
Samuel tem 7 anos e, aos 3 meses de idade, apresentou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo diagnosticado com Paralisia Cerebral aos 6 meses. Porém, em outubro de 2022, Samuel recebeu um novo diagnóstico: AADC (deficiência da descarboxilase de L-aminoácidos aromáticos, que diminui o tônus muscular, afeta o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, bem como o sistema gastrintestinal, por ser uma alteração na produção de neurotransmissores).
Considerada uma doença genética rara, cujos sintomas podem, de fato, ser confundidos com PC, trazemos o caso de Samuel como atenção a todas as famílias sobre o diagnóstico correto, principalmente neste Dia Mundial e Dia Nacional das Doenças Raras, celebrado hoje, 28/2. A data foi criada em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) para sensibilizar governantes, profissionais de saúde e a população sobre a existência e os cuidados com essas doenças. O objetivo é levar conhecimento e buscar apoio aos pacientes, além do incentivo às pesquisas para melhorar o tratamento. A data foi instituída pela Lei nº 13.693/2018. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como doença rara aquela que afeta menos de 1 em cada 2 mil pessoas. Já foram identificadas cerca de 9,6 mil doenças raras, das quais 70% a 80% são de fundo genético. No Brasil, existem em torno de 13 milhões de pessoas com doenças raras, sendo 80% origem genética. O diagnóstico das doenças genéticas raras é feito por meio de testes genéticos aliados a uma avaliação médica dos sinais e sintomas do problema. Por serem patologias menos comuns nos consultórios, elas nem sempre são detectadas rapidamente ou de forma adequada pelos profissionais de saúde.
Carol Rezende, psicopedagoga, digital influencer (https://instagram.com/carolrezende), palestrante e mãe de Samuel, diz que hoje, após o diagnóstico concluído de AADC, nota algumas características que já sinalizavam que não era PC, como ausência de lesões cerebrais ao serem realizadas ressonâncias magnéticas, crises que não tinham aspecto de epilepsia (as chamadas crises ‘oculógiras’ e, por isso, os medicamentos anticonvulsivos não funcionavam); além do fato de Samuel ser hipotônico (a AADC não apresenta hipertonia). “Porém, por falta de informações sobre as doenças raras, é possível os profissionais diagnosticarem como PC pelo fato de ambas as condições apresentarem sintomas similares. No entanto, uma médica neurologista já havia indicado que ele fosse submetido a um exame genético, o exoma completo. O Samuel fez um exame genético específico, um painel que mapeia 121 genes relacionados a distúrbios do neurodesenvolvimento, pois, de acordo com ela, Samuel apresentava características que não condiziam com PC, ainda que com diagnóstico concluído. Além disso, uma mãe com um filho com AADC entrou em contato comigo via direct do Instagram e disse que, vendo os vídeos do Samuel, ela tinha certeza que ele também tinha AADC e não PC, pois, segundo ela, ele apresentava comportamentos bastante similares ao seu filho. Indicamos a gastropediatra do Samuel para receber a visita do laboratório e ela nos contactou ao receber o kit de testagem com swab para a realização do Painel Movimente. Foi então que foi realizado o exame e confirmado o novo diagnóstico”, diz Carol. Ela conta que foi um processo para assimilar todas as informações e ir em busca da terapia gênica que existe para pessoas com AADC. “A terapia gênica aumenta a qualidade de vida, uma vez que estimula a produção de neurotransmissores. A perspectiva é que esteja disponível no Brasil ainda este ano”, explica Carol.

Ela relata que, por conta de alguns fatores, como uma intercorrência em sua gestação (insuficiência placentária em razão de uma diástole reversa), APGAR baixo do Samuel (um teste feito no recém-nascido logo após o nascimento que avalia seu estado geral e vitalidade), além de ter nascido prematuro, associado ao ADNPM (atraso no desenvolvimento), é que acredita terem sido os motivos para, na época, os médicos o diagnosticarem com Paralisia Cerebral. “Por isso a importância da disseminação da informação sobre as doenças raras. Acredito que diversas famílias podem estar passando pela mesma situação: ter um filho diagnosticado com PC, quando, na verdade, é a AADC. Estima-se que a prevalência de AADC seja de 1 em 1 milhão. No entanto, é uma alteração genética muito subdiagnosticada ainda”, explica.
Como postou em seu Instagram (@carolrezende), muitas pessoas, quando descobrem que existe tratamento para a doença rara do Samuel, perguntam sobre a possibilidade de ele vir a andar algum dia. E Carol deixa a seguinte mensagem: “A possibilidade existe, mas precisamos relembrar algo: crianças cadeirantes não precisam andar pra serem felizes e terem qualidade de vida. Crianças cadeirantes podem praticar esportes, ir ao parquinho, frequentar a escola, ouvir histórias, ir à praia, receber presentes, brincar de serem arrastadas pela cama. Se você é pai/mãe de uma criança com deficiência, lembre-se: celebre a criança diante dos seus olhos! Coloque o foco no bem-estar e qualidade de vida dessa criança. Não precisamos mudar as crianças. Precisamos mudar os ambientes, providenciando às crianças os recursos para que se desenvolvam ao máximo de seu potencial, em ambientes acolhedores e com acessibilidade.”
Diagnóstico das doenças raras
O diagnóstico das doenças genéticas raras é feito por meio de testes genéticos aliados a uma avaliação médica dos sinais e sintomas do problema. Por serem patologias menos comuns nos consultórios, elas nem sempre são detectadas rapidamente pelos profissionais de saúde, o que faz os pacientes esperarem muito tempo por um diagnóstico correto.
