A Abre-te (Associação Brasileira de Síndrome de Rett) surgiu em 1990 como missão de vida do casal Isis e Claudio Riechelmann, após anos de uma incessante busca pela compreensão do que acontecia com a filha Catarina, caçula de quatro meninas, que culminou no diagnóstico da Síndrome de Rett. Definida como uma desordem rara do desenvolvimento neurológico, tendo sido reconhecida pelo mundo no início da década de 1980. Os sintomas iniciam, geralmente, aos 6 meses de vida da criança, quando as habilidades de fala, a capacidade de andar e o controle do uso das mãos começam a regredir e vão sendo substituídos por movimentos estereotipados, involuntários e repetitivos. Há também um esquecimento das palavras aprendidas, o que leva a uma progressiva interrupção do contato social. É comum que a criança com síndrome de Rett vá apresentando uma desaceleração do crescimento e tenha distúrbios respiratórios e do sono, além de convulsões. A partir dos 10 anos, mais ou menos, é comum o aparecimento de escolioses e de rigidez muscular, que fazem com que muitas crianças percam totalmente a mobilidade.
A síndrome tem a prevalência de ocorrer em pessoas do sexo feminino, mas também existem casos em meninos, apesar de raros. Exatamente por essa predominância em meninas é que a Rett sempre foi considerada de natureza genética, embora se trate de síndrome de ocorrência esporádica em 99% dos casos e o risco de casos familiares seja inferior a 0,5%. Por essas razões, as dificuldades das condições específicas da Rett aconteceram até 1997, quando uma família brasileira ajudou na descoberta final do gene e no esclarecimento de seu mecanismo genético. “Embora a Síndrome de Rett tenha sido descrita em 1966 pela primeira vez pelo médico austríaco Andrea Rett, uma família brasileira, de Curitiba, tinha três filhas com a síndrome, o que chamou a atenção do médico neurologista paranaense Dr. José Luiz Pinto Pereira. Em 1996, ele apresentou o caso em uma conferência médica realizada na cidade de Gotemburgo, na Suécia, que chamou especial atenção da neurogeneticista Sakkubai Naidu, que atuava no Kennedy Krieger Institute, instituição voltada ao tratamento e pesquisa de crianças com deficiência e ligada à Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos. Pesquisadora da doença, Sakkubai convidou o Dr. José Luiz a levar a família para Baltimore, onde poderiam realizar uma série de exames complementares. Como a família era muito humilde, a Abre-te a apoiou financeiramente e, juntamente com o acompanhamento de uma voluntária nossa e do Dr. Pereira, as meninas seguiram para pesquisa nos EUA no ano seguinte. Dessa forma, os cientistas chegaram à identificação das mutações no gene MECP2, identificando-o como o responsável pela patologia. Porém, a colaboração brasileira nas pesquisas americanas e o nosso esforço não foram reconhecidos pelos americanos, infelizmente”, lamenta Isis.
Considerando a prevalência da síndrome e a projeção de nascimentos do IBGE, estima-se que a cada 5 dias nasça uma pessoa com Síndrome de Rett no Brasil. Historicamente, a doença vinha sendo identificada como um distúrbio neurodegenerativo. Porém, sabe-se hoje que é incorreto e que um número expressivo de mulheres com Rett estão chegando aos 50 anos com assistência médica e suporte adequados.
A busca pelo diagnóstico
Catarina começou a apresentar os primeiros sinais de atraso neuropsicomotor aos 6 meses de idade e, após diversos diagnósticos errados e muitas incertezas, o casal decidiu levá-la com 1 ano e meio aos Estados Unidos na busca por um diagnóstico mais assertivo. “Foi lá, em 1986 que lemos, pela primeira vez, o nome da Síndrome de Rett em um relatório médico, resultado de uma junta médica do UNC Medical Center North Carolina University. A partir daí, comecei a ler tudo sobre a síndrome e era tudo muito triste e desesperador”, relembra Isis. De volta ao Brasil, o casal levou o relatório ao então neurologista de Catarina, que estava na época com 3,5 anos. Segundo Isis, o médico tinha acabado de ler uma matéria sobre a Rett em uma revista científica, que relatava o primeiro caso da síndrome no Brasil, e não teve dúvidas sobre o diagnóstico de Catarina. “A menina da foto da matéria, do primeiro caso diagnosticado no Brasil, era muito semelhante à minha filha. Foi um momento difícil, principalmente porque o texto só mencionava coisas muito negativas da evolução da doença”, diz a fundadora da Abre-te.
Ainda assim, Isis e o marido continuaram na busca por informações sobre a síndrome, voltaram aos EUA e chegaram em Kathy Hunter, presidente e fundadora da International Rett Syndrome Association (IRSA), em Washington (EUA). “Encontramos na Kathy muito acolhimento e muitas orientações e informações sobre a Rett, mas, principalmente, amparo
e amorosidade, que era o que estávamos precisando naquele momento. Ao contrário das notícias tenebrosas sobre a Rett que nos desesperavam ainda mais, ela nos deu tanto acolhimento que nos inspirou a fazer o mesmo com as famílias no Brasil”, explica a fundadora.
E, assim, de volta ao Rio de Janeiro, o casal decidiu levar como missão de vida espalhar e compartilhar o amor recebido de Kathy ao fundar a Abre-te Nacional em 26 de abril de 1990. “Na hora em que as famílias recebem o diagnóstico, o objetivo é sermos o colo, acolher essas mães com amorosidade, que é o que elas mais precisam nesse momento, além de muita orientação sobre como vai ser dali pra frente e como elas podem encarar a vida, que será cheia de percalços, mas juntas e com apoio, tudo ficará mais leve”, diz Isis.
