Conheça a história inspiradora de mulheres que, ao aprenderem a lidar com a deficiência dos filhos, encontraram suas missões de vida

Neste Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje, 8/3, trazemos histórias inspiradoras de mulheres que, ao aprenderem a lidar com os desafios diários dos filhos com deficiência, acabaram encontrando nas dificuldades uma missão de vida: contribuir com famílias no acesso à informação e, principalmente, no acolhimento daquelas que acabaram de receber o diagnóstico de um filho com deficiência.
AUTISPOD
Mirela Carla é advogada e mãe do Arthur, 5 anos, autista. Ela atuou por anos na advocacia e tinha traçado planos para sua carreira, até que a maternidade mudou totalmente a sua vida: quando Arthur tinha 1 ano e 10 meses, foi matriculado na escola e aí os atrasos no desenvolvimento, que até então eram vistos como ‘preocupação exagerada de mãe de primeira viagem’, tanto por médicos, quanto por colegas de trabalho e amigos, começaram a dar um novo tom cinza ao que, no fundo, ela já sabia pelo feeling de mãe, que, como dizem, nunca erra: “Foi um choque, porque eu via as crianças se comunicando de alguma forma umas com as outras, tinham certa independência e atitudes, como, por exemplo, pegar na mochilinha uma garrafinha de água. Meu filho era extremamente dependente, ele não fazia absolutamente nada sozinho, não se comunicava e parecia que aquela era outra realidade. Com o coração apertado, comecei então a me questionar: ‘as crianças dessa idade já agem assim?’. Pedi uma atenção especial da professora com ele, até que ela e a coordenadora pedagógica solicitaram uma reunião comigo e com o meu marido. A professora pontuou todos os atrasos no desenvolvimento que o Arthur apresentava. Com acolhimento, ela foi enfática ao afirmar que ‘algo ele tinha’ e que era preciso buscarmos um médico. Meu mundo naquele instante desabou, chorei muito, mas sou imensamente grata pelo alerta daquela professora”, relembra a advogada.
Assim começou a sua jornada pela busca do diagnóstico, dado a Arthur com 2 anos de idade. Mirela então mergulhou em um mundo que as mães de pessoas com deficiência conhecem muito bem: uma rotina de consultas médicas, terapias diversas e profissionais da saúde de várias áreas. “Até que me deparei com a visão de diversos médicos dando uma sentença ao meu filho de incapacidade. Decidi então estudar a fundo o autismo e tudo sobre neurociência para entender como um cérebro típico funciona e o de um autista. Fiz diversas formações que pudessem ajudá-lo em seu desenvolvimento e, assim, me tornei Atendente Terapêutica (AT), mas somente do Arthur”, diz. Mirela sempre fez questão de acompanhar de perto tudo o que acontecia com o filho e, principalmente, ver a sua evolução quanto ao seu desenvolvimento com a estimulação contínua que aprendeu a fazer diariamente em casa. “Dessa forma, começou a ficar complexo continuar advogando e ainda acompanhar toda a rotina dele. Afinal, que empresa entende esses desafios das mães e flexibilizam o horário de trabalho?”, indaga a advogada, que foi aos poucos deixando de atuar diretamente com a profissão.
