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Entrevista com Juliana Messias e Michella Amaral, da Associação AMEViver – que hoje atende a cerca de 70 famílias de pessoas com Amiotrofia Medular Espinhal

Um encontro de pessoas com uma realidade em comum para a qual ainda não há muitas respostas deu início, no segundo semestre de 2014, a um trabalho que hoje atende a cerca de 70 famílias na Grande São Paulo. A AMEviver é “uma associação sem fins lucrativos com o objetivo de informar, capacitar, unir e dar suporte a crianças portadoras de amiotrofia espinhal (AME); a seus familiares, e a profissionais da área da saúde que de certa forma estejam ligados à patologia ou interessados na mesma”. 

O Blog Civiam conversou com duas das co-fundadoras da AMEViver: Juliana Messias (40) e Michella Amaral (35) – que são mães de crianças que foram diagnosticadas com a AME I. No texto abaixo, elas nos explicam mais sobre este diagnóstico e sobre o trabalho da ONG.

A filha de Michella, Beatriz, está hoje com 5 anos e foi diagnosticada aos 7 meses de idade com uma insuficiência respiratória aguda por conta de uma gripe com bronquiolite. Ficou internada com um tubo para poder respirar e expandir seu pulmão que estava atelectasiado na parte esquerda. “Antes, procuramos um neurologista que nos aconselhou alguns exames que não deram nenhum resultado que indicasse um diagnóstico. Com quase 9 meses viemos para casa com atendimento domiciliar; e Bia estava com aparelhos para poder respirar via traqueostomia, e também com gastrostomia para sua alimentação enteral. Enfermagem 24 horas, fisioterapia e fono e uma equipe médica para acompanhá-la.”

Um dos eventos da AMEViver

Sobre Arthur, de 9 anos, sua mãe Juliana diz: “Ele saiu da maternidade com suspeitas de alguma miopatia, em virtude de uma hipotonia generalizada. Obteve alta somente porque tinha uma excelente sucção e porque o reflexo do olhar, segundo o médico, era extremamente presente – fazia contato muito bem. Saímos com encaminhamento para um neurologista infantil para investigarmos.

Arthur foi diagnosticado clinicamente com amiotrofia com 1 mês, quando estávamos no hospital para realizarmos uma biópsia muscular. Ele foi internado com 2 meses e 10 dias com muita dificuldade respiratória, perda de peso e então diagnosticado “oficialmente” com Amiotrofia Espinhal Progressiva tipo 1 em 05/02/2007, com 3 meses e 15 dias”.

As histórias de diagnósticos de AME geralmente têm um fator em comum: a demora na determinação da patologia. Isso se deve em grande parte ao fato de ainda haver poucas informações sobre ela. O que pode ser determinante na trajetória de cada paciente, uma vez que a AME é uma doença degenerativa cuja cura ainda não é conhecida. Segundo o site da AMEViver, esta patologia afeta aproximadamente 1 a cada 10.000 crianças e 1 a cada 100.000 adultos. É considerada uma das “doenças raras” e compromete as células do corno anterior da medula, causando fraqueza e atrofia muscular gradativas, de origem genética e autossômica recessiva. Ela é classificada em 4 tipos diferentes, sendo a AME I sua forma mais grave.

Juliana conta mais sobre o dia a dia da associação: “Nosso trabalho baseia-se em reuniões de diretoria e coordenadoria, onde estabelecemos cronogramas, traçamos objetivos e metas para informações, atualidades sobre a patologia, atualidades médicas, tecnológicas, assistivas. Também estudamos formas de captação de verba e doações para tentarmos as melhores formas de direcionar aqueles que estão conhecendo a patologia recentemente ou que por algum motivo não conseguiram se aprofundar desde o início e necessitam de todo esse apoio”. Ela explica mais: “Ajudamo-nos mutuamente, com informações, simpósios para mantermo-nos sempre atualizados, trocas de experiências, vivências, aprendizados, visitas de profissionais para avaliação de pessoas diagnosticadas, mutirões, amor ao próximo, encontros de famílias como forma de descontração e também como forma de divulgação da patologia.”

E sabemos que descontração e amor são, sim, parte importante da vida. E, certamente, de um tratamento de saúde. Com relação a isso, as duas mães falam sobre algumas preferências de seus filhos.

Conforme nos conta Michella, Beatriz gosta de ouvir música e de cantar; também ama teatros e coisa do tipo: “Um dia ela me disse que gostaria de conhecer a Disney… Me deu um nó na garganta enorme… e eu disse a ela que se tiver shows levaria ela quantas vezes pudermos”. Michella complementa: “Ela assiste muito a vídeos na internet, gosta do Frozen, Chiquititas, Carrossel, e agora Cúmplices de um Resgate e suas músicas. Ela gosta de estar com outras crianças e com suas primas”.

Juliana diz que Arthur curte desde orquestras até música sertaneja: “Muito eclético! Ele gosta de tudo de que possa participar. Leitura de livros, contadores de histórias, cinema, teatro, filmes, desenhos, exposições, passeios… uma verdadeira esponja. Gosta também de executar atividades com pinturas, recortes, atividades ocupacionais, estar junto da família e de seus amigos”.

