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Os desafios dos terapeutas ocupacionais no atendimento a pacientes com AVC

homem sendo reabilitado avc


O AVC (acidente vascular cerebral) é a segunda principal causa de mortes no Brasil e, segundo a Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV), cerca de 70% das pessoas acometidas por AVC não conseguem ter condições de retomar as atividades profissionais em decorrência das sequelas que o quadro deixa. Ainda de acordo com a entidade, metade dos pacientes perde autonomia e acaba precisando de ajuda para realizar tarefas diárias. Embora a SBDCV ressalte que o AVC atinja mais frequentemente indivíduos com idade acima de 60 anos, tem crescido o acometimento da doença entre jovens e pode, inclusive, afetar crianças.

Exatamente percebendo essa importância no apoio a pacientes com AVC, tanto em enfermarias neurológicas, como na retomada das atividades diárias, é que o terapeuta ocupacional Rodrigo Rodrigues* decidiu se especializar nessa área. “Desde a época de faculdade, em que decidi focar meu trabalho de conclusão de curso  avaliando o perfil dos pacientes acometidos por AVC, internos em uma enfermaria neurológica sem a presença de nenhum terapeuta ocupacional é que notei a importância da profissão para o desenvolvimento do paciente e tive a certeza que era a área que eu gostaria de trabalhar para o resto da minha vida. E até hoje há carência de terapeutas especializados no atendimento a pacientes acometidos por AVC em hospitais”, explica. 

De acordo com o especialista, o atendimento a pacientes de AVC é desafiador porque depende, em grande parte, do nível de comprometimento e do tempo em que a lesão ocorreu, além do suporte e apoio que o indivíduo terá em seu ambiente domiciliar. “Quando o paciente está hospitalizado, que é a fase aguda,  geralmente  tende a ter um nível de motivação e aceitação do tratamento entre 80 a 100%, porque ele quer melhorar e se recuperar. Vale ressaltar que muitas famílias desconhecem, mas há a Resolução RD nº07 de 2010, que garante a assistência à beira leito em UTIs, seja infantil ou adulto, pelo terapeuta ocupacional e há também a portaria relacionada às unidades de AVC, sejam elas públicas ou privadas. E, caso não haja o profissional no hospital, que a família terceirize o serviço e haja um acordo entre o hospital e o plano de saúde para que o tratamento seja custeado”, orienta o especialista.

Porém, já no caso dos pacientes em estado crônico, que é após a fase da hospitalização e muitos deles chegam para o terapeuta ocupacional até mesmo após um tempo considerável do acontecimento, já não há mais um nível de motivação comparado ao período que em ele sofreu o AVC.  “Então, a adesão ao tratamento já é menor e o suporte familiar é ainda mais essencial. No entanto, muitas vezes, a dificuldade maior das famílias esbarra na cobertura dos planos de saúde e por isso, muitas vezes, o tratamento com o terapeuta ocupacional acaba sendo abandonado”, lamenta Rodrigues.

De acordo com o especialista, outro fato que também dificulta o retorno funcional para as atividades da vida diárias (AVDS) do paciente acometido por AVC é a localização da lesão. “Um paciente que é destro pode ter, por exemplo, o lado esquerdo do cérebro afetado, que repercute a parte motora direita do corpo. Ou seja, o paciente vai ter uma sequela num membro dominante ou pode também ser a área relacionada à fala e esse paciente ter uma afasia. Ou ele pode ter dificuldade na compreensão, por exemplo, eu peço ao paciente para levantar a mão esquerda e ele entende que eu estou pedindo que ele me mostre a língua por exemplo. Ou, em outros quadros, há diminuição da força ou há um fator espásico, que seria, por exemplo, quando um grupo muscular deve contrair quando se flexiona um membro, como o cotovelo. No movimento de pacientes normais, enquanto um músculo contrai, outro grupo muscular deve relaxar, porém, na dissinergia que acomete pacientes com AVC acontece que ambos os músculos contraem ao mesmo tempo, que acaba dificultando a realização das atividades diárias, aumenta o gasto energético e, consequentemente, muitas vezes, o paciente se cansa mais fácil, o que acaba desmotivando-o”, esclarece o terapeuta. 