E em pouco tempo, em torno de um ano, segundo ela, as notícias sobre a Abre-te foram pauta de veículos da imprensa, até mesmo do Fantástico, em 1992. E então, a associação abriu unidades em diversos estados, todas encabeçadas por voluntários que se associaram à causa por terem familiares com Rett. “Atendi diversas famílias com muito amor, recebendo mães de todo o país. Tivemos apoio de políticos e da imprensa, viajei para diversos locais para dar palestras, até mesmo para o exterior”, conta a fundadora.
Porém, alguns anos depois, Isis teve que se mudar do Rio de Janeiro para São José dos Campos (SP) e sair da atuação da sede física da Abre-te Nacional que, por falta de patrocínio e apoio financeiro, acabou fechando. As demais regionais também vieram a fechar, sendo que a sede da Abre-te São Paulo atuou por 26 anos sob a direção de Silvana Santos. “Hoje, a Abre-te funciona como uma rede de apoio com frentes de trabalho atuando em diversas regionais. As nossas ações continuam com palestras, eventos para esclarecer dúvidas, bazares e oferecemos todo apoio às famílias, principalmente psicológico e médico (consultas com parceiros), além de outras áreas, como jurídico no que diz respeito aos direitos da pessoa com deficiência (como o LOAS, o recebimento de insumos como fraldas, por exemplo), entre outros”, explica Isis. Antes da pandemia, a Abre-te organizava ainda mutirões de realização do exame de detecção da Síndrome de Rett de forma gratuita, em parceria com um médico colaborador da Abre-te que encaminhava as coletas de sangue para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “O exame da Rett é ainda caro no Brasil, hoje em torno de R$4mil, e por isso fazíamos esses mutirões de ajuda às famílias que precisavam do diagnóstico”, explica Isis. Ela relata que a expectativa é que sejam retomados, assim que a situação da pandemia realmente estiver mais segura. “Bem como os nossos ‘Papo Rett’, que pretendemos retomar, onde cada regional organiza tardes com coffeebreak com a presença de médicos e as famílias para esclarecimentos de dúvidas”.
Atualmente, a Abre-te é composta por voluntários de diferentes localidades do Brasil, que também têm familiares com Síndrome de Rett, e muitos compõem a Diretoria Executiva, Conselho Fiscal e Frentes de Trabalho, totalizando em torno de 50 voluntários. Sob a gestão até julho de 2024, hoje a Abre-te é presidida por Joel Perroni, que conheceu a associação em 1990 por meio da fundadora Isis, por conta de sua filha Ingrid, nascida em 1988 e que tem a síndrome. Isis atua hoje na associação como 2ª Conselheira do Conselho Fiscal.
De acordo com a fundadora, o primeiro passo para uma família que acabou de receber o diagnóstico de Rett e que quer apoio e orientação da Abre-te é fazer o cadastro no site da associação (https://abrete.org.br/area-de-usuario/), que ela mesma recebe o formulário e direciona a uma das líderes regionais para que a pessoa seja recebida com muita amorosidade pelo grupo. “Apesar de a doença ser grave, essa mãe vê no grupo de apoio uma luz no fim do túnel”, diz.
Para o segundo semestre, a Abre-te planeja diversas ações por conta do Outubro Roxo, que é o mês da conscientização da Síndrome de Rett, como palestras, caminhada no Parque Ibirapuera/SP, venda de camisetas, participação de pessoas com Rett e seus familiares em eventos culturais por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Projeto da Abre-te Cuidando de Quem cuida); bazares para arrecadar fundos; além de lives e workshops on-line.
A associação conta ainda com voluntários empenhados na divulgação de pesquisas científicas nacionais e internacionais sobre a Síndrome de Rett, que são publicadas no site da instituição. Entre as propostas para este ano, está também a publicação de possíveis trabalhos educativos, relatando os atendimentos realizados para amparar e orientar os trabalhos educativos relacionados ao atendimento da criança com Síndrome de Rett.
A Abre-te vem lutando ainda para o andamento e aprovações das leis que foram elaboradas para constituir outubro como mês oficial de conscientização sobre a Síndrome de Rett; além de buscar implementar políticas públicas a nível nacional e regional, considerando que cada estado possui sua legislação própria para doenças raras.
Às mães, a fundadora deixa a mensagem: “É difícil, mas, não se abandone! Você tem que viver a sua vida na íntegra, conforme Deus lhe deu! E você não tem que estar inteira porque você tem que cuidar da sua filha ou do seu filho com Rett, mas porque você é um ser humano. Você estando bem, a consequência é natural: você estará bem para os seus filhos, para o seu marido, para o seu emprego. Cuide de você, faça algo por você! Cuide do seu casamento, da sua família e não esqueça dos seus outros filhos. A Síndrome de Rett é difícil, mas não é impossível você conseguir viver com alegria. E mesmo que você não tenha recursos financeiros, faça coisas simples, como abrir uma cerveja junto com o seu marido, coloque uma música para vocês! E não desista da sua criança com Rett: ela precisa de amor, de carinho, de terapia. E, lembre-se sempre de pedir ajuda da Abre-te, pois as redes de apoio estão bastante consistentes”, orienta.
Os interessados em apoiar a associação com doações, podem fazê-las pelo site: https://abrete.org.br/doacoes/
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