O uso do Tobii PCEye

Arthur Messias

Arthur utiliza o PCEye junto com a fonoaudiologia de comunicação alternativa, três vezes por semana: “Nos dias em que ele está mais disposto, colocamos à noite também. Alguns fatores dificultam para o Arthur, como um pouco de estrabismo no olho direito, nistagmo e principalmente o fator não piscar, então temos tido evoluções sim, mas de uma forma mais lenta. Usamos bastante em interpretações de texto, montamos tabelas com as informações para ele responder, utilizamos para saber sobre sentimentos, algo que possa tê-lo deixado triste ou alegre… ele gosta bastante. Usa também para jogos de tabuleiros, então usamos o PCEye também como videogame! Ele gosta muito. Indiferentemente da finalidade, o Arthur sempre se mostra muito interessado”.

O cotidiano e a escola

Michella conta sobre o cotidiano de Beatriz: “Ela desde cedo recebe sua fisioterapeuta Débora, que faz a terapia respiratória e motora desde que viemos para o atendimento domiciliar, há 5 anos. Outras três vezes na semana, faz terapia com a fonoaudióloga Suhamy para manter o tônus muscular facial e também trabalhar a disfagia. Depois ela passa pela higienização com a técnica de enfermagem e pede para ler livros, contar histórias, assistir desenhos e se preparar pra ir à escola. Algumas vezes por semana passam a médica e a enfermeira para verificar se ela está bem”. Michella conta mais: “Se não é dia de ir para a escola, procuro dar algumas atividades que ela goste e também pego os brinquedos dela e a deixo à vontade pra escolher o que quer. Às vezes ela quer ir visitar as amigas ou, se o tempo está bom, ela vai à quadra ou ao parque do prédio e brinca com as crianças que estiverem lá”.

Na escola, Beatriz faz atividades de socialização, brinca e aprende coisas novas. Sua mãe diz que ela está aprendendo as letras e os números e fazendo atividades de alfabetização.

Beatriz na praia

Aliás, sobre seu início na vida escolar, Michella explica: “De início, quando conheci a Juliana Messias e ela me disse que seu filho – que é mais velho que a Bia 4 anos – frequentava uma escolinha desde os 2 anos, eu fiquei interessada, pois Bia tinha justamente essa idade e eu sentia que precisava de ajuda para saber criá-la corretamente. Fui conhecer a escolinha e sua estrutura e senti que era seguro para Beatriz por ser acessível e ter uma estrutura bacana para o seu bem-estar. Quando Beatriz fez 4 anos pensei sobre a possibilidade de colocá-la em colégios regulares e encontrei vários ‘nãos’… Muito difícil e frustrante pois a Beatriz tem o cognitivo preservado e é tão inteligente. No teste com o aparelho Tobii PCEye ela parecia uma criança autodidata. Não deixava a fisioterapeuta Graziela Polido ensiná-la pois pegou o jeito da calibragem do aparelho e queria aprender por si só. Nos surpreendeu com sua rapidez e inteligência e sei que com a tecnologia assistiva ela pode sim tentar frequentar um colégio regular”.

O aprendizado

As mães Juliana e Michella explicam como a vida de cada uma mudou de maneira positiva após a maternidade. O que é apenas um exemplo do que ouvimos de inúmeras mães e pais.

Nas palavras de Juliana: “O Arthur chegou revolucionando tudo… aguçou todas as minhas sensibilidades… fez-me descobrir fraquezas e fortalezas, colocou-me para refletir em inúmeras situações, sem dizer uma só palavra… Ensinou a muitos que vinham visitá-lo que para viver esta vida maravilhosa que nos é proporcionada, não precisamos de muito, mas de condições para nos fazer sorrir, nos sentirmos amados, nos amarmos do jeito que somos e termos vontade de viver. Um menino carinhoso, com um senso de justiça fora do normal, ama a todos que estão ao seu lado e cuidam do seu bem estar.

Ensinou-nos que pequenos problemas, dificuldades, podem sim ser deixados de lado, porque a vida é muito mais e podemos sempre enxergar pelo lado positivo. Posso dizer que em questões de evolução, estou me especializando com ele, fazendo pós graduação, MBA e pretendo quem sabe um dia ser PhD em amor ao próximo!”.

Michella diz: “Eu era uma pessoa muito egoísta e vazia… Procurava sempre um sentido real pra vida e me perdia cada vez mais em tudo. E pedia pra Deus para poder guiar minha vida em algo diferente que realmente tivesse sentido. É como se a Bia e toda a sua bagagem dessem um sentido à minha vida; cada caminhar e descoberta dela são uma conquista pra nós. Eu e o André somos seus admiradores pois a cada dia ela nos surpreende mais com a sua força de vida.”

Saiba mais sobre a Amiotrofia Muscular Espinhal e a AMEViver

Blog de Michella e Beatriz

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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