Além disso, com o tempo quase integralmente dedicado ao desenvolvimento do seu pequeno, ela começou a sentir um vazio profissionalmente. “Estava muito feliz com os resultados no desenvolvimento do meu filho, sabia todo o planejamento que tinha traçado para ele, mas e a Mirela, o que ela faria profissionalmente dali em diante? O que eu planejava para mim? Eu sabia que a advocacia não era mais meu objetivo, porque não preenchia mais meu coração”, relata. Até que um convite para participar de um podcast da cidade (Rio Preto) para falar sobre o autismo foi o suficiente para ela entender a sua missão de vida: ajudar famílias que precisam de informação, apoio e acolhimento para os desafios que ela, na época do diagnóstico de Arthur, enfrentou com a sua família. “Como o podcast foi um sucesso, a pessoa à frente do programa, que também é detentora do estúdio, me propôs ter meu próprio podcast e eu aceitei o desafio, afinal, as dores e as delícias da maternidade atípica me tornaram PHD na arte de “viver do improviso”. E foi assim, improvisando nesse papel tão novo de mãe de autista que nasceu o AUTISPOD, há seis meses, e eu entendi que ser uma contribuição à sociedade, que carece tanto de apoio quando falamos de pessoas com deficiência, preenche totalmente a minha alma. Hoje eu tenho a plena consciência do meu lugar no mundo e já tracei diversas metas para o canal neste ano”, diz Mirela, que teve total apoio de sua família para dar vida ao projeto.
De acordo com ela, um dos seus objetivos com o AUTISPOD é não romantizar o autismo, nem demonizá-lo: “A ideia é falarmos como ele é na realidade, sem rodeios, sem tabus, sendo um espaço seguro e descontraído para que famílias atípicas e típicas e profissionais (médicos, terapeutas, entre outros) possam falar sobre a maternidade/paternidade atípica, tendo como foco principal disseminar informação de qualidade e fortalecer a rede de apoio em Rio Preto e região”, explica.

Hoje, seu canal no YouTube (https://www.youtube.com/@AutisPod) conta com mais de 5 mil seguidores e os temas são divididos por episódios, em que Mirela traz convidados, como pais, médicos e terapeutas. “Os participantes são escolhidos a dedo e são pais ou profissionais cujo trabalho eu confio”, diz. O crescimento do canal tem surpreendido Mirela, que explica que o sucesso que vem fazendo se dá por conta de temas que são necessários abordar, mas que muitas pessoas ainda têm receio, como paternidade autista, gestão no comportamento agressivo, seletividade alimentar, entre outros. Ela aborda ainda as suas estratégias pessoais que funcionam com Arthur, como planejamentos com 3h de estimulação pela manhã e 3h à tarde para criar as conexões neuronais e a cognição. “Eu sempre busquei falar muito do autismo e do Arthur a todas as pessoas que eu encontrava na rua, porque meu objetivo era encontrar outras mães com filhos autistas e isso foi um divisor de águas na minha vida – pessoas que vivenciassem o mesmo que eu (claro, dadas as devidas proporções de cada caso). E, assim, comecei a montar uma rede de apoio na cidade, que hoje está sendo feita pelo AUTISPOD. Além disso, faço periodicamente lives com profissionais renomados para que as pessoas possam fazer perguntas ao vivo no chat: uma oportunidade para quem não tem condições financeiras para contratar os serviços daquele profissional, mas pode ter a possibilidade de ter uma orientação de alguém renomado naquele momento do que está mais latente na vida do seu filho”, diz.
Além disso, a comunicadora diz que a ideia do canal é também ser um auxílio às mães que não têm apoio e contam apenas com o SUS: “Quero que essas mães, quando assistirem os episódios onde eu mostro estimulações na prática, que elas também consigam aplicar com seus filhos, do jeito delas, de acordo com cada criança. Acredito muito no poder dos pais no tratamento e desenvolvimento de seus filhos. Conheço famílias que frequentaram as melhores clínicas e tiveram médicos renomados para a criança, mas são pais que não mantêm uma proximidade com os filhos Assim, deixando a responsabilidade apenas para as terapias fora de casa, as crianças com autismo não conseguem avançar. Sempre falo: 80% do desenvolvimento do autista é por conta do apoio da família, e apenas 20% do restante é dos profissionais. Não é fácil, o caminho é árduo, mas funciona”.
