Pesquisar

Mês de Conscientização do Autismo e da Luta pela Educação Inclusiva

A importância do protagonismo da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Foto do Pedro junto com sua mãe fazendo uma apresentação em seu tablet de CAA para toda a escola que estuda

A voz embargada de Giselle Ávila ao contar como foi a apresentação do seu filho Pedro, 12 anos, no Dia Mundial de Conscientização do Autismo (2/4) na escola onde o jovem estuda, revela mais do que a emoção transbordando: significa o resultado de uma década de luta pela educação inclusiva do jovem, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Ver os alunos de todos os anos reunidos e em silêncio no pátio da escola para ouvir o Pedro se apresentar foi emocionante demais. E mais do que isso, vê-lo super animado por ter tido a oportunidade de ser o protagonista nessa data tão importante para falar sobre o autismo a todos os alunos foi uma experiência incrível para nós dois”, salienta Giselle, que explica que em anos anteriores, eles chegaram a se apresentar apenas para a turma da sala dele, sendo esta a primeira vez que ambos falaram para todos os alunos da Escola EBM Professora Zulma Souza da Silva, onde o jovem estuda há sete anos. (Confira aqui a matéria que fizemos com a escola).

Pedro, que não se comunica de forma verbal, apresentou-se com a ajuda da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) em um tablet (recurso de alta tecnologia assistiva), que também o possibilitou de nos responder, com apoio de sua fonoaudióloga, sobre como foi a sensação de falar para toda a escola nessa data: “Foi legal, eu me senti muito feliz nesse dia por ser ouvido e também por ter sido aplaudido. Foi importante para as pessoas me entenderem e saberem sobre TEA. Eu falei sobre mim, o que sinto. Eu não falo pela boca, mas me comunico pelo tablet, livros, YouTube”

Foto de Giselle no pátio da escola do seu filho com uma folha escrito: E se você fosse o autista, o que você esperaria das pessoas?

Giselle complementa: “Captei que ele estava se sentindo importante, de realmente as pessoas pararem para ouvi-lo, de pertencer naquele espaço escolar. Não é uma mãe falando do autismo, é o próprio autista se expressando e é sobre isso: o autista, mesmo que não seja oralizado, ele pensa, tem sentimentos e suas ideias e, principalmente, tem muito a compartilhar. A gente só precisa aprender a ouví-lo e essa situação toda foi um exemplo de como ele estava acolhido, se sentindo tranquilo e alegre. E é difícil não me emocionar com o que aconteceu, porque representa o reconhecimento de toda a escola e, principalmente dos alunos. Fiquei muito orgulhosa e muito emocionada, chorei quando todos o aplaudiram – passou um filme na minha cabeça desses 10 anos de luta pela inclusão escolar do Pedro desde o pré. E hoje poder compartilhar esse momento dele se expressando por meio da CAA e todos focados no que ele estava comunicando não tem preço. A expectativa é que as escolas reconheçam que os alunos com deficiência existem e que têm total possibilidade de participarem das atividades de forma efetiva, e não apenas nas datas de conscientização. E também não somente nas escolas, mas em todos os ambientes. A inclusão é uma luta coletiva, é responsabilidade de todos, então que possamos enquanto sociedade reconhecer essas pessoas e dar voz e lugar a elas, criando acessibilidade e estratégias inclusivas”.

Ela salienta ainda: “É preciso destacar que toda a euforia que ele sentiu acarretou em uma sobrecarga emocional grande. Logo que voltamos da escola, ele estava tão cansado que acabamos não aceitando o convite para ele palestrar às turmas da tarde. Os dias seguintes também foram desafiadores, não apenas pelas questões inerentes ao autismo e à agitação pela alegria, mas também porque Pedro está entrando na puberdade e a oscilação de humor acontece com mais frequência”. 

Capa do livro Mundo Bita "A diferença é o que nos une"

O jovem também se comunica por meio de livros. Ao perguntarmos qual mensagem ele gostaria de comunicar às pessoas nesta matéria, ele escolheu as seguintes páginas do livro “Mundo Bita – A diferença é o que nos une” (transcrevemos as páginas):

“Para ver melhor, amigo, use o coração
Enxergar o que é belo sem usar a visão

Pare para escutar que no silêncio há uma canção
Deixa bater no peito o tabor da vibração

Quem disse que não podemos?
Nunca duvide de nós

Somos especiais, quase super-heróis

Nosso corpo fala, 
Preste muita atenção

Não precisa palavra pra comunicação

Tantas são as formas de cruzar a imensidão
Demonstrando para o mundo nossa superação”

E a mensagem principal que Pedro quer comunicar:

Página do livro com a mensagem: Um pouco de carinho e de bondade pra ver que a diferença é o que nos une de verdade

E mesmo sendo assim ou assado

O amor se multiplica e se espalha por todo lado

“Descobrimos no ano passado essa forma de comunicação por meio dos livros. Dentro de alguma situação, ele busca um livro específico, abre em uma página, vai e volta na mesma, como se estivesse chamando a nossa atenção para a mensagem escrita. Então passamos a entender que essa é uma forma peculiar do Pedro expressar sentimentos e ideias e assim passamos a valorizar esse meio de comunicação e tem funcionado muito”, explica Giselle.

