mais barreiras que os alunos típicos, eles precisam ainda mais de um PEI bem estruturado”.
Outra questão que o Gestor Educacional salienta e que considera ainda uma falha grave, principalmente nas escolas regulares particulares, é não haver Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), essencial no apoio aos professores, uma vez que disponibilizam recursos que atendem às necessidades específicas de cada aluno, como Comunicação Aumentativa e Alternativa (quando o aluno tem necessidades complexas de comunicação), o Braille (no caso de estudantes cegos), entre outros: “O profissional do Atendimento Educacional Especializado (AEE) dará todo o suporte ao desenvolvimento do aluno na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), com foco na eliminação das barreiras do desenvolvimento do estudante atípico por conta da deficiência. Enquanto isso, o professor da sala regular deverá se preocupar com a aprendizagem do estudante, flexibilizando as atividades para que o aluno com deficiência possa acompanhar a grade curricular da sala. Mas, em plena época em que se fala tanto da revolução educacional, infelizmente, as escolas que disponibilizam a SRM são ainda a minoria. É preciso que todos que trabalham com a inclusão coloquem no centro dos debates, cada vez mais, a importância das Salas de Recursos Multifuncionais”.
Thiago cita ainda o termo inadequado de ‘atividades adaptadas’ que muitas pessoas utilizam ao mencionar os exercícios realizados em sala de aula pelas pessoas com deficiência: “Devemos entender que para que esse estudante tenha oportunidade de aprender, assim como os demais, o professor precisa flexibilizar a aula e não adaptá-la, disponibilizando-a em diversas maneiras para que todos, sem exceção, compreendam o seu conteúdo. Exemplo disso é inserir música, materiais em 3D, maquetes, pranchas de Comunicação Aumentativa e Alternativa, entre outros. E, neste contexto, estamos falando de Desenho Universal para Aprendizagem, que traz o conceito de flexibilizar o conteúdo educacional para que todos, de fato, aprendam”, diz.
O especialista esclarece também a importância dos profissionais da educação buscarem, constantemente, apoio de todos os envolvidos na jornada escolar do aluno com deficiência: “Professores, vocês não estão sozinhos! Busquem conversas regulares com a gestão da escola, coordenação pedagógica, demais professores, além dos profissionais da saúde que têm contato direto com o aluno, como psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, pois a interdisciplinaridade é fundamental no processo da aprendizagem”, enfatiza. Thiago destaca ainda a importância da busca constante por formações continuadas. “As escolas precisam investir em capacitação de seus professores. Além disso, é preciso também que as faculdades revejam a grade curricular dos cursos de pedagogia, que carecem de mais espaço para matérias inerentes à inclusão escolar, como tecnologia assistiva, para melhor preparar os professores para um mercado de trabalho inclusivo”.
Outra questão que o especialista cita como relevante à mudança atitudinal – que ele considera essencial acontecer na sociedade – é em relação à finalidade da escola na vida do aluno com deficiência: “É preciso acabar com a ideia de que o estudante com deficiência vai para a escola para socializar – o aluno vai, como os demais, com a única finalidade do aprendizado. A função social é importante e faz parte, mas não deve ser o objetivo principal de sua jornada escolar”, diz. Neste sentido, Thiago salienta também a importância da permanência do estudante com deficiência na escola e de que forma acontecerá o seu desenvolvimento: “Não basta a escola apenas aceitar a matrícula do aluno com deficiência e mantê-lo isolado do restante da sala em atividades ‘de pintar’ – que as instituições educacionais chamam de adaptadas, enquanto os demais estão tendo conteúdos de matérias como matemática, geografia, entre outros”.
Ele ressalta principalmente que quando há a oportunidade de aprendizagem e as potencialidades dos estudantes com deficiência passam a ser o foco da jornada escolar, os maiores ganhos são autonomia e desenvolvimento profissional e social. “Vide os casos de conhecidos com deficiência que se formaram em renomadas profissões e hoje atuam no mercado de trabalho com maestria. É sorte? Não, eles apenas tiveram as mesmas oportunidades de aprendizagem que os demais, de forma equânime. Isso é inclusão de verdade!”, salienta.
Pereira chama a atenção ainda para uma situação atual que o incomoda: “Fala-se tanto em revolução e metamorfose da Educação, por conta da inclusão escolar de alunos com deficiência, que é inadmissível a existência nos dias de hoje de escolas especiais. Elas não promovem a inclusão, mas, sim, a segregação. Vale destacar que a convivência de pessoas com deficiência apenas com alunos também PcDs é prejudicial ao desenvolvimento do estudante e de sua autonomia, uma vez que não recebem os estímulos adequados para as suas potencialidades. Ressalto que todos nós aprendemos com as diferenças e, portanto, as escolas regulares são as mais indicadas no desenvolvimento do estudante com deficiência. Além disso, os ganhos com a convivência com os atípicos às pessoas sem deficiência também são inúmeros, uma vez que a diversidade traz o rico aprendizado da compaixão, amorosidade e respeito às diferenças – que são as características que mais precisamos atualmente para uma sociedade e um mundo melhor”.
Confira também a matéria que fizemos com o especialista, onde compartilhamos a sua inspiradora trajetória – um exemplo de superação às adversidades da vida -, e também referência na Educação Inclusiva por desempenhar o seu trabalho com tanto amor e brilho no olhar, que é impossível não se emocionar: https://civiam.com.br/uma-inspiradora-historia-de-superacao-e-proposito-de-vida/
Seguem os contatos do especialista:
Prof. Me. Thiago Pereira
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