Contatos:
https://www.instagram.com/mirelacarla_autispod/
https://www.youtube.com/@AutisPod
https://www.facebook.com/mirelacarla.favoreto
Clínica Potencialize e projeto Maternidade Autista
Jamila Iara dos Santos, mãe da Manuela, 12 anos, e do Matheus, 9 anos, autista, é fundadora do projeto Maternidade Autista, que resultou na publicação do livro de mesmo nome “Maternidade Autista”, lançado em 2022 no mês da conscientização autista, em abril, pela Editora Nelpa. Na obra, ela compartilha os principais desafios que enfrentou e enfrenta diariamente com o autismo. Desde o diagnóstico do filho, quando ele tinha quase 2 anos de idade, ela passou a ser ativista da causa, atuando, principalmente, na conscientização sobre o autismo em sua cidade (Camanducaia/MG) e também sobre a importância da Comunicação Alternativa e recursos de Tecnologia Assistiva a pessoas com necessidades complexas de comunicação.
“Eu fiz uma pós em neuropsicopedagogia clínica e institucional, análise do comportamento aplicada e especialização em transtorno global do desenvolvimento. Em outubro do ano passado, na Secretaria de Assistência Social da prefeitura de Camanducaia, iniciamos um projeto gratuito chamado Casa de Brincar, voltado a crianças com alguma deficiência. Lá eu passei a atender já como neuropsicopedagoga e, na época, eram 27 crianças. Posso dizer que me encontrei profissionalmente nesses atendimentos e, então, resolvi pedir exoneração do meu cargo – estava há oito anos como coordenadora do Centro de Qualificação Profissional do município de Camanducaia – para empreender e montar a minha própria clínica, pois, ver o desenvolvimento dessas crianças que não tinham atenção compartilhada, mas após as intervenções passaram a tê-la, entre tantos outros benefícios, além de ver a diferença do nosso apoio na vida desses pais, é o que me realiza. Ainda mais porque me deparei com diversas famílias que estavam passando pelo mesmo que eu passei no início do diagnóstico do Matheus e que precisam de ajuda. Foi então que tomei coragem para realizar um sonho que tenho desde a infância: poder ajudar as pessoas como terapeuta. Assim, inaugurei no início deste ano a clínica Potencialize”, diz.

Jamila ressalta que ver as famílias em dificuldades por conta de um filho com autismo a faz voltar no tempo e relembrar tantos desafios que enfrentou sozinha: “Eu sofri muito, pois o Matheus precisava de vários profissionais e eu não tinha como custeá-los, mesmo sabendo que eram extremamente necessários para ele, que era uma criança muito agitada. O pouco que tinha de possibilidade de desenvolvimento era meia hora por semana e ainda onde eu o levava o foco não era especificamente o autismo; eram diferentes tipos de deficiência. E então eu comecei a estudar incansavelmente e, por isso, digo no meu livro que ‘enquanto o mundo dormia, eu estava estudando’. Buscava documentos, artigos científicos, apostilas, livros – e, dessa forma, fui me apaixonando pela possibilidade que os autistas poderiam ter de se desenvolver com as práticas adequadas. Fui também passando a entender cada vez mais sobre Transtorno Global do Desenvolvimento e querendo ajudar mais ainda as pessoas com deficiência. Busquei me capacitar e, assim, me tornei terapeuta, não apenas do Matheus, mas para ajudar outras famílias, porque sei como é a dor daquela mãe que, como eu, passa por diversas dificuldades e muitas vezes não consegue acessar todas as terapias de desenvolvimento para o seu filho. Por isso, como cientista do desenvolvimento humano, me comprometo a desenvolver todas as potencialidades dos meus pacientes, claro, dentro das possibilidades”, salienta Jamila, que complementa: “Eu sempre falo para os pais que a gente não leva os filhos nas terapias para deixarem de ter a deficiência, deixarem de ser quem são, mas para desenvolver as suas habilidades e diminuir comportamentos inadequados para que consigam, de fato, desenvolverem-se dentro das suas possibilidades”, enfatiza.
