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Centro Universitário Integrado (PR) inova sua metodologia de ensino ao investir em plastinados von Hagens

À frente da coordenação da instituição, Dr. Marco Aurélio Marangoni fala ainda sobre a importância da simulação na educação médica no Brasil

alunas estudando com plastinados von Hagens
Professoras do curso de Medicina do Centro Universitário Integrado, em Campo Mourão (PR), com as peças von Hagens


O exclusivo método de plastinação von Hagens Plastination, desenvolvido pelo Dr. Gunther von Hagens, na Alemanha, oferece espécimes de anatomia real que permitem o estudo do corpo humano por dentro, de forma fascinante. A tecnologia utiliza corpos reais de pessoas que, em vida, autorizaram o uso de seus corpos à plastinação, como contribuição aos estudos e pesquisas em anatomia. Os alunos do curso de Medicina do Centro Universitário Integrado, em Campo Mourão (PR), agora terão a oportunidade de estudar Anatomia Humana com os plastinados von Hagens: a instituição é a primeira a adquirir espécimes com a Civiam, representante oficial da linha exclusiva do Dr. Gunther no Brasil.

“Vivemos em um momento em que nossos recursos educacionais anatômicos estão cada vez mais virtuais e as peças biológicas cada vez menos acessíveis. As peças biológicas convencionais não têm a mínima possibilidade de manter a preservação adequada das estruturas anatômicas mais delicadas e a plastinação com a tecnologia von Hagens tem essa capacidade, nos oferecendo peças incríveis, que são verdadeiras joias”, explica o médico Dr. Marco Aurélio Marangoni*, Coordenador e Professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Integrado (Campo Mourão/PR), onde também é responsável pelo Programa de Simulação no Curso de Medicina e pelo Hospital Simulado. Exatamente por isso, que, segundo ele, a instituição criará um museu para armazená-las para que alunos e professores possam ter acesso ao material mesmo fora dos horários de atividades curriculares.

Rins e glândulas supra renais com vasos sanguineos, seção coronal

“Foi um dos melhores investimentos que a escola fez porque pensamos no ganho pedagógico que os nossos alunos terão ao estudar com um acervo tão rico como este. Além disso, possuir as peças plastinadas colabora para proporcionar ao acadêmico o sentimento de orgulho por pertencer a uma escola inovadora e preocupada em oferecer o melhor para proporcionar a formação de médicos competentes, que está em consonância com nossos objetivos institucionais. Por isso, encaramos como investimento toda a iniciativa que traga ganhos educacionais e não como custos quando falamos em estratégias que permitam aprimorar a qualidade dos nossos cursos”, diz Marangoni. E complementa: “Começamos com uma quantidade determinada de peças da linha von Hagens Plastination, baseada em nossa necessidade inicial, mas queremos ampliar o nosso acervo de forma contínua a cada semestre”.

Simulação médica no Brasil

Marangoni é também um dos pioneiros em simulação médica no Brasil: em 2007, ele participou da implantação do centro de simulação realística do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Na época, eu era médico assistencial no Einstein e, por ter Doutorado, eu estava muito próximo dos programas de treinamentos. Como eu também lecionava na UNICID (Universidade Cidade de São Paulo), desde 2003, e me dedicava ao ensino de Habilidades Médicas, fui convidado para ser o médico da equipe do centro de simulação médica do hospital. Fui para Israel, onde fiz todo o treinamento com a equipe do Chaim Sheba Medical Center, referência mundial em simulação médica, para colaborar com a implantação do primeiro centro de simulação no Brasil”, explica o especialista, que tornou-se referência no assunto e, logo após, iniciou a implantação do centro de simulação médica da UNICID, juntamente com a Professora Carolina Soares Brandão.

O médico é também um dos fundadores da Abrassim (Associação Brasileira de Simulação na Saúde), fundada em setembro de 2010 com o objetivo de agregar todos os profissionais que trabalham com simulação ou que têm interesse nesta estratégia educacional para o ensino em saúde e, assim, tornar o Brasil um centro de referência mundial e excelência em simulação médica na educação.  