Rodrigues utiliza e aplica ainda em seus atendimentos  a abordagem do Conceito Bobath, que considera a fisiologia do corpo, as lesões do indivíduo, mas de forma muito mais profunda, respeitando e relacionando com sua biografia para que o tratamento seja o mais personalizado e individualizado possível e, assim, com resultados mais efetivos em seu desenvolvimento. “Na aplicação da ferramenta do Conceito Bobath, trazemos a consciência corporal de cada movimento da rotina, de manuseios, de posturas, de um raciocínio clínico, postural, mas, sobretudo, também funcional, entendendo quais são as etapas que estão relacionadas àquela função que eu desejo trabalhar com o paciente. Por exemplo, se o paciente precisa utilizar o vaso sanitário, então ele terá  consciência de que os pés precisam fazer primeiro o contato com o chão, depois, ao se sentar no vaso sanitário, haverá o movimento dos ísquios por exemplo, que são os ossos que compõem a pelve, depois o quadril e assim por diante”, explica. 

Além disso, o terapeuta ressalta a importância da personalização do atendimento também no uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) com as pranchas de comunicação. “Nos casos de pacientes afásicos, a CAA é um fator promotor de independência e um recurso terapêutico que devemos nos valer, principalmente no caso de pacientes que têm uma sequela cognitiva e que acabam desenvolvendo uma demência pós-AVC. Eu, particularmente, busco sempre confeccionar a prancha de acordo com a característica funcional do paciente,  por exemplo: o que o paciente gosta de fazer e quais são suas características: ele é um atleta, um profissional da saúde, é magro, alto, gordo, moreno, branco? E, assim, busco trazer imagens mais próximas da realidade e de pessoas compatíveis à sua faixa etária ou, se possível, inclusive, utilizo fotos do próprio paciente”, diz o especialista.

Profissionalização dos terapeutas ocupacionais

O especialista traz a reflexão sobre o preparo dos profissionais que saem das faculdades em relação à realidade enfrentada hoje: a cada seis segundos, uma pessoa sofre de AVC no Brasil. “Nos últimos anos o curso de graduação de terapia ocupacional teve redução pelo MEC (Ministério de Educação e Cultura) de carga horária de cinco para quatro anos.  Ou seja, é preciso que o profissional esteja preparado e não se acomode apenas com a conquista do diploma, busque sempre capacitação e atualização das especialidades que tangem a nossa profissão, como no campo neurofuncional, por exemplo”, explica Rodrigues.

Especificamente em relação ao atendimento a pacientes acometidos por AVC, o especialista indica que os terapeutas ocupacionais busquem pós-graduações. “Com a demanda crescente de pessoas vítimas da doença, é provável que cada vez mais os terapeutas ocupacionais tenham pacientes acometidos por AVC e precisarão estar preparados para o quadro. Por isso, o ideal é buscar capacitação efetiva na área da reabilitação neurológica para trazer raciocínio clínico e prognóstico funcional e segurança ao profissional, além de agregar na prática clínica, tornando os atendimentos mais assertivos para o paciente”, orienta.

Rodrigo ministra diversos cursos, palestras e workshops sob a ótica  “descomplicando a abordagem neurofuncional e intensiva para terapeutas ocupacionais”, que ele divulga em seu Instagram: @rodrigoterapeuta

Rodrigo Rodrigues

Rodrigo Rodrigues* é Terapeuta Ocupacional  formado pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL (2012); 

Especialização em Reabilitação Neurológica pela Universidade de Araraquara – UNIARA/SP; Formação no Conceito Neuroevolutivo Bobath- ABDAN/RJ;

Coordenador do Serviço de Terapia Ocupacional da UTI Neurológica Intensive no Hospital Veredas – Maceió/AL;

Sócio-proprietário da Synapse Reabilitação Neurofuncional – Maceió-AL.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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