Jamila explica que sua especialidade é em Transtorno Global do Desenvolvimento e seu público é focado em pessoas de 3 a 12 anos. Para avaliação de prognóstico de pessoas sem diagnóstico (que é fechado por médico neurologista), a neuropsicopedagoga atende também pessoas com mais de 12 anos. “Com a expertise em autismo, não apenas pela vivência com o Matheus, somada às diversas qualificações que fui adquirindo, embora cada autista seja totalmente diferente, conheço profundamente as peculiaridades muito próximas que os autistas têm, como dificuldades na comunicação, interação social, comportamentos de estereotipias, entre outros. Além disso, atendo também pessoas com outras deficiências, como TDAH, dislexia, discalculia; e realizo avaliação para prognóstico de pessoas que ainda não têm diagnóstico, sendo este fechado apenas por médico neuropediatra ou neurologista. Também desenvolvo pessoas com dificuldade na aprendizagem, mas também sem diagnóstico”, explica.
Entendendo como missão de vida ser uma contribuição às famílias, Jamila disponibiliza ainda uma cota social em sua clínica como forma de ajudar quem não tem condições financeiras, situação que ela também vivenciou no início do diagnóstico do Matheu e que faz seus olhos encherem de lágrimas ao lembrar dos desafios enfrentados sozinha: “Hoje eu entendo o propósito de vida grandioso que o Matheus me trouxe. Lembro quando saía de Camanducaia por volta das 3h, 4h da manhã para levá-lo para o Hospital São Paulo, na capital paulista. Chegávamos por volta das 5h30, 6h, sendo que a consulta era às 14h. Ele era extremamente agitado, as salas do Hospital eram muito pequenas e, às vezes, esperávamos até na calçada, na rua. Foram tempos muito difíceis, principalmente quando chovia e eu tinha que segurar o Matheus, a sombrinha, os brinquedos, alguns alimentos para ele e o dinheiro acabava, afinal, esperar muitas horas com criança, que tem à vista carrinho de pipoca e diversas coisas, era desafiador. Já chorei muito sozinha por dentro sem que ele percebesse, era muito cansativo: voltava para Camanducaia por volta das 22h, sendo que tinha saído de casa 4h30 da manhã. Eu via os pais levando os filhos para as intervenções e eu queria que ele participasse de tudo aquilo. Mas eu estava longe, não conseguia levá-lo todo dia, por isso, passei a estudar muito para poder ajudá-lo: me tornei a terapeuta do Matheus, professora e até um pouco advogada na luta pelos seus direitos. Então eu tive que me reinventar e tantas dores, erros, acertos, aprendizagens, frustrações, bullying, incompreensão foram os combustíveis que me motivaram a querer trabalhar mais de perto com as pessoas com deficiência e famílias. A clínica é resultado de toda a minha luta, que compila todos os momentos bastante difíceis para mim, mas que foram transformados em amor nos meus atendimentos”, ressalta Jamila.
Além da clínica, a especialista continua atuando como ativista e palestrante por meio do projeto Maternidade Autista, que ela sonha em um dia se tornar um Instituto de conscientização sobre autismo, inclusão, Comunicação Alternativa, entre outros assuntos. “Continuamos com a premiação pelo projeto das melhores ações de inclusão praticadas pelo comércio. Ressalto sempre que quando os pais forem fazer pedido de comida via aplicativo, que escrevam na observação adaptações que possam ajudar a criança autista a aceitar o alimento. Exemplo disso é a Pizzaria Italiana, aqui de Camanducaia, que, ao saber que o Matheus só come a borda recheada da pizza, eles nos atendem enviando o nosso pedido com a borda bem caprichada para o meu filho. São pequenas atitudes que fazem a diferença na vida das famílias que enfrentam dificuldades todos os dias, o dia todo! E é disso que precisamos: mais empatia, pois isso é inclusão”, exemplifica Jamila.
Incansável nos estudos, a neuropsicopedagoga atualmente está cursando Terapia Ocupacional, formação que anseia conquistar para agregar ainda mais seus atendimentos.
Contato: