A desafiadora experiência do nascimento prematuro de três filhos, hoje adultos, despertou em Mônica Xavier, fundadora e presidente do Instituto Empathiae, o olhar para o acolhimento de famílias, principalmente das mães que enfrentam angústias, medos e frustrações diante de condições incertas logo após o nascimento dos seus filhos, como a prematuridade extrema ou a deficiência. “Meus filhos nasceram de 33, 34 e 35 semanas, sendo que o meu caçula, que nasceu com o menor tempo de gestação, ficou 60 dias em uma UTI pediátrica, ao invés da neonatal porque houve transferência de hospital. Os médicos nos comunicaram três vezes de que ele não sobreviveria – momentos que são muito difíceis para as famílias, principalmente às mães. E, por mais que estejamos bem acompanhadas, seja pelo marido, pela família ou pelos amigos, ainda assim é um momento de extrema solidão por conta do sentimento de impotência que nos abate. Assim, na época, começou a nascer em mim a vontade de criar algum projeto de apoio às mães de UTI, que tanto precisam de suporte emocional”, relembra.
“No entanto, a vida vai nos atropelando com a correria da rotina e acabei deixando a ideia de lado, ainda mais que meus dois filhos mais velhos têm TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e o do meio tem também dislexia”, diz Mônica, formada em Letras, que parou de trabalhar até que o caçula completasse 18 anos.
“Como um ritual de passagem, fiz minha primeira tatuagem na vida para registrar o momento de uma mãe presente para uma totalmente independente, logo que ele completou a maioridade”, brinca Mônica, que, como planejado, voltou a trabalhar e, dessa vez, em uma ONG, onde mal ela sabia que despertaria o seu propósito de vida, até então adormecido: “Nessa ONG eu acompanhei o nascimento de uma bebê com Síndrome de Down e a situação daquela mãe mexeu muito comigo pelo seu olhar vazio de esperanças e de sonhos, diante de tantas incertezas de como seria o futuro daquela criança. Então, propus à ONG o projeto de acolhimento, uma vez que as entidades existentes na época davam o apoio e suporte aos filhos, mas não às mães dessas crianças. Assim, da ideia inicial de acolher mães de UTI pediátrica por conta da prematuridade extrema, passamos a focar em mães de crianças com Síndrome de Down. Naquela época, essa era uma das únicas deficiências mais faladas, uma vez que as demais, como autismo ou síndromes raras, ainda eram pouco conhecidas. Para eu entender mais a fundo as diversas especificidades (físicas, clínicas, cognitivas) inerentes à Síndrome Downs, fiz, pela ONG, uma pós-graduação na Síndrome e também uma capacitação em acolhimento no Massachusetts Down Syndrome Congress (nos Estados Unidos), referência mundial em como dar a notícia da deficiência aos pais, logo após o nascimento, com foco na mãe. No entanto, na hora de colocar em prática o projeto, os diversos desafios fizeram a ONG desistir de ir adiante. Como eu já tinha feito alguns acolhimentos emocionantes durante a estruturação do projeto, como o caso de uma mãe perfeccionista que tentou tirar sua própria vida por não conseguir lidar com a deficiência da filha, mas, com o nosso acolhimento ressignificou suas dores com a família, passando até a ter um segundo filho, é que decidi seguir com o projeto, afinal, quando temos um propósito na vida, nada nos impede de atingir os nossos objetivos! Então, com apoio do meu marido, conversei com a ONG e pedi demissão; e, assim, com toda a expertise adquirida, nasceu o Instituto Empathiae, em 2015, como uma organização sem fins lucrativos, e em casa!”, salienta Mônica que diz que a sede física, localizada na Vila Sônia/SP, surgiu em 2019, onde se mantém até hoje. “Nessa época, por conta da pandemia por coronavírus, fizemos arrecadação de cestas básicas para 45 pessoas ao longo de todo o tempo de duração do isolamento social, mas com os cuidados específicos, como por exemplo, latas de sardinha às crianças com Síndrome de Down, que precisam de ômega 3, leite, entre outros”, diz.
