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Trabalhar a antecipação por meio da CAA é o segredo do casal Shirley e Rui para viajar de avião com mais tranquilidade com o filho João

João e sua mãe dentro do mar em uma cidade litoranea
João e seu irmão Noah curtindo o mar – arquivo pessoal @autismouniversal

O período de férias escolares, que traz muita animação quando o assunto é viajar, por exemplo, pode ser também um desafio para pais de crianças autistas, principalmente em viagens de avião, pois, muitas vezes, elas não conseguem lidar com a espera no aeroporto, as horas de voo, entre outras situações. 

No entanto, Shirley e Rui Lima lidam hoje com mais tranquilidade com tais dificuldades e, muitas vezes, conseguem até mesmo evitá-las durante as viagens que frequentemente fazem do Chile ao Brasil, não só durante o período das férias, mas para realizar consultas de rotina do filho caçula João, hoje com 10 anos, diagnosticado aos 4 com autismo. “Sempre que vamos realizar uma viagem com o João, partimos do princípio que a antecipação é fundamental. Pelo menos, cinco dias que antecedem a viagem começamos a informar, através do sistema de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) que ele utiliza, detalhes de tudo: onde vamos, o que possivelmente faremos e o período que estaremos fora de casa. Depois disso nós preparamos a história social, com o passo a passo de como será nossa viagem, desde a saída de casa, o meio de transporte que nos levará ao aeroporto, os trâmites de despachar as malas, a passagem pela imigração e, por fim, o embarque no avião”, explica Shirley. 

De acordo com ela, na última viagem que fizeram ao Brasil no mês passado (confira alguns vídeos compartilhados no perfil do Instagram criado pelo casal: @autismouniversal  https://www.instagram.com/p/CcKtKrwg50D/), a família estava iniciando o uso de um aplicativo de CAA que tinha adquirido há uma semana. “Estávamos conhecendo o App e, por isso, as pranchas de comunicação impressas e o aplicativo gratuito Let me Talk continuaram sendo fundamentais para que o João pudesse se comunicar, porque já estava familiarizado com ambos os sistemas”, esclarece.

Para a montagem das pranchas de comunicação, Rui explica como é feita a escolha dos pictogramas: “Em primeiro lugar, selecionamos as palavras essenciais, que não podem faltar; em segundo, é importante considerar os lugares onde estarão e as imagens que possivelmente se utilizam nestes ambientes. E, assim, vamos montando a prancha”.

Shirley conta que antes do uso dos materiais de CAA, as viagens eram muito estressantes e cansativas. Segundo ela, a comunicação alternativa foi introduzida na vida do pequeno em 2017 (contamos mais sobre como foi essa adaptação em uma matéria que fizemos com a família. Clique aqui!). “Sempre ficamos um pouco apreensivos, porque mesmo com o vasto material que preparamos, que resulta em várias pastas com pranchas de CAA para prever e antecipar a maioria das situações em todos os ambientes e, assim, evitar as crises, nem sempre conseguimos contemplar tudo. O importante é sempre trabalhar com a antecipação e tentarmos prever a maior parte das situações. E, claro, estarmos preparados para lidar com as situações desafiadoras que vierem”, explica Shirley.

João dentro do avião com as historias sociais – crédito da imagem @autismouniversal
João está numa fila e seu pai está mostrando uma prancha de CAA
João na fila com pranchas de CAA – crédito da imagem @autismouniversal

E a antecipação, segundo ela, é também em relação às atitudes que os pais precisam tomar diante do que os filhos estão comunicando nessas situações atípicas, como em aeroportos, para evitar as crises, o que significa atenção a todo momento, não apenas em relação a antecipar a rotina. “O João se comportou muito bem, sabia o que estava acontecendo, em alguns momentos em que tínhamos que esperar muito tempo, por exemplo, para o embarque, ele nos mostrava que já estava cansado por meio da história social: pela imagem do avião e do menino sentado colocando o cinto de segurança, ou seja, ele estava comunicando que queria ir embora, que não queria mais ficar ali. Então tínhamos que andar um pouco com ele, explicando e mostrando, através das pranchas de comunicação, que tínhamos que esperar mais um pouco”.