Luta pela Educação Inclusiva

Apesar das muitas vitórias que Giselle diz ter conquistado ao longo desses anos de luta pela educação inclusiva de Pedro, os entraves ainda são muitos: “Queremos profissionais com vontade de fazer a diferença e não aquele que tem o melhor currículo na Educação Especial, mas sem comprometimento e responsabilidade com o aluno. Precisamos de profissionais movidos pelo amor à profissão, com força de vontade para tornarem a educação acessível a todos e, principalmente, que a Secretaria de Educação possa oferecer-lhes capacitações de qualidade. É o caso de alguns professores da Escola EBM Professora Zulma Souza da Silva que, a partir da minha iniciativa de chamá-los para conversar sobre as peculiaridades do Pedro, puderam traçar estratégias de aprendizado que estão fazendo total diferença para ele. Destaco aqui dois profissionais: o professor Henrique, de História, que, na primeira conversa comigo, entendeu a forma como o Pedro entende e, a partir desse dia, passou a adaptar o conteúdo para ele conseguir participar das aulas. Resultado: História passou a ser uma das disciplinas preferidas do Pedro. Já a professora Vânia, de Artes, ficou surpresa quando lhe contei que, por não saber desenhar, ele não gostava muito da disciplina. Então, juntamente com a professora de apoio, ela disse que, a partir daquele momento, colocaria como meta pessoal fazê-lo aprender a desenhar até a conclusão do 9o ano! Veja quão potente é essa vontade de desenvolver uma habilidade que um estudante com deficiência hoje apresenta dificuldades. Eu me emociono ao conhecer profissionais tão comprometidos em desempenhar com maestria e amor a arte de ensinar”, diz Giselle.

Para ela, o alinhamento do tripé – família, saúde (acesso às terapias) e escola – é o que fará a inclusão acontecer realmente: “Para termos uma educação inclusiva mais efetiva aos estudantes com deficiência, nós, quanto família, também precisamos colaborar com a escola, assumir as nossas responsabilidades enquanto pais – educando os nossos filhos da mesma forma que educamos filhos sem deficiência: com limites e ensinando o respeito, em primeiro lugar. Porque se não há respeito e educação dentro de casa, não haverá na escola. Devemos ainda ser aliados dos professores, informando-os sobre as peculiaridades dos nossos filhos para que juntos possamos pensar na melhor forma de aprendizagem de cada um, como fiz com os professores do Pedro que me deram abertura para conversar. E, também, precisamos de políticas públicas que permitam o acesso à saúde por meio das terapias tão necessárias para o desenvolvimento das pessoas com deficiência e para que tenham uma melhor qualidade de vida. E, por fim, essas três esferas precisam conversar entre si de forma colaborativa e trabalhar para o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência”.

Gisele salienta também que tudo o que foi alcançado até hoje é fruto de muita perseverança e estudos: “A nossa luta pela educação inclusiva nunca foi fácil e sabemos que a inclusão 100% efetiva está longe de acontecer. Ao longo dessa jornada, eu abri mão de muitas coisas para a melhora da qualidade de vida do Pedro, como capacitações que fiz, como o curso de adaptação de material do Instituto Itard – assim, os materiais que eu adapto para ele eu também compartilho com os professores. Sei também que o Pedro tem o privilégio de ter acesso às terapias, mas tudo isso também é resultado da nossa luta pelos seus direitos”.

Ela destaca ainda a importância do respeito às escolas: “Vale ressaltar que toda relação com a escola deve ser à base do respeito e empatia.  Eu estudo há 10 anos sobre o autismo e, às vezes, aquele profissional que vai assumir como professor de apoio é recém-formado e não tem tanta experiência prática. Então eu não posso cobrar ou impor algo a esse profissional, mas posso sugerir de aprendermos a prática juntos, de forma colaborativa e com respeito. Além disso, sabemos que os professores estão sobrecarregados – o que prejudica ainda mais a nossa luta pela educação inclusiva. Por isso, é preciso também que lutemos pela valorização dos professores, principalmente os da Educação Especial, exigindo que sejam melhor remunerados e – repito – tenham melhores condições de trabalho, com um suporte efetivo das Secretarias da Educação em relação às capacitações de qualidade, pois, muitas vezes, os profissionais que se empenham para incluir um aluno com deficiência enfrentam entraves devido à falta de conhecimentos fundamentais para a inclusão, como em CAA, por exemplo. Somente assim saberão lidar com alunos com todos os tipos de deficiência, não apenas o autismo, e fazer, na totalidade, a diferença na vida de tantos estudantes”.

Confira também as matérias que já fizemos com a família e com a EBM Profa. Zulma Souza da Silva:

Comunicação Aumentativa e Alternativa e autismo: uma jornada que vale a pena!

Parceria entre família e escola: o segredo da inclusão escolar

EBM Profa. Zulma Souza da Silva: exemplo de escola regular que promove a inclusão em Blumenau

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

Artigos recentes