“Pedro chegava aos marcos do desenvolvimento com atraso. Desde os 11 meses de idade, ele apresentava sinais de autismo, tais como não olhar nos olhos, girar os objetos e fixar o olhar neles, não chorar, ter dificuldades para dormir e não falar nada, nem o bebenês. A pediatra nos encaminhou a um neuropediatra em outra cidade, Florianópolis (morávamos em Lages), e então fomos em busca desse médico para que pudesse avaliá-lo. Ele nos pediu uma série de exames e nos encaminhou à terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicologia. Voltamos para Lages e iniciamos as intervenções terapêuticas, mas, na época, não havia na cidade terapeutas com tanta experiência em autismo como hoje, além do que, a TO não trabalhava com integração sensorial – fundamental no caso de autistas. Voltamos ao neuropediatra após alguns meses para os resultados dos exames e, então, quando Pedro tinha 1 ano e 8 meses ele foi diagnosticado com autismo nível 3 de suporte. O médico receitou uma medicação e, como pais de primeira viagem sem profundos conhecimentos em autismo, não o questionamos, apenas confiamos que seria o melhor para o Pedro. Como toda criança de 2 anos, ele tinha muita energia, brincava bastante, porém, com a medicação, ele parou de brincar, apenas ficava olhando para o alto. Passei a estudar sobre o autismo e descobri que era muito cedo para medicá-lo, além da dosagem ser alta para sua idade. Como família, decidimos suspender o medicamento e continuar somente com as terapias. Voltamos ao neuropediatra após três meses e os relatórios dos terapeutas indicavam que o Pedro estava conseguindo evoluir em seu desenvolvimento. Então, no final da consulta, falamos ao médico que havíamos suspendido o remédio e ele teve uma reação rude, disse que a linha de trabalho dele era apenas medicamentosa. Decidimos buscar outro profissional, mas que fique claro que não somos contra as medicações, mas, sim, o quanto é extremamente necessário buscarmos informações para podermos saber exatamente o que está sendo medicado e o mais importante: encontrarmos alternativas que realmente melhorem a qualidade de vida dos nossos filhos”. O relato, de Giselle Ávila, é bastante comum entre as famílias que acabaram de receber o diagnóstico de autismo ou qualquer outro tipo de condição atípica. Por isso, como forma de contribuir com os familiares e profissionais da saúde, compartilhamos a jornada de Giselle que, seguindo até mesmo sua intuição, acabou desenvolvendo uma forma de comunicação com Pedro que, depois de um tempo, descobriu que já tinha nome: a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).
Giselle é formada em Ciências Biológicas e ministrava aulas para o Ensino Fundamental e Médio, além de atuar em pousadas em Lages com o aspecto ambiental na área de turismo. A partir da licença maternidade parou de trabalhar por conta dos cuidados de Pedro e iniciou uma busca incessante por informações sobre o autismo. “Quando Pedro tinha 3 anos, mudamos para Blumenau e, então, encontramos outro neuropediatra que nos esclareceu todas as nossas dúvidas, além de termos mais estrutura quanto às terapias necessárias”, diz.
Ela ressalta ainda a importância da forma como as famílias encaram o diagnóstico: “Nossa vida pós diagnóstico não teve luto, não entramos em desespero. Apenas colocamos na cabeça a pergunta: o que podemos fazer para o nosso filho ter qualidade de vida?”. Tranquilidade essa que Giselle diz ser fundamental na busca de conhecimento sobre o autismo.
“E então, iniciamos uma jornada, nos construímos como família com o diagnóstico dele a partir do ponto de vista do autismo não como barreira, mas, sim, como impulso para ajudá-lo, o que nos tornou mais resilientes e nos faz sermos mais humildes. Hoje, celebramos as pequenas coisas que ele consegue fazer, que nos surpreendem muito. Ressalto ainda que estamos aqui tanto pra aprender quanto ensinar, mas é fato que aprendemos muito mais com Pedro do que o ensinamos. Somos pessoas melhores agora e essa percepção não é romantizar o autismo, mas destacar a importância das famílias tomarem a decisão de olhar sempre o melhor que nós, como pais, podemos fazer, sem nos pressionarmos ou jogarmos essa pressão na criança”, salienta.
Comunicação Aumentativa e Alternativa
“Mesmo sem conhecer a CAA, comecei a utilizar fotos para ajudar Pedro a antecipar os acontecimentos ao longo do dia, como foto da padaria, do banco, do terminal de ônibus onde pegávamos o transporte público – íamos para todo lugar juntos -, dos profissionais que o atendiam. Ou seja, sem saber, comecei a criar apoios visuais para ele e perceber o quanto era importante para a sua compreensão. Além disso, quando ele tinha entre 3 e 4 anos, começamos a perceber o encanto dele com as letras – ele adorava passear no mercado e passava os dedinhos nas letras. Nessa hora, falávamos letra por letra e a palavra final e, com o tempo, percebemos que ele conseguia ler. Então, começamos também a etiquetar a casa com os nomes das coisas – geladeira, sofá, mesa, cadeira e percebemos que ele chegava na geladeira e não sabia o que fazer. Então, intuitivamente, passei a colocar as palavras das ações e as imagens correspondentes às ações mais essenciais, como abrir e pegar”, relembra Giselle.
