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A importância dos recursos de apoio adequados à prática da modelagem

Foto de Valéria Santos sorrindo, segurando um tablet de CAA

“A modelagem é uma estratégia de intervenção em Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) baseada em evidências e tem um impacto positivo não apenas na aprendizagem de símbolos gráficos, mas também na melhora da compreensão da fala das pessoas com necessidades complexas de comunicação”, explica a fonoaudióloga Valeria Santos, especialista em CAA e no atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista. 

Segundo ela, o princípio básico desta intervenção é que o parceiro de comunicação utilize a CAA além da linguagem falada, a fim de fornecer à criança um modelo de comunicação que a criança utilizará para poder se comunicar. “Isso significa que o adulto ou profissional se comunica usando o sistema de CAA da criança, mostrando, em contexto real, como se comunicar de forma funcional”, destaca Valeria.

A especialista cita ainda os diversos benefícios que a estratégia da modelagem proporciona, tais como:

• Promove a compreensão da ferramenta de CAA: A criança aprende observando como as palavras e os símbolos são usados em situações cotidianas. Ao ver um adulto modelar, a criança entende que aqueles símbolos representam comunicação real e funcional.

• Cria um ambiente de aprendizado natural: O uso contínuo e consistente da modelagem ensina à criança que aquele sistema de comunicação é uma maneira viável e efetiva de se expressar. Sem esse exemplo constante, a criança pode não entender como o sistema pode ser útil na vida cotidiana.

• Reduz a pressão e aumenta a motivação: A modelagem reduz a pressão de “falar” sobre a criança. Ela não precisa produzir imediatamente a fala, mas sim observar e internalizar como a comunicação acontece por meio da CAA, o que ajuda na motivação e na disposição para experimentar.

Valeria ressalta que os recursos de apoio são fundamentais para a aplicação da estratégia, mas que é preciso cautela na hora da escolha dos materiais, uma vez que devem ser indicados por um profissional especializado em CAA e em modelagem: “Os recursos encontrados na internet e compartilhados por grupos, como no WhatsApp, podem ser úteis, mas há alguns pontos de atenção importantes. Esses recursos podem ser inspiradores e oferecer ideias práticas, mas sem orientação profissional, há riscos de:

Aplicação inadequada dos recursos: O uso de materiais que não são adaptados às necessidades específicas da criança pode não promover um aprendizado eficiente. Cada criança tem necessidades, interesses e habilidades diferentes. A escolha do vocabulário e das estratégias de intervenção deve ser personalizada.

Falta de continuidade e prática eficaz: A modelagem, para ser eficaz, precisa ser usada de maneira consistente e natural ao longo do dia. Apenas seguir materiais prontos, sem entender como adaptar ao contexto da criança, pode limitar os resultados. É essencial saber como incluir a CAA nas situações do dia a dia da criança, o que só pode ser feito com um planejamento cuidadoso e orientado.

Por isso, a modelagem exige mais do que materiais prontos; ela exige uma compreensão do propósito da comunicação e de como ela pode ser usada para promover a autonomia da criança”, destaca a fonoaudióloga.

Ela ressalta que a fonte dos materiais é também um fator a ser considerado: “É importante que as pessoas, ao buscarem materiais gratuitos, certifiquem-se da origem do recurso, priorizando fontes que tenham profundo conhecimento em CAA”, ressalta. 

Para exemplificar, Valeria cita os livrinhos produzidos pela Tobii Dynavox (empresa com sede na Suécia, especialista em recursos de CAA), que são específicos para a modelagem de palavras básicas. Eles foram traduzidos para o português pelo time da Civiam e estão disponíveis gratuitamente para download:

“Os  materiais desenvolvidos pela Tobii Dynavox são atraentes e ajudam a modelar a comunicação de forma natural, utilizando um contexto lúdico e envolvente. Isso torna o processo mais divertido para a criança, aumentando seu interesse e motivação. Ter um material visual concreto, como os livrinhos, ajuda as famílias a entender como realizar a modelagem em casa de uma forma que seja menos intimidante. Eles oferecem um guia sobre como introduzir o vocabulário e fornece exemplos de uso do sistema de CAA”, destaca. 

Fundo verde com 5 livrinhos de modelagem e mais dois planos de atividades.

A especialista enfatiza ainda a importância da modelagem no aprendizado das palavras básicas: “Trata-se de uma forma de expor a criança a um vocabulário essencial e funcional de maneira prática e repetida. Palavras como “querer”, “não”, “mais”, “acabou”, são essenciais para que a criança consiga se expressar em situações do dia a dia. Por meio da modelagem, a criança tem acesso repetido e contextualizado a palavras que são importantes para sua comunicação cotidiana. Dessa forma, essas palavras são modeladas em situações que têm significado para a criança, o que facilita a compreensão e o aprendizado. Por isso, quando a modelagem é aplicada de forma consistente em diferentes contextos, a criança aprende a usar as palavras básicas em múltiplas situações. Por exemplo, modelar “mais” durante o almoço, enquanto brinca e durante atividades recreativas ensina a criança a generalizar o uso dessa palavra para diferentes contextos”.

Valeria cita um caso em que a modelagem foi efetiva para uma criança que tinha dificuldade em aprender a palavra “não”: “O fato da criança não conseguir expressar claramente quando não queria alguma coisa frequentemente resultava em frustrações e comportamentos negativos. Durante o processo de modelagem, começamos a utilizar a palavra “não” em vários contextos: durante brincadeiras, na hora das refeições e em outras atividades diárias, mostrando como se poderia usar a palavra para recusar algo, como um brinquedo ou um tipo de comida. Com o tempo e através da exposição consistente, a criança começou a utilizar a palavra “não” de maneira funcional, não apenas para recusar objetos, mas também para expressar preferências. Foi surpreendente ver como, após a modelagem repetida e intencional, a criança se apropriou do termo e começou a aplicá-lo em seu dia a dia, trazendo mais autonomia para suas decisões e reduzindo as frustrações pelas quais vinha passando anteriormente”.

 A fonoaudióloga disponibiliza também diversos materiais gratuitos e ministra diversos cursos, como o Criar (de criação de recursos de baixa tecnologia), o PCCAA (um workshop para parceiros de comunicação em CAA), AGIR (avaliação, geração de ideias de intervenção e relatórios em CAA); o curso Core Power (capacitação em comunicação alternativa, voltado a profissionais da saúde e da educação), Configuração de sistemas de CAA com base em padrões motores, além de mentorias e diversos outros cursos presenciais. Saiba mais:

https://www.instagram.com/fga.valeriasantos

https://vscomunique.com.br/

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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