Ela explica ainda que, desde o início, o projeto foi desenhado para ter um fim: “Finalizaremos as atividades quando houver o acolhimento em cada canto do país”, diz Mônica, que ressalta as dificuldades de estruturar o acolhimento em todo o Brasil, uma vez que é feito em parceria com diversas ONGs que também são pequenas, como o Instituto Empathiae. “Nós disponibilizamos gratuitamente toda a capacitação em acolhimento e todo o material às nossas parceiras. Hoje são 40 voluntários, que estão localizados em Caxias do Sul, Vitória, Brasília, Minas Gerais, Roraima e São Paulo”. Ela ressalta que para se tornar um voluntário, os pré-requisitos são: cursar a capacitação online gratuita ‘Ouvindo com o Coração’ (próxima turma acontecerá no dia 20/7), ter vivenciado os desafios do nascimento de um filho com deficiência e passar por uma conversa com ela, que analisará a motivação do candidato ao voluntariado.
Assim, o Instituto Empathiae começou a formar uma rede de parcerias para que o acolhimento chegasse às mães de crianças, não apenas com Síndrome de Down, mas todas as demais deficiências. “Começamos a perceber ainda que era comum muitas dessas mães serem abandonadas pelos maridos por conta da deficiência do filho. Então, como poderíamos falar de esperança na vida, se elas tinham que dar conta de tudo sozinhas e ainda com recursos financeiros escassos, que não eram suficientes nem para o alimento básico? Por isso, criamos ainda diversos outros programas, como o “Cuidando de Quem Cuida” (os filhos ficam com voluntários para as mães participarem de atividades, rodas de conversa, troca de experiências, atendimentos de autocuidado, como cabeleireiro e maquiagem, entre outros), “Mães que Criam” (com oficinas de artesanato para que elas consigam gerar renda) e o mais recente “TEAr” (para jovens com autismo e outras deficiências intelectuais terem um ofício, juntamente com suas mães, em um ambiente acolhedor). Notamos ainda o quanto as famílias acabam se isolando de familiares ou amigos por terem medo do julgamento das pessoas ou porque não quererem mais frequentar ambientes de pessoas com filhos sem deficiência. Então, criamos o “Entre Nós” (socialização das famílias que são acolhidas pelo Instituto)”, explica Mônica.
As atividades acontecem na sede do Instituto Empathiae e também em diversos parceiros para que os programas cheguem ao maior número de mães, como o Instituto Fernanda Bianchini (Vila Mariana/SP), Centro de Reabilitação Social (CRS) Renato Phillipe Hanai Mendes (Taboão da Serra/SP), entre outros. As informações de cada programa, bem como as próximas datas, podem ser conferidas no site https://empathiae.org/programas/.
Mônica ressalta ainda os detalhes pensados para a realidade dessas mães, como o ensino do artesanato de peças pequenas para que elas consigam produzi-las enquanto aguardam as terapias de seus filhos e também possam vendê-las em qualquer ambiente. “Muitas vezes, um produto vendido, como um chaveiro de feltro, pode servir para que essa mãe compre um litro de leite”, exemplifica. “Por isso, não propomos artesanatos que demandem tempo demais, uma vez que essas mães não conseguem se dedicar às horas de trabalho por conta dos afazeres, seja da casa, quanto dos cuidados com o filho com deficiência, principalmente as famílias em situação de vulnerabilidade”.
A fundadora do Instituto Empathiae destaca que a entidade faz, muitas vezes, parceria com empresas para o fornecimento dos itens produzidos pelas mães, ajudando-as com as vendas, como uma ação realizada com uma rede de padarias que encomendou com a ONG kits com jogos americanos em crochê, produzidos pelas mães atendidas. “Para essas mães, ver o seu trabalho sendo remunerado, diante de tantos desafios, não tem preço!”.