Quando Pedro entrou na escola, ela ressaltou aos profissionais da instituição a necessidade desse apoio visual na rotina escolar. “Os professores tiravam fotos pra mim das rodas de leitura, da aula de música, do parque, da hora do lanche, do passeio, entre outros. Dessa forma, eu ia construindo os apoios visuais de forma arcaica, mesmo sem nunca ter ouvido falar de CAA, e eu notava que ele conseguia compreender por meio das imagens. Pedro começou a ser atendido por um fonoaudiólogo que utilizava também imagens nas suas sessões, mas, ainda assim, Pedro não conseguia se comunicar. Deixávamos a rotina na parede e depois de um tempo estagnado com esse profissional, Pedro começou a sinalizar que não queria ir mais para as sessões com esse fonoaudiólogo. Ao olhar na rotina visual que teria a terapia, ele começava a chorar e então, trocamos de profissional para uma fonoaudióloga que aparentemente era bastante requisitada. No entanto, trabalhava apenas com tablet e joguinhos e, após um ano de terapia, não parecia que as sessões estavam evoluindo na questão do desenvolvimento da linguagem. Quando Pedro tinha quase 5 anos, conheci a Eleandra, que tinha uma filha também com autismo, não oralizada e havia sido diagnosticada também com apraxia de fala. Ela me indicou uma fonoaudióloga na nossa cidade, a Ana Maria Philipps, que estava se capacitando em Comunicação Aumentativa e Alternativa. Então, ao consultá-la, Pedro também foi diagnosticado com apraxia de fala e Ana Maria iniciou as intervenções. Ela fez ainda uma formação em PODD e nos apresentou à CAA, sugerindo iniciá-la com o Pedro. E, então, eu e a Eleandra, que se tornou uma grande amiga, fomos também fazer o curso de PODD, com a fonoaudióloga Alessandra Buosi, em 2021, em Florianópolis. A partir daí comecei a utilizar a CAA com o Pedro em baixa tecnologia e, juntamente com a fono, iniciamos uma busca constante por capacitação em CAA – momento que eu considero como um marco nas nossas vidas, um divisor de águas. Ressalto ainda a importância das mães se apoiarem, por isso sou muito grata à Eleandra, que tanto me ajudou e ajuda a seguirmos juntas na batalha por uma melhor qualidade de vida aos nossos filhos”, conta Giselle. Ela relembra a primeira vez que o garoto conseguiu comunicar com a CAA que não queria almoçar o que estava disponível, mas, sim, outro prato. “E, claro, que eu fui correndo no mercado comprar o que ele queria: almôndegas. Tenho certeza que foi a melhor almôndega que ele comeu e eu também”, relembra emocionada.
Ela complementa: “Depois migramos gradualmente para a alta tecnologia com o tablet e o aplicativo TD Snap (Tobii Dynavox). Pedro passou a levar o comunicador dele no ano passado para a sala de aula, mas para isso, tivemos que conversar e capacitar os professores para ensinarmos o uso do tablet e sobre a CAA na escola regular onde ele estuda”.
Giselle conta ainda que utiliza as pranchas de CAA em todos os ambientes. “A Comunicação Aumentativa e Alternativa trouxe o sentimento de pertencimento para o Pedro, porque antes a gente só o levava aos locais sem saber se ele queria ir. Por exemplo, ele adora o parque temático Beto Carrero World e, a partir do momento que introduzimos a CAA, ele responde se ele quer ir em determinado brinquedo, se quer repetir ou não. Descobrimos ainda com o comunicador que seu brinquedo preferido é diferente do que pensávamos, o que é surpreendente! Ver a felicidade dele de passar um dia no lugar que ele mais gosta, podendo se expressar, não tem preço! Além disso, ele está entrando na puberdade – fará 12 anos em julho -, então a CAA também tem ajudado a entendermos as suas questões emocionais, principalmente nos dias em que ele aparenta chateação”, salienta.
Giselle posta em seu Instagram (@giselle.avila.gv) os seus desafios e as ‘pequenas grandes’ conquistas que ela ressalta a importância de serem celebradas. Na próxima matéria, falaremos sobre o processo de inclusão de Pedro na escola, que só foi e é possível graças ao esforço e dedicação dessa mãe, que é uma inspiração, não apenas às famílias, mas também aos profissionais do ensino. Como ela diz em sua Bio do Instagram: “Ninguém quer ser amado pelo normal, cada um quer ser amado pelo que há de ÚNICO em si!”. Acompanhem!