Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) aos 30 anos, em 2016, tornou Giuliana Cavinato afásica, mudando totalmente a direção da sua vida. Neste mês da conscientização da afasia, que é uma disfunção que diminui a capacidade de uso da linguagem, da fala e prejudica a comunicação, compartilhamos a sua história, desafios e conquistas. “É muito importante dizer que a afasia é uma das sequelas do AVC. Ou seja, a lesão no cérebro está lá. Mesmo que eu me recupere muito, sempre serei afásica”, destaca Giuliana.
Hoje, aos 38 anos, ela relembra o pós-AVC e fala sobre a sua evolução do momento em que se tornou afásica aos dias atuais: “Difícil relatar o impacto que tive ao acordar de um momento ao outro com um combo sendo muda+analfabeta. De não conseguir escrever o nome, ler uma placa de PARE, falar uma simples frase com sentido… às minhas capacidades atuais, posso dizer que estou muito melhor. Porém, ainda não tenho a desenvoltura de antes para ler e escrever. Já falo bem melhor, mas em situações de stress, nervosismo ou pressão é muito difícil e parece que travo de novo. Posso afirmar que de todas as limitações que o AVC me causou, sem dúvida nenhuma, a afasia é a que mais me atrapalha e me frustra”, diz.
Ela passou ainda por tratamento na clínica Villa Miari, na Itália, onde conheceu a Reabilitação Neurocognitiva Perfetti, que era desconhecida no Brasil. Ao longo de 6 meses, divididos em três ciclos de dois meses cada, Giuliana teve o acompanhamento de uma fonoaudióloga italiana da clínica. Mas, ela ressalta que a reabilitação principal para a afasia levou em torno de 5 anos, com uma fonoaudióloga especialista em afasia: Dra Ana Lucia Tubero – do Portal da Afasia, que, segundo Giuliana, foi fundamental neste percurso de retomar a linguagem.
Por isso, ela diz a seguinte mensagem aos afásicos: “A palavra da vida para o afásico é PACIÊNCIA! As pessoas não nos entendem. E muitas vezes nós também não entendemos bem. Temos que achar um modo de ir nos comunicando pouco a pouco, utilizando ferramentas diversas que temos à disposição e, assim, ganhando confiança. Escrever palavras, desenhar, usar gestos, mímicas, músicas, figuras, livros, gibis etc são apoios muito úteis. Buscar por atividades e exercícios de leitura, escrita e fala que tragam assuntos de nosso interesse. Acessar em nosso cérebro temas que costumávamos gostar, facilita o re-aprendizado. E é isso que precisamos lembrar, após um AVC, estamos reaprendendo tudo de novo, não do zero, mas precisamos lembrar que é um processo. É preciso manter o cérebro em constante aprendizado para que novas conexões sejam realizadas. E o mais importante: SE VOCÊ CANSAR, DESCANSE. MAS, NÃO DESISTA!”.
Giuliana é também inspiração de que é possível voltar a ter autonomia quando há esforço e dedicação à reabilitação – ela mora sozinha há 3 anos: “É uma experiência desafiadora e transformadora ao mesmo tempo. Ainda enquanto estava na casa de meus pais, logo após o AVC, fui pouco a pouco me colocando à prova e realizando as tarefas domésticas gerais. A cada dificuldade nova encontrada era motivo para trabalhar na reabilitação. Hoje, cuido de minha casa sozinha. Me organizo super bem. Cozinho, lavo, limpo, cuido das plantas e do gatinho que chegou faz 4 meses e já é um amor incondicional. Ele chama Dengo, o nome já diz tudo… está sempre juntinho. Me sinto segura e completamente autônoma, mesmo para desenrolar os perrengues que acontecem de vez em quando”.
Reabilitação Neurocognitiva Perfetti
Com os desafios impostos pelo AVC, nem Giuliana poderia imaginar que assumiria um propósito de vida grandioso: fundou, em 2018, com sua família, o Instituto Avencer, que oferece a Reabilitação Neurocognitiva – Perfetti, um método italiano totalmente desconhecido no Brasil.
“Eu tenho família na Itália e um primo fisioterapeuta que nos indicou esse método: Reabilitação Neurocognitiva Perfetti, oferecida no Centro Studi Villa Miari, em Santorso, norte da Itália. Era totalmente desconhecido no Brasil, apesar de ser ensinado em universidades italianas e ser oferecido no serviço de saúde pública de lá. Perguntamos a vários profissionais da área de neurologia e reabilitação aqui no Brasil e ninguém havia ouvido falar. Iniciei a Reabilitação Neurocognitiva Perfetti na Itália, em ciclos de dois meses cada e quando retornava ao Brasil, a clínica me dava um HD com minhas sessões gravadas e eu repetia as séries de exercícios guiada por minha mãe. Mesmo sendo realizada em língua italiana (que eu era fluente antes do AVC), tive ganhos surpreendentes que me ajudaram muito no entendimento de meu corpo e a relação dele com o mundo”, esclarece Giuliana.