“Quando falamos em formar Médicos, a simulação não deve ser vista como futuro da educação, pois sua contribuição é inquestionável e seu emprego já deveria fazer parte de todos os cursos de Medicina. De certa forma, em um momento em que discutimos o uso de outras tecnologias, como a inteligência artificial e outras estratégias educacionais de vanguarda para formar médicos competentes, ouso dizer que a simulação médica é o presente e será considerada passado da forma como a praticamos hoje, tendo em vista o grande desenvolvimento que podemos esperar que ocorra nesse campo em pouco tempo. Acredito que a instituição de ensino que não utiliza a simulação médica, no mínimo, peca em ofertar oportunidades de aprendizagem aos seus alunos, pois considero que não exista substituto equiparável para o desenvolvimento de uma série de competências requeridas ao futuro profissional. Desta forma, as instituições que ainda não tenham incorporado o uso de simulação em sua matriz curricular, a meu ver, devem, em primeiro lugar, olhar para sua proposta de formação profissional e avaliar se conseguem realmente graduar seus alunos com os atributos requeridos pela sociedade para um bom médico e, como acredito que a resposta a esse questionamento será negativa, devem compreender o potencial da simulação na formação em saúde e caminhar no sentido de assumir a responsabilidade de entregar o que todos precisamos, que é uma educação médica comprometida e responsável. Vale ressaltar que para aproveitar todo o potencial da simulação é preciso capacitação pedagógica e planejamento educacional para incorporar a simulação médica no momento certo, com o objetivo estruturado e da forma correta para permitir o adequado desenvolvimento do aluno. O simulador não ensina, mas um bom trabalho com o uso de simuladores apropriados permitirá o aproveitamento real de todo o potencial que o instrumento pode oferecer”, explica o especialista. 

De acordo com ele, é preciso ainda que as instituições de ensino entendam a diferença entre a simulação médica direcionada aos profissionais de saúde e aos estudantes. “É comum as instituições de ensino conduzirem as simulações com estudantes da mesma forma como conduzem os cenários destinados ao treinamento de profissionais de saúde já graduados com ênfase na aplicação de protocolos. No entanto, para estudantes de graduação a simulação é completamente diferente, pois o uso correto da simulação permite a integração do conhecimento das ciências básicas, como a fisiologia e farmacologia com o atendimento dos casos simulados, sendo uma oportunidade única de trabalhar a construção do raciocínio clínico, tão difícil de ser ensinado e, usualmente, negligenciado nas escolas médicas. Além disso, a beleza da simulação é ver que o aluno tem a possibilidade de desenvolver o que gosto de chamar de  personalidade médica, percebendo-se como indivíduo único, compreendendo suas ações e reações e sua forma de analisar as situações e trabalhar em grupo. Isso não significa padronizá-lo em termos de respostas, mas significa ofertar a ele a possibilidade de autoconhecimento e de crescimento enquanto indivíduo e cidadão, que está frente a uma outra pessoa com necessidades igualmente ímpares”.

Para o especialista, a simulação preenche uma lacuna que a educação médica apresentava até então, que seria o terceiro pilar da Pirâmide de Miller, que versa sobre o demonstrar, o ser capaz de atuar, ou seja, de atuar “in vitro”, enquanto oportunidade de crescimento pessoal e de capacitação à inserção nos serviços assistenciais, protegendo a comunidade, mas também protegendo a si mesmo, na medida em que uma inserção catastrófica e despreparada pode levá-lo à percepção de uma inadequação à atuação como médico, quando, na verdade, houve uma falha no processo educacional.