Em relação ao embarque, Rui dá algumas dicas para as famílias: “Sempre esperamos para embarcar por último, procuramos estar sempre afastados da aglomeração do embarque, tendo sempre à mão a prancha de comunicação e a história social para que o João vá entendendo que estamos entrando no avião”.

 Como lidar com as crises

O casal explica que já passou por desafios durante os voos em algumas viagens e agora adotam algumas estratégias, que compartilham com famílias que viajam com crianças autistas: “O João já teve fortes crises durante o voo, onde tivemos que contê-lo algumas vezes, inclusive, durante a crise, dele chutar o assento da frente, causando incômodo à pessoa, que passava a reclamar achando que era um mau comportamento de uma criança sem limites. E mesmo explicando e nos desculpando pelo ocorrido, em algumas ocasiões encontramos pessoas sem nenhuma empatia, que não entendiam e nem queriam entender qual era a situação, que falavam coisas como: “ele não tem cara de autista”. Então tínhamos que ficar segurando a perna dele durante todo o voo e distraí-lo com o que desse para evitar uma nova crise e para não ter mais  problemas com nenhum passageiro, até que, depois de algumas viagens estressantes, tivemos uma ideia que sempre utilizamos: hoje reservamos um assento na frente do João para um de nós, como precaução, caso ele venha a ter alguma crise durante o voo”, explica Shirley.

“E o mais importante nestes momentos é tentar manter a calma e concentrar-se completamente para que o seu filho volte a ficar bem, pois, ao redor, na maioria das vezes, sempre haverá olhares recriminatórios e comentários negativos por parte de pessoas sem empatia e desinformadas sobre autismo”, orienta Rui.

Para diminuir ainda mais as crises em viagens com os comportamentos desafiadores, o casal diz ainda que utiliza a estratégia dos treinos de habilidades sociais. “Sempre procuramos levar o João em diferentes lugares, porque entendemos que ele precisa estar exposto a diferentes situações e ambientes. Dessa forma, ele tem aprendido como deve se comportar. Claro que isso requer muita paciência, repetição, amor e antecipação e quando queremos ir a um lugar que ele nunca foi, procuramos caminhar com ele pelo local para ele poder conhecer tudo o possível do espaço, mas temos que estar preparados para possíveis situações indesejadas. Por muitas vezes tivemos que ir embora de alguns lugares, porque o João não estava bem e não conseguíamos identificar o que estava passando. No caso de viajar de avião, temos que ter sempre alguma coisa de comer e beber disponível para não ter problema com a baixa pressão de ar que tampa os ouvidos e também procuramos mantê-lo sempre confortável, para que ele não passe frio e nem calor durante a viagem, porque, no caso dele, isso também pode ocasionar uma crise. Temos que estar muito atentos aos nossos filhos e procurar conhecê-los bem, o que já ajudará e muito nesse processo”, sugere Shirley.

Eles explicam ainda que a interação de toda a família por meio da CAA é um dos principais segredos para o sucesso na compreensão da criança com autismo, seja em viagens, em passeios, em parques, em shoppings. “O uso da CAA exige muito treino, modelagem e paciência. No início treinávamos com todos de casa o uso dos símbolos para que o João visse que era uma forma natural de comunicação entre todos. Aqui em casa todos respiramos CAA. Estamos todos comprometidos, inclusive o Noah, meu filho mais velho, para que o João desfrute de um ambiente acolhedor e com comunicação funcional, eficiente e prática”, diz Shirley.

Por conta dos inúmeros pedidos para que eles ensinem e orientem como montar os materiais encantadores que elaboram com tanta dedicação para o João, Rui e Shirley estão preparando um curso para quem tiver o interesse em aprender as técnicas de montagem das pranchas, elaboradas pelo casal. As informações serão divulgadas no Instagram da família @autismouniversal e a previsão é que seja lançado ainda este ano.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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