Segundo ela, a Reabilitação Neurocognitiva Perfetti se diferencia dos métodos tradicionalmente usados na reabilitação neurológica ao atuar no paciente muito além da recuperação motora (onde o foco está em alongamentos e reforço muscular), ao considerar o cérebro a principal ferramenta terapêutica. Assim, todos os exercícios envolvem os aspectos cognitivos, sensoriais e motores. “Dessa forma, o paciente participa de forma mais ativa na resolução do problema proposto pelo exercício. Em sessões individuais e guiado pelo terapeuta, o paciente deve buscar e reconhecer as diferentes informações provenientes do corpo e do ambiente, reativando de maneira direcionada os processos cognitivos que foram alterados pela lesão, como: a percepção, a atenção, o planejamento, o raciocínio, a memória e imagem motora, entre outros. Assim, há uma reorganização das redes neurais e, consequentemente, a reintegração do corpo e mente”, explica o professor convidado para ensinar a técnica no Brasil, o fisioterapeuta Mauro Cracchiolo, docente especialista na metodologia Perfetti.
De acordo com Giuliana, a vinda de Cracchiolo deu início ao projeto de trazer a novidade ao país: “O Instituto estabeleceu um acordo de cooperação técnico-científica com o Centro Studi Villa Miari na Itália e, por isso, somos certificados a oferecer oficialmente a formação inicial e continuada em Reabilitação Neurocognitiva Perfetti aqui no Brasil. Essa formação abrange uma variedade de atividades partindo dos cursos com aulas teórico-práticas, vivências clínicas e se estendendo ao grupo de estudos, e supervisão de atendimentos. Aos profissionais interessados em estenderem seus estudos é aberta à participação nos eventos internacionais realizados na Itália, como o Congresso Internacional e o Retiro de Estudos. Outra oportunidade significativa oferecida pelo Instituto é o ingresso na Especialização em Reabilitação Neurocognitiva Perfetti, que é ministrada online e em língua italiana pela Scuola Internazionale di Riabilitazione Neurocognitiva Carlo Perfetti. Importante destacar que as provas práticas e finais dessa especialização podem ser realizadas aqui no Brasil”.
Ao longo desses 5 anos de vida do Instituto Avencer – sendo um durante a pandemia -, passaram em tratamento na instituição quase cem pacientes e foram realizados quase dez mil atendimentos. “Salientamos que, mesmo o AVC sendo o foco de nosso trabalho, essa não é a única patologia que tratamos, atendemos lesões neurológicas (periférico ou central) com diferentes prognósticos como: parkinson, esclerose múltipla, dor neuropática, paralisia cerebral, demência etc”.
Sobre as suas principais conquistas após o AVC, Giuliana reflete: “É muito curioso como cada AVCista considera o que são conquistas para si. Começamos por conseguir apenas nos manter sentados, ou nos levantar SOZINHOS. Quando tomamos um banho sozinhos. O primeiro passeio. A primeira festa. A primeira viagem….Quando se tem um AVC, voltar a mexer um dedo ou sentir o corpo é uma conquista grandiosa. E foi isso que me possibilitou voltar a fazer viagens cheias de aventuras. A primeira foi para Alter do Chão, no Pará, com minhas amigas. Dormir na rede, caminhar na floresta, andar de moto… tudo me colocou em situações super desafiadoras e eu consegui vencer. Outro momento foi minha primeira palestra falando sobre o AVC para um congresso médico, com mais de 200 participantes. Com certeza tinha medo da afasia me bloquear, mas vi que devemos nos colocar diante de desafios e correr atrás para vencê-los. E, recentemente, grafitar uma empena em um prédio no Minhocão, considerado o Museu de Arte a Céu Aberto, em comemoração ao Dia Internacional do AVC em outubro do ano passado foi uma emoção gigante. No Instituto, fui assumindo devagar, dia a dia mais responsabilidades, conforme fui me sentindo confortável e capaz. E esse trabalho tem me possibilitado grandes experiências e momentos inesquecíveis”.
Giuliana cita ainda diversos casos de atendimentos que a emocionaram: “Temos muitos pacientes que chegam ao Instituto porque me seguem nas redes e muitos são jovens como eu, com histórias duras da experiência do AVC e de lindas superações. O mais emocionante que posso acompanhar é o resultado que essa reabilitação traz na vida da pessoa em sua integralidade. Retomar a consciência e o controle do nosso corpo nos possibilita ter mais segurança, confiança, coragem e acima de tudo autonomia. É isso que o Perfetti oferece. Além disso, vemos que ajuda na recuperação do raciocínio, do planejamento (diário e para trabalhar), da consciência de saber o que está acontecendo ao seu redor. Aqui pude ver quem retomou a coragem para ser mãe, quem voltou a se desafiar a correr uma maratona, quem se reinventou para uma nova profissão, quem realizou um intercâmbio no exterior, quem se encorajou a dançar num palco, e tantas histórias que nos fazem acreditar que é possível ter uma vida novamente!”, emociona-se.
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