“Há uma dificuldade de identificação dessas doenças pelos médicos pela raridade de cada doença, isoladamente. Os pacientes passam por uma odisseia diagnóstica que costuma demorar até oito anos até a resposta definitiva”, destaca João Bosco de Oliveira Filho, gerente médico do serviço de genética molecular do departamento de patologia clínica do Hospital Israelita Albert Einstein (em entrevista para o site https://vidasaudavel.einstein.br/doencas-geneticas-raras-o-que-sao-e-como-identifica-las/).
Na rede pública, o Teste do Pezinho ampliado é uma das formas de detecção de uma doença rara. Foi incorporada ao SUS por meio do PL 5043/20 graças à ação da ONG Instituto Vidas Raras, juntamente com a atuação da jornalista Larissa Carvalho, após descobrir que o seu filho caçula, Théo, de 6 anos, havia nascido com uma doença rara e que até alimentos vitais como o leite materno poderiam matar seus neurônios. Larissa descobriu também que o diagnóstico havia chegado tarde demais para ele, pois a doença de seu filho não fora rastreada pelo Teste do Pezinho disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para todos os recém-nascidos, o que fez com que o bebê perdesse neurônios fundamentais para o seu desenvolvimento. No sistema público, o Teste do Pezinho só é capaz de rastrear seis doenças, enquanto na rede privada, com a ampliação do teste, pode alcançar 53 diferentes enfermidades raras. Sem o diagnóstico, Théo não teve acesso ao tratamento necessário, o que lhe garantiria falar, firmar os pés no chão, chutar bola, correr, pular.
Confira aqui o vídeo, onde Larissa conta sua história e a importância do teste do pezinho ampliado:
Já o Teste da Bochechinha, primeiro exame de triagem neonatal genético da América Latina, investiga mais de 340 doenças raras tratáveis da primeira infância. Porém, está disponível apenas na rede particular de Saúde.
Instituições de apoio às famílias com pessoas com doenças raras
A dificuldade no diagnóstico das doenças raras foi o que motivou a fundação da Casa Hunter, instituição sem fins lucrativos, fruto da experiência pessoal de Antoine Daher e de sua esposa, Fernanda, para entender as alterações do desenvolvimento de seu primogênito Anthony, hoje com 13 anos. Ele tem a Síndrome de Hunter (Mucopolissacaridose Tipo II), uma doença genética, multissistêmica, degenerativa e progressiva.
Segundo o vídeo institucional da instituição, Antonie Daher, fundador e presidente da Casa Hunter, conta que foram necessários quase três anos até que o diagnóstico fosse realizado, situação comum ao grupo das doenças raras. Estima-se que, em geral, pacientes raros levam de 7 a 10 anos para descobrirem suas patologias.
Daher viajou o mundo em busca de tratamento para o seu filho, atravessando vários países, inclusive o Japão. Mas conseguiu muito mais: trouxe ao Brasil tratamentos para muitas outras doenças raras. A Casa Hunter tem o intuito de garantir soluções públicas e sensibilizar o setor privado e sociedade em geral para as pessoas com doenças raras, com a união de esforços seus familiares, amigos, além de profissionais médicos especialistas e todos os interessados pela causa.
A instituição é composta pelos pais de crianças com doenças raras, médicos especializados em estudos genéticos, pesquisadores, farmacêuticos, empresários preocupados com o bem-estar da sociedade e por idealistas e atuantes em Direitos Humanos, que sentiram a necessidade de partilhar suas experiências e trabalhar em busca da melhor qualidade de vida destas crianças e seus familiares.
Saiba mais: https://www.instagram.com/p/CnhP3oSuUOE/
Outra instituição que também apoia famílias com pessoas com doenças raras, como citamos sobre sua atuação na ampliação do Teste do Pezinho é a ONG Instituto Vidas Raras, fundada em 2001, que tem o objetivo de acolher, conscientizar e cuidar dos ‘raros’, além de atuar na regulamentação das Doenças Raras no Brasil. Ao longo desses mais de 20 anos, a Instituição Vidas Raras contabiliza mais de três mil pacientes atendidos; criação de projetos de lei, políticas e diretrizes sobre as doenças raras; parceria com mais de 80 associações; e várias publicações sobre o assunto.
Outra grande conquista da Instituição foi em 2014, quando, por sua intervenção, foi criada a portaria 199, que instituiu a Política de Atenção às Pessoas com Doenças Raras e aprovou Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Pela atuação do Vidas Raras foi também criado um número telefônico gratuito e direto – 0800 006 7868 – que busca auxiliar pessoas com doenças raras, a Linha Rara, em parceria com os especialistas do Instituto da Criança (Icr), que é parte do Sistema Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Hospital das Clínicas (FMUSP-HC).
Saiba mais sobre a instituição: https://vidasraras.org.br/sitewp/#instituto
https://www.instagram.com/vidasraras/
No dia 15/2 foi o Dia Internacional da Síndrome de Angelman, que tem o objetivo de conscientizar a população sobre a doença, também considerada rara. É genética e neurológica, caracterizada por convulsões, movimentos desconexos, atraso intelectual, ausência da fala e riso excessivo. Confira aqui a matéria que fizemos sobre a síndrome: https://civiam.com.br/15-de-fevereiro-dia-internacional-da-sindrome-de-angelman/
https://vidasaudavel.einstein.br/doencas-geneticas-raras-o-que-sao-e-como-identifica-las/