“A simulação médica vem interligar toda a estrutura de conhecimento cognitivo com habilidades e atitudes para prepará-lo para a prática, passo este que não existia na grade curricular tradicional e é fundamental no processo do aprendizado, que é o demonstrar. No entanto, isso só ocorre adequadamente se a simulação for incorporada na matriz curricular, não podendo ser deixada como uma iniciativa livre, ou utilizada por uma paixão de um determinado docente ou grupo de docentes, ou mesmo de uma ou poucas unidades curriculares. Senão, o que vai acontecer é que a instituição vai utilizar pouco o simulador, de forma não profissional, com baixa eficácia e o que é pior, mais como propaganda de sua estrutura educacional, o que torna qualquer investimento caro demais a qualquer mantenedora, pois investimento em educação só faz sentido se vier acoplado a ganhos educacionais. Para isso, é preciso que a escola, para adequada incorporação da simulação, repense o projeto da formação do aluno e faça um planejamento adequado”, esclarece Marangoni. E complementa: “A educação médica com a simulação não é algo amador, pelo contrário: é extremamente profissional e precisa de pessoas capacitadas para implementá-la em suas escolas”.
Outra questão que o especialista destaca como importante é a instituição ser capaz de individualizar a incorporação da simulação em seu desenho pedagógico: “um outro erro comum das escolas é incorporar currículos em simulação desenvolvidos em outras localidades. Isso negligencia a real necessidade de cada escola e deixa de preparar os alunos para a inserção assistencial, pois a característica epidemiológica das comunidades são diversas em um país tão grande como o nosso, o que requer, invariavelmente, a construção conjunta de um currículo em simulação observando esses dados epidemiológicos, as características dos serviços assistenciais de inserção do aluno e, obviamente, da proposta pedagógica da instituição.”

Futuro da educação médica

Segundo o médico, o futuro da educação médica é difícil de ser evidenciado, já que, considerando a Medicina como uma ciência humana, ela está intimamente relacionada com o desenvolvimento da sociedade, que apresenta um movimento variável, imponderável e imprevisível. “No entanto, possivelmente, veremos o uso cada vez maior de diferentes tecnologias, como simulação virtual, realidade aumentada, inteligência artificial e gameficação, não como centro da estratégia educacional, mas como facilitadores e ou complementos para a aquisição e fixação de conteúdos. Essas estratégias já fazem parte da realidade de muitas instituições, como está ocorrendo no Centro Universitário Integrado. Vale ressaltar que a instituição que buscar a incorporação dessas ferramentas deve entender a necessidade do desenvolvimento de um time de profissionais que inclui, além do professor, o profissional de TI, computação e design gráfico, dentre outros, pois não se trata apenas do desenvolvimento de um produto, afinal, o mesmo deve levar em conta a concepção pedagógica que envolve toda a proposta”, explica o especialista. 

Quanto à pandemia, de acordo com Marangoni, a universidade não teve grandes dificuldades de adaptação em relação ao estudo a distância porque todo o material já era disponível aos alunos de forma digitalizada: “utilizamos de forma rotineira o Ambiente Virtual de Aprendizagem (Canvas) e, há dois anos, os modelos anatômicos, as lâminas utilizadas no laboratório morfofuncional, os roteiros e materiais de estudo e toda a nossa bibliografia já estava acessível on-line e 100% digitalizada, com acesso por QR code. Inclusive as avaliações já eram feitas de forma digital, pois permitem que o estudante receba feedback sobre o desempenho instantaneamente ao final, possibilitando que ele aprenda o que errou”, explica o professor. De acordo com ele, os maiores desafios têm sido a motivação dos estudantes para as atividades on-line e a adaptação às plataformas existentes no mercado que, inicialmente, eram mais rudimentares e receberam atualizações ao longo do tempo, que ampliaram a confiabilidade de uso. 

“Em minha opinião, para o futuro, até acredito que teremos um formato híbrido, mas penso que as aulas serão sempre presenciais, destinando as atividades on-line para estudos complementares ou iniciativas muito específicas como uma conferência de um convidado externo, pois, quando a questão da pandemia estiver controlada e o convívio interpessoal for possível com segurança, poderemos ter um efeito rebote: os alunos vão precisar de mais atividades presenciais do que on-line, exatamente pela estafa mental que o on-line trouxe em consequência do isolamento social requerido para enfrentamento da pandemia. Acredito ser muito provável que alguns congressos e cursos continuarão a ofertar uma versão on-line, que será um dos principais legados que vão permanecer, pois em relação à redução de custos é interessante, além do fato de possibilitar a participação de pessoas de diferentes localidades, o  que antes, talvez, não era possível”, diz o médico.

