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Como tornar a sala de aula mais inclusiva

Foto de uma sala de aula, com 5 alunos sentados em frente a computadores. Em primeiro plano uma garotinha loira com síndrome de Down.

O ano letivo está começando e, como um dos propósito da Civiam em contribuir com um mundo mais inclusivo a partir da disseminação de informações relevantes, é que compartilhamos hoje as dicas e orientações de dois profissionais que atuam na inclusão escolar: Leandro Rodrigues (@/institutoitard/), pós-graduado em Educação, Diversidade e Inclusão Social, fundador do Instituto Itard e especialista em adaptação de atividades para alunos com deficiência; e Rayssa Béder (@rayssabeder/), Terapeuta Ocupacional, especialista em contexto escolar.

A ideia é que, assim, cada vez mais, escolas e profissionais da Educação possam focar mais nas soluções do que nos desafios inerentes ao processo de inclusão de estudantes com deficiência e, dessa forma, tornar realidade uma sala de aula mais inclusiva!

Todos podem aprender

Para Leandro, um dos fatores essenciais iniciais no processo da criação de um ambiente escolar com inclusão é acreditar que todos podem aprender: “Por mais improvável que possa parecer um aluno com deficiência intelectual, autismo, paralisia cerebral, com dificuldade na comunicação e grande atraso no desenvolvimento aprender, o fato é que graças à neuroplasticidade, o cérebro nunca para de aprender e sempre cria novos neurônios (neurogênese). Como dizia Vygotsky, “todas as crianças podem aprender e se desenvolver […] As mais sérias deficiências podem ser compensadas com ensino apropriado, pois, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental”. Infelizmente a grande maioria de nós foi privada de, quando criança, estudar com alunos com deficiência e ver seu progresso em meio às dificuldades. Isso criou uma lacuna na nossa formação de “diversidade” que pode limitar nossa atuação profissional”, salienta

Segundo ele, o próximo passo é acreditar que o aluno atípico pode aprender na sua sala de aula. “Hoje existem diversas estratégias simples de serem aplicadas, mesmo que você não tenha uma equipe multidisciplinar para te assessorar ou esteja equipado com abundância de recursos. É possível impactar grandemente a vida escolar de um aluno com deficiência, afinal, é assegurado pela lei desde 1996, “Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;” LDB – LEI Nº 9.394. Essas estratégias de recuperação incluem adaptação curricular, adaptação de atividades e o plano de ensino individualizado”.

Leandro salienta ainda a importância da questão do “tempo de cada aluno” não se tornar uma barreira ao desenvolvimento dos estudantes com deficiência: “A frase “cada aluno tem seu tempo” é importante para reconhecer a diversidade na sala de aula, mas não deve ser usada como desculpa para a falta de intervenções educacionais específicas. Se o aluno não aprendeu algo que deveria, que é pré-requisito para ele avançar, então isso deve ser priorizado em um currículo adaptado, que deve ser trabalhado em paralelo com o currículo da turma, realizando as devidas adaptações. Essa é a única forma de permitir uma inclusão com equidade, onde cada um recebe o que realmente precisa para avançar”, diz.

O especialista destaca ainda: “A lei diz que alunos com deficiência têm direito à adaptação curricular, mas muitos professores tentam adaptar o currículo e não conseguem por causa das dificuldades do aluno ou até fazem a adaptação, mas acabam excluindo-o das atividades da turma. É por isso que eu criei um método de adaptação curricular para ajudar o professor a encontrar o ponto de equilíbrio certo para incluir o aluno com deficiência nas atividades da sala e ainda ensinar aquilo que ele mais precisa para avançar significativamente dia após dia, tudo dentro da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), para qualquer disciplina, ano letivo e diagnóstico. Saliento que o sistema educacional brasileiro impõe a você mais de 2 mil habilidades na BNCC e diz para você construir um currículo em cima disso. Depois, é dito que esse currículo precisa ser flexível e adaptado para atender a todos os alunos, independentemente do diagnóstico. E diz que na educação inclusiva todos precisam aprender a mesma coisa ao mesmo tempo. Por isso, muita gente acha que o aluno com deficiência precisa ver todas as habilidades previstas para o ano letivo para ser incluído de verdade e acompanhar a sala. Entregue para o aluno apenas o que ele precisa e nunca o currículo inteiro, o que faz com que você o sobrecarregue (além de sobrecarregar a si mesmo) de conteúdos que não serão aprendidos dentro do tempo proposto, gerando mais dificuldade de aprendizagem e mais exclusão. É como regar uma plantinha com um balde de água. O aluno é afogado com excesso de currículo e não aprende, pelo contrário, se frustra, se sente incapaz e, às vezes, até desacredita de si. Por isso, é fundamental ter objetivos individuais e coletivos para o aluno com deficiência que possui defasagem ou dificuldade de aprendizagem. Pois, só é possível ver os avanços significativos dentro do que o aluno mais precisa com os objetivos individuais, e a inclusão apenas acontece, de fato, quando ele participa junto com a turma (objetivos coletivos)”.

Objetivos individuais e coletivos

O especialista salienta ainda que quando há objetivos individuais e objetivos coletivos, há equidade com igualdade. “Os professores que são norteados dessa forma têm tanta clareza do que estão ensinando que trazem paz para toda comunidade escolar, até para a família do aluno, que entende o que está sendo feito para incluir seu filho e passa a contribuir. Além disso, esses professores ganham paz para trabalhar todos os dias, porque sabem exatamente o que seus alunos precisam e os atendendo em suas necessidades. Chamo isso de uma adaptação curricular bem feita”, explica Leandro, que aborda a temática com profundidade em seu Curso de Adaptação Curricular.

