
“Invisibilidade”. Foi esta a resposta que, ao ser questionada sobre o assunto que gostaria de falar em nosso blog, Beth Ribeiro nos respondeu por meio do controle ocular, recurso de tecnologia assistiva que utiliza para se comunicar.
Diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), em abril de 2020, Beth, começou a ter os primeiros sintomas durante uma viagem no final de 2019. Os sintomas se agravaram e, a empresária, que estava vivendo, como ela diz, uma vida maravilhosa – a sua empresa, a Comunica Filmes, uma produtora de comerciais para a TV, estava no auge do sucesso; no amor, havia encontrado um companheiro para a vida e estava tranquila com a filha, formada, pós-graduada e morando sozinha – se viu diante do início de um pesadelo. “Ao receber o diagnóstico, eu e meu companheiro choramos por horas. A partir daí eu caí em depressão, não queria mais viver. Minha filha e ele tiveram que abdicar de suas vidas e vieram viver comigo para cuidar de mim. E digo que esse amor todo foi o que me salvou”, diz a publicitária. E então, Beth resgatou a vontade de viver e passou a levar como propósito a luta por melhores condições de vida às pessoas que, como ela, passam pelos desafios impostos pelas doenças raras.
Em outubro passado, Beth foi para a Coreia do Sul para realizar um tratamento com células-tronco, desenvolvido pela Corestem, em conjunto com uma renomada universidade coreana, a Hanyang University. “Foi uma grande aventura, a Coréia do Sul estava completamente fechada por conta da pandemia, mas, após vários apelos médicos a Hanyang concordou em nos receber, mas precisaríamos de visto. Como tenho cidadania portuguesa, fomos para Lisboa e pelo consulado coreano de lá íamos todos os dias implorar a liberação do visto, até que conseguimos. Chegamos em Seoul dia 08 de outubro de 2020 e houve uma verdadeira operação de guerra: fomos escoltados pela polícia até o local da quarentena, onde ficamos 14 dias trancados, monitorados, recebendo comida coreana, que é muito difícil de se adaptar. A sorte é que tive a ideia de comprar café solúvel no aeroporto e passamos a quarentena racionando o café e comendo miojo”, diverte-se Beth. De acordo com a empresária, foram três meses em Seoul e ela foi a primeira brasileira a receber o tratamento, que tem a promessa de estabilizar os sintomas por até quatro meses.
“A Coreia é uma grande lição de vida, as pessoas são educadas, trabalham muito e são gratas o tempo todo. A acessibilidade é impressionante, não há obstáculos, visitávamos toda a cidade com a cadeira de rodas. E um fato muito importante é que em nenhum momento me senti invisível, fui respeitada e tratada igualmente. O capacitismo é cultural”, relata.
E é esse sentir-se invisível que Beth traz como reflexão a todos, porque, segundo ela, no Brasil as pessoas não estão preparadas para lidar com pessoas com deficiência. “Quer se sentir invisível? Sente-se em uma cadeira de rodas. Desde que passei a usá-la, em setembro de 2020, imediatamente me deparei com um mundo me tratando de forma diferente, como se eu não existisse ou fosse incapaz. Por exemplo, o garçom sempre pergunta para a pessoa que me acompanha “o que ela vai querer?”, sem olhar para mim. Em lojas, indico o que quero e a atendente pergunta para quem está me acompanhando: “qual o tamanho?”, e por aí vai. Ou seja, o termo que define esse comportamento é capacitismo: a discriminação e o preconceito social contra a pessoa com deficiência”, diz.
A tecnologia a favor da qualidade de vida
“É muito difícil explicar o sentimento de não conseguir falar, tive perdas importantes ao longo da vida e a dor que sinto não se compara, é como morrer e continuar aqui. Quando comecei a ter problemas com a fala, tive a certeza de que se parasse de falar não suportaria viver. Minha filha foi atrás do recurso de controle ocular, mas eu estava resistente, estava focada na dor da perda. Deixar de falar estava sendo muito duro, ainda mais porque, por eu ser publicitária, a comunicação era uma das habilidades que melhor me representava. É como se eu estivesse morrendo, cheguei a analisar seriamente um processo internacional de eutanásia. Agora estou aqui contando a minha história e dos meus planos para o futuro”, diz Beth, que, antes do diagnóstico, mantinha uma vida intensa e se desdobrava entre o comando da sua empresa, viagens, amor e família.

Em fevereiro de 2021, a empresária começou a utilizar o controle ocular, recurso de alta tecnologia da Tobii Dynavox. “Fui perdendo o movimento das mãos e o primeiro impacto foi na assinatura, comecei a ter problemas com banco, negócios, minha assinatura não era reconhecida, então tive que tornar minha filha procuradora. Depois não conseguia usar o celular, perdi o contato com o mundo, não conseguia fazer ou atender ligações, não acessava meus amigos e também os contatos profissionais. Imagine, sempre fui extremamente independente e de repente fiquei isolada do mundo e dependendo da minha filha para resolver assuntos profissionais. Quando fui apresentada ao Tobii, eu verdadeiramente voltei a viver. Retomei o controle da minha vida, sou eu que administro meus negócios, faço as compras de casa, gerencio cuidadoras, assino digitalmente os documentos, enfim, me relaciono com o mundo”.
Beth, quando sai de casa, agora utiliza um tablet, que fica acoplado em sua cadeira de rodas para poder se comunicar com as pessoas e amenizar a ‘invisibilidade’. “Fui almoçar com meus amigos e eles ficaram enlouquecidos, queriam usar o recurso, disseram que é igual ao do Stephen Hawking. E o melhor foi no final do almoço, que eu disse através do tablet: ‘Amigos, que saudades! Amo muito vocês. Obrigada’. Todos ficaram emocionados, foi muito legal”, diz.
Projetos sociais
A empresária está desenvolvendo uma consultoria para ajudar empresas a adaptarem seus produtos e serviços para as pessoas com doenças raras e deficiência e, assim, também possam sair da invisibilidade. “O objetivo é que uma pessoa com deficiência possa entrar num restaurante ou loja e seja tratada com igualdade”, afirma.
E, mesmo com o uso do tablet pelo usuário, Beth acredita ainda ser um caminho longo para que os funcionários dos estabelecimentos se dirijam à pessoa com deficiência por meio dos recursos: “o tablet como recurso de comunicação funciona, porém, as pessoas não estão acostumadas a se comunicarem por meio dele e não esperam que aconteça essa comunicação, por isso, nós ainda precisamos chamar a atenção do atendente. O ideal é que haja uma capacitação das pessoas para que o olhar delas esteja voltado também às pessoas com deficiência, não apenas a quem as acompanha. Somente dessa forma é que nós seremos vistos de verdade, o que significa um longo e árduo caminho que precisa ser percorrido para que haja a inclusão social de fato”, explica.