Quanto à qualidade da educação médica no Brasil, o especialista diz que, quando feita com responsabilidade, é uma das melhores do mundo. “O Brasil possui uma combinação ímpar no mundo: estamos em um país com nível intermediário de desenvolvimento e isso permite que tenhamos acesso à informação e tecnologia educacional e, ao mesmo tempo, temos uma carência assistencial que faz com que a população se beneficie amplamente do apoio assistencial que os médicos em formação podem fornecer. São pouquíssimos os países do mundo em que ambas as situações ocorrem, de forma que este fato colabora para a perspectiva de uma formação médica diferenciada. Além disso, somos inspirados pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Médica), que discute de forma profunda a educação médica e ajuda a construir um ambiente colaborativo entre as escolas, possuímos diretrizes curriculares nacionais claras e comprometidas com a qualidade e com a responsabilidade social da escola médica, temos uma estrutura de avaliação de escolas pelo Ministério da Educação, apoio do Conselho Federal de Medicina, centros formadores de educadores em profissões de saúde e expoentes internacionais em educação médica no Brasil. Tudo isso junto permite uma ampla discussão de como deve ser uma educação médica de qualidade que nos permite uma equiparação às melhores escolas internacionais, ainda que não garanta esse resultado”, avalia.Exatamente por isso que o médico é um dos defensores dos exames de suficiência, como segurança à população. “Infelizmente vejo uma discussão recorrente sobre as temáticas de novas e velhas escolas. Acho que essa temática é equivocada, pois a única forma de progredirmos é passarmos a discutir as escolas não com relação ao seu tempo de existência, mas sim frente à qualidade da formação que propõem e executam, de fato. Vejo também uma discussão sobre o exame do Revalida para os graduados fora do país. Infelizmente vejo uma incoerência na maioria das opiniões, pois muitas das pessoas que são a favor do Revalida são contra o exame de suficiência, também conhecido como exame de Ordem, como existe em outras áreas no Brasil e em praticamente todos os países que são reconhecidos como tendo uma educação médica de qualidade. Parece óbvio que, todas as pessoas ao concluírem um curso de Medicina, deveriam passar por um exame de suficiência, tendo eles cursado Medicina no Brasil ou no exterior. Ainda que pese a discussão sobre o modelo dessa avaliação em relação às múltiplas competências requeridas pelo médico, estou certo de que não realizar qualquer avaliação é pior do que realizar uma avaliação que não seja perfeita, até porque avaliações perfeitas não existem e isso parece não incomodar quando se discute a necessidade do Revalida. Deixo claro, sou a favor do exame de suficiência, do mesmo exame para todos, independentemente do local em que o médico se graduou”, explica.

*Marco Aurélio Marangoni é Graduado em Medicina (1995) e Residência Médica em Anestesiologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp -1998). 
Especialização em Medicina da Dor (2002) e Acupuntura (2004) pela AMB (Associação Médica Brasileira), Mestrado em Anestesiologia (2003) e Doutorado em Anestesiologia (2005) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). 
Curso de Cuidados Paliativos (Pallium Latinoamérica) pelo Oxford International Center for Palliative Care/ Universidad Del Salvador. 
Curso de treinamento de simulação realista pelo MSR (Centro de Simulação de Israel) no Centro Médico Chaim Sheba (Tel Aviv – 2007). 
Curso avançado de Avaliação pela Escola de Educação para a Saúde (SHE – Maastricht University, Holanda – 2008). 
Curso Principles of Medical Education (Harvard University – 2010). 
Estágio em Acupuntura no Zhongfang Red Cross Medical Center em HuaiHua (China – 2012). 
Especialização em Psicologia Analítica / Junguiana no IJEP – Instituto Junguiano de Educação e Pesquisa (São Paulo – 2015). 
Participante do Programa para Educadores em Profissões de Saúde (Instituto Macy – Harvard University – 2019).
Curso de Pacientes Simulados e Padronizados (SHE – Escola de Educação para a Saúde – Universidade de Maastricht, 2019).  
Professor facilitador do Programa para Educadores em Profissões de Saúde (Instituto Macy – Harvard University – 2020/21).
• Coordenador e Professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Integrado (Campo Mourão/PR – Brasil), onde também é responsável pelo Programa de Simulação no Curso de Medicina e pelo Hospital Simulado.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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