“A música faz parte da nossa formação como pessoa desde o útero”, por isso, explica Vinícius Kolansky Rocha Bitencourt, ela é um bom recurso para se trabalhar a questão da identidade.
Ou seja: cada um tem seu gosto musical, mas é raríssimo encontramos alguém que não goste de música – com mais ou menos intensidade. Por meio das trilhas sonoras da vida, já choramos; ficamos felizes; sentimos saudades; sonhamos; ‘expulsamos’ os problemas cantando alto; pulando, enfim… Alguém aí se identifica?

Vínicius, 24, é psicólogo e pós-graduando em Musicoterapia – profissão que começou a tomar forma em meados dos anos 40, após a Segunda Guerra Mundial, para ajudar a alegrar os combatentes hospitalizados. Ele explica mais: “Musicoterapia é o uso da música e seus elementos (ritmo, melodia, harmonia e som) como fios condutores de um processo terapêutico. Diferentemente do uso da música pontualmente por outros profissionais da saúde, o musicoterapeuta irá utilizar a música como principal canal de comunicação. Sua finalidade é a saúde integral, sendo, portanto, uma disciplina holística e interdisciplinar por natureza. Os objetivos podem variar a depender do público. Por exemplo, em casos de Parkinson, a marcha (caminhar consistente) costuma ser uma das principais metas, já no autismo o vínculo por si só já é uma meta. Mas quem vai nos dizer qual a necessidade do paciente é ele próprio”.
O profissional conta também sobre o efeito da música como meio de ativar memórias até mesmo de pessoas com Alzheimer: “A explicação para isso está na forma como a música é processada no cérebro. Quando se observa por imagem o cérebro no momento em que uma pessoa fala, as regiões mais ativas são a área de Broca e a área de Wernicke, porém quando se observa o cérebro de uma pessoa ouvindo a um concerto ou tocando um instrumento, existem inúmeras áreas ativas. Ou seja, a música não tem uma área especifica – ela está por praticamente todo o cérebro. Por essa razão, as músicas que marcaram a vida estão entre as últimas coisas que uma pessoa com Alzheimer esquece”.
Exemplo disso e que viralizou nas redes sociais em 2019 foi o caso do músico porto-alegrense Lucas Laypold, que compôs uma música ao seu avô, um senhor com Alzheimer que, mesmo já esquecendo o nome de alguns alimentos e não reconhecendo alguns familiares próximos, decorou a letra feita pelo neto. A música virou clipe, emocionou milhares de pessoas na web. Porém, em setembro de 2020, Laypold anunciou em suas redes sociais a morte do “Vô Cabelo”, como era carinhosamente conhecido.
Outro exemplo impressionante do poder da música na ativação do cérebro é um vídeo divulgado na internet onde a ex-bailarina Marta C. González, que tinha Alzheimer e vivia em uma casa de repouso na Espanha, ao escutar trechos da música composta por Tchaikovsky, relembra seus movimentos na coreografia que fazia em “O Lago dos Cisnes”, do compositor russo.
No entanto, apesar dos exemplos, o musicoterapeuta enfatiza que o alcance disso, embora significativo, é limitado, e que o Alzheimer é uma doença degenerativa ainda sem cura conhecida.
Então, atenção! Como a música está diretamente relacionada à memória afetiva (Kolansky explica que existem efeitos consideráveis no sistema límbico, ou seja, no campo das emoções); ela pode exercer efeito contrário ao desejado. “São os chamados efeitos iatrogênicos. Por este motivo, antes de atender uma pessoa e no decorrer dos atendimentos, o musicoterapeuta deve conhecer bem a história sonora e a história pessoal de seu paciente. Parece simples apenas colocar uma música para o paciente ouvir, mas a audição musical é uma das técnicas que mais requerem cuidado, pois ela pode ter efeitos desastrosos se mal utilizada”.
Nem sempre sabemos o motivo de uma música nos deixar com raiva, tristes ou outra coisa; mas isso é assunto muito sério quando se fala em musicoterapia.
Formação e tipos de atendimentos
Hoje ainda existem poucos cursos de musicoterapia no Brasil, que estão disponíveis via bacharelado ou pós-graduação. Neste link, alguns cursos pelo país.
Há diversas maneiras nas quais um profissional da área pode trabalhar. Com atendimentos clínicos/hospitalares – com pessoas nos mais diversos diagnósticos, dentre os já citados e às vezes em parceria com profissionais de outras especialidades, por exemplo. Também em enfoques sociais, onde a música é um energizador, trazendo pulsão de vida, de maneira a ajudar o indivíduo a se comunicar com o mundo externo; e com atendimentos de psicoprofilaxia (desenvolvimento das potencialidades, com finalidades profissionais e sociais). Dentre outros.
Uma boa notícia para o crescimento da musicoterapia no Brasil é que este ano o Ministério da Saúde a incluiu (junto a outros 13 procedimentos) na Política Nacional de