Hoje o Instituto Empathiae atende mães de diversas faixas etárias e de diversas condições financeiras. “O que muitas pessoas precisam entender é que usamos o artesanato como um meio de acolhimento às mães. Muitas vezes, assuntos profundos surgem nesses encontros, como violência doméstica, entre outros. Por isso, as entidades parceiras precisam estar bem estruturadas para lidar com tais questões no acolhimento a essas mães”, salienta Mônica ao relatar a seriedade do trabalho da ONG e a profundidade do acolhimento.
Como funciona o acolhimento?
As famílias voluntárias conversam com as mães e irão acompanhá-las ao longo de um ano, servindo de apoio, suporte e mentoria em relação a orientações como vacinação, quais as terapias necessárias e onde encontrá-las, entre diversos pontos relevantes. “Além das famílias, temos tido o interesse em nossa capacitação de acolhimento “Ouvindo com o Coração” de muitos profissionais de terapias, como fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. No entanto, para o acolhimento, apenas as famílias que vivenciaram os desafios pelos quais a nova família está passando é que podem acolhê-las e essa identificação com as situações é fundamental para que as mães se sintam realmente acolhidas. E, na maioria dos casos, após um ano de acolhimento, muitas dessas famílias criam laços de amizade para a vida toda”.
E a relevância do trabalho do Instituto Empathiae foi reconhecida, por quatro anos seguidos, pelo Selo Municipal de Direitos Humanos e Diversidade pela Prefeitura de São Paulo, que reconhece que a organização promove ações intencionais de empregabilidade, gestão de pessoas, cultura organizacional, investimento social e posicionamento de marca, difundindo boas práticas: o instituto foi reconhecido pelo projeto “Ouvindo com o Coração”, em 2020, e pelo projeto“Mães que criam”, em 2021, 2022 e 2023.
Entre os próximos passos, Mônica diz que pretende estruturar, de forma mais robusta, o curso “Ouvindo com o Coração” para uma plataforma online para que ele seja pago: “A ideia é que pessoas que têm interesse em aprender o acolhimento, sejam familiares, amigos ou terapeutas de famílias com pessoas com deficiência, possam participar da capacitação, que também servirá de ajuda financeira ao Instituto Empathiae, um dos nossos grandes desafios para mantermos as atividades”, destaca.
Mônica ressalta ainda a importância das pessoas se conscientizarem de que essas mães precisam de ajuda, ao invés de serem rotuladas como ‘mães especiais e guerreiras’: “Quando falamos isso a uma mãe atípica, estamos tirando a responsabilidade de ajudá-la e caminhar ao lado dela, apoiando-a. Precisamos de pessoas que se disponham a caminhar com essas mães um trecho do caminho, pois o fardo é grande e, apesar da mídia não abordar, muitas estão tirando a própria vida por falta de suporte e avalanches de julgamentos, principalmente no caso de filhos que têm comportamentos desafiadores. Precisamos olhar essas mães com muito cuidado, pois, por mais que elas aparentam estar bem, uma hora pode explodir a questão emocional e chegar ao ponto extremo citado. Por isso, nada é mais importante do que sermos o colo que acolhe na hora em que a vida parece não ter sentido. É nosso dever levar palavras que confortam, silêncio que respeita e amor que promove esperança quando a vida parece desabar”.
Às mães que estão enfrentando situações desafiadoras, ela diz a seguinte mensagem: “Por mais difícil que seja, as coisas vão ficar bem! Nós, do Instituto Empathiae, estamos dispostos a caminhar junto com vocês, ajudando-as a encontrar uma outra forma de estarem no mundo que não seja apenas no papel de mãe, mas, sim, de serem vocês mesmas, resgatando seus sonhos que, certamente, foram esquecidos por conta dos cuidados com o seu filho”.
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