Outro ponto que o especialista diz como fundamental para promover uma sala de aula mais inclusiva é a autonomia necessária para o aluno poder fazer as atividades, possibilitada com materiais adequados. “O livro didático e as atividades prontas da internet podem ser extremamente inacessíveis para alguns alunos. Design ruim, pouca usabilidade, muito texto, e questões mal elaboradas são as principais causas de barreiras cognitivas nos materiais didáticos”. De acordo com Leandro, para resolver a questão, o único caminho seria por meio da produção de material didático acessível, que pode ser dividido em duas categorias:

  1. Atividade adaptada – uma nova versão da atividade original, que tem a vantagem do aluno precisar se concentrar em um único material por vez. A desvantagem: o aluno recebe uma atividade diferente dos demais.
  2. Material de apoio – um material adicional para apoiar a execução da atividade original, que tem a vantagem do aluno trabalhar na mesma atividade que o restante da turma. A desvantagem: requerer que o aluno tenha atenção suficiente para trabalhar com vários materiais.

Materiais de apoio

Ele ressalta que por “materiais de apoio” ou “scaffolding (do inglês, que significa andaime)”, entende-se uma variedade de técnicas e estratégias utilizadas para ajudar os alunos a se moverem progressivamente em direção a objetivos de aprendizagem mais fortes e com independência no processo de aprendizagem. “O conceito é semelhante à forma como o andaime em uma construção fornece uma estrutura de suporte temporária, permitindo que os trabalhadores alcancem áreas que, de outra forma, seriam inacessíveis. Da mesma forma, no contexto educacional, os materiais de apoio fornecem uma estrutura que ajuda os alunos a alcançar metas de aprendizagem que seriam muito difíceis sem tal suporte. O scaffolding pode ser projetado para capturar e manter a atenção do aluno, guiando seu foco para informações e tarefas essenciais, o que é especialmente útil para alunos com déficits de atenção. Já o uso de prompts visuais, projeções, listas de verificação, guias passo a passo, anotações, ou tarefas divididas em partes menores, entre outros, pode ajudar a aliviar a carga sobre a memória de trabalho, permitindo que o aluno se concentre em elementos específicos da tarefa em mãos”, explica. 

O especialista sugere ainda que alguns materiais de apoio incluam lembretes ou sinais para ajudar os alunos a resistir a distratores e a se concentrar na tarefa, auxiliando aqueles com dificuldades em controle inibitório. “Em resumo, atividades adaptadas e materiais de apoio bem projetados podem desempenhar um papel crucial em apoiar e melhorar as funções executivas dos alunos, tornando o processo de aprendizagem mais acessível e eficaz”, destaca Leandro, que ministra também a Formação Produtor de Material Didático Acessível, destinada ao profissional que deseja aplicar na prática tais conceitos.

A Terapeuta Ocupacional Rayssa Béder complementa, listando ainda alguns pontos que  devem ser pensados no planejamento curricular da sala e nos materiais que serão desenvolvidos para o aluno com deficiência: “1) objetivo pedagógico da atividade; 2) tamanho e quantidade de questões; 3) forma de apresentação da atividade (precisa ser em papel impresso? Pode ser uma atividade digital? Pode utilizar um brinquedo pedagógico?); 4) avaliação qualitativa da participação do estudante em sala de aula (para além do produto final, pois a elaboração da resposta trará mais informações sobre a construção de conhecimento pelo estudante)”.

A especialista ressalta ainda a importância da equipe pedagógica desenvolver o planejamento educacional individualizado (PEI) ou Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) ao aluno atípico, que minimizará os impactos das diferentes situações que acontecem na rotina escolar e que podem interferir negativamente na construção de práticas inclusivas.  

Como preparar o entorno

Ela salienta também a importância de trabalhar os demais alunos da sala para que seja, de fato, inclusiva: “Enfatizo a necessidade da criação de uma cultura de conscientização com os demais estudantes sobre inclusão, valorização das diferenças, assim como a importância da empatia e do respeito junto a todos os integrantes da comunidade escolar. Uma sugestão é preparar a turma para a chegada do estudante com necessidades específicas de ensino, a partir de um diálogo aberto, adequado para a idade e com objetivo de conscientizar os demais, nunca estigmatizando o estudante que irá chegar. É importante que as crianças e adolescentes se sintam confortáveis para estar perto do estudante com deficiência, assim como possam conversar abertamente sobre suas dúvidas e inquietações, sempre com muito respeito e sensibilidade. E, caso exista na equipe o Psicólogo Educacional, os professores devem pedir ajuda para saber como abordar estes temas em sala de aula”, destaca a Terapeuta Ocupacional. 

Rayssa aponta ainda que o trabalho em equipe é o elo que conecta todas as ações de inclusão da pessoa com deficiência nos diferentes espaços. “No contexto escolar, é essencial que o professor peça ajuda e orientação da equipe multi/interdisciplinar, tanto para entender melhor o perfil clínico e funcional do estudante, quanto para pensar no planejamento das melhores estratégias inclusivas e adaptações a serem utilizadas com o estudante. A participação da família nesse processo todo é extremamente importante, por isso, é fundamental valorizar a parceria com os familiares. Além disso, estruturar uma boa avaliação pedagógica para mapear o conhecimento do estudante com certeza fará toda diferença!”.

Por fim, ela reforça ainda a importância de planejar o espaço físico da sala: “Sempre que possível tente estar mais perto do estudante com necessidades específicas de ensino, trazendo-o para frente e/ou organizando a sala de maneira circular. Dessa forma, o estudante com limitação física como o cadeirante consegue visualizar tudo que acontece na sala de aula, promovendo um ambiente acolhedor e convidativo”.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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