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Conheça o Projeto “Pedagogia Hospitalar – Escola ABRAME/SEDUC”

Foto de uma garotinha em uma cama, com uma prancheta em sua frente com uma atividade escolar. Ela está pintando com os dedos, com ajuda de uma pedagoga que está ao seu lado.

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Feliz Dia do Pedagogo!”. A célebre frase do educador Paulo Freire resume bem o propósito do projeto Pedagogia Hospitalar – Escola ABRAME/SEDUC, da ABRAME (Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal), que compartilhamos em homenagem ao Dia do Pedagogo, celebrado no dia 20 de maio.

Há 17 anos, o projeto vem ajudando no desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes com doenças crônicas que exigem internação prolongada ou o uso de equipamentos hospitalares em home care para a manutenção de suas vidas. E, como a frase de abertura desta matéria diz, o Escola ABRAME/SEDUC cria possibilidades para que as crianças e adolescentes possam ter acesso à construção do seu conhecimento. “Afinal, o direito à Educação é garantido pela nossa Constituição Federal, mas nas situações mencionadas, a criança ou adolescente não tem nenhum suporte da escola para manter o seu desenvolvimento intelectual. Por isso, pensamos na pedagogia hospitalar entendendo que, antes do paciente, existe um aluno que, por sua vez e antes de tudo, é um indivíduo, que será prejudicado em sua alfabetização caso não tenha acesso à educação de alguma forma”, explica Fátima Braga, presidente da ABRAME. 

Em parceria com a Secretaria da Educação do Estado do Ceará, o projeto consiste em alfabetizar crianças a partir dos 3 anos de idade no hospital ou em domicílio. Diariamente, os professores permanecem durante 3 horas no ensino com o paciente, de segunda a quinta-feira. “É emocionante ver a alegria das crianças quando o professor chega – elas relatam que é a melhor hora do dia”, diz Fátima. 

Hoje, estudam no projeto 32 alunos, sendo que quatro deles estão em dois hospitais infantis humanizados e o restante, em domicílio. “Infelizmente, temos uma longa lista de espera de famílias interessadas que eu não queria que tivesse. Por isso, o nosso objetivo é solicitar  para 2024 o aumento do número de professores”,  idealiza.

Coletânea de fotos de crianças com AME, que apesar de estarem em camas, estão de alguma forma estudando.

O surgimento do Projeto Pedagogia Hospitalar – Escola ABRAME/SEDUC

“Meu filho Lucas foi diagnosticado com AME há 20 anos e os médicos diziam que ele faleceria até um ano de idade e que era para eu não fazer planos para ele. Nessa época, em 2002, o Ministério da Educação elaborou diretrizes de classe hospitalar na Educação Especial e, a partir daí, surgiu a ideia de montarmos um projeto nosso. Quando o Lucas passou dos 2 anos de idade, comecei a imaginar para ele um futuro brilhante e a primeira coisa que me veio à cabeça foi o meu desejo que ele estudasse, que fosse alfabetizado, uma vez que ele tem o cognitivo normal. E então começaram as dúvidas: mas como que eu vou levá-lo para a escola com tanto equipamento? Acabei frequentando e visitando diversas escolas e nenhuma delas, tanto públicas quanto privadas, me passaram segurança. Tive um medo imenso de ele ser discriminado e isolado pelos colegas, pois, olhando para uma criança com AME, na cadeira, com circuito para um respirador, é normal para quem convive com pessoas que precisam desses recursos. Mas, para quem não tem a convivência, há o medo de intercorrências, daquela criança passar mal. E foram vários desses argumentos que muitos diretores falaram para mim. Decidi então contratar uma professora particular, a psicopedagoga Cecília Portela – a primeira professora do Lucas, que foi também uma das minhas primeiras forças para colocar esse projeto para frente, juntamente com Rafaela Machado, hoje vice-presidente da ABRAME, mãe do Tiago, que também tem AME II, hoje com 26 anos. Com as aulas diariamente, meu filho teve ganhos fantásticos”, relembra Fátima.

Ao postar na rede social da época, o Orkut, a evolução dele nos estudos, a presidente da ABRAME diz que muitas famílias começaram a demonstrar interesse pelo projeto: “As pessoas ficavam maravilhadas e queriam o mesmo para os seus filhos. Quando Lucas estava com 3 anos, eu já ajudava muitas crianças que estavam na mesma condição que a dele e estávamos nos organizando para sermos uma associação sem fins lucrativos (veja a matéria que fizemos sobre a ABRAME aqui). Fechamos um pequeno projeto e fomos atrás do nosso Secretário da Educação da época. Uma semana depois já tinha uma coordenadora da Secretaria na minha sala para executarmos o projeto para crianças em situação de internação prolongada ou home care. Então me debrucei sobre a questão e fui pesquisar sobre leis e classe hospitalar. E, assim, nasceu o projeto Pedagogia Hospitalar – Escola ABRAME”, relata.

Entre as histórias que Fátima conta sobre os alunos que participaram do projeto, está a de Vitoria Ribeiro, hoje adulta, que escreveu um livro, publicado em 2017, cujo título é Agridoce (https://www.travessa.com.br/agridoce-1-ed-2017/artigo/a24ed30f-9218-4477-9159-9dc80f803fff). “Temos muitos cases lindos, nossa mente é perfeita e é dentro dessa perspectiva do cognitivo normal, que a gente faz o nosso projeto para alunos que dependem de ventilação mecânica, de oxigênio, de algum equipamento de suporte à vida e que por algum motivo não tem como ser inserida na escola regular – até por escolha da família, que quer evitar exposição do filho às infecções, como surtos de gripe, por exemplo, que normalmente acometem crianças. Estudar em casa foi uma das melhores experiências que eu como mãe pude possibilitar ao Lucas, que hoje está com 21 anos e continua estudando por 3 horas diariamente”, diz orgulhosa.

Coletânea de fotos de crianças com AME, que apesar de estarem em camas, estão de alguma forma estudando.

Ela complementa: “Quando olho para trás e relembro todos os alunos atendidos pelo projeto, meus olhos se enchem de lágrimas e meu coração fica aquecido. Quero fazer um agradecimento especial à Gewada Wayne, uma das coordenadoras da Secretaria da Educação Especial, que sempre esteve ao nosso lado ao longo desses 17 anos”, diz Fátima.

A ABRAME organiza ainda uma vaquinha on-line (quem puder colaborar: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajude-nos-a-adquirir-tablets-para-alfabetizar-criancas-com-ame) para a compra de tablets para o uso do mouse ocular pelos participantes do projeto. “Considerando que 99 % dos nossos alunos não têm movimento, a Tecnologia Assistiva (TA) será uma importante contribuição ao desenvolvimento dessas crianças. Temos ainda como meta para o segundo semestre levarmos o projeto ao Ministério da Educação para que os nossos alunos tenham acesso aos recursos da TA e que o Escola ABRAME sirva de projeto piloto”, diz a idealizadora.

No dia 18/05, Lucas foi homenageado pelo Hospital Infantil Albert Sabin com a inauguração do ‘Hospital Dia – Lucas Braga Vaz’ por ter sido o primeiro paciente a receber o tratamento para AME Tipo 1 em 2002. “Sua história de superação é um exemplo para outros pacientes e suas famílias e para os profissionais da saúde, demonstrando que a esperança e a perseverança podem fazer toda a diferença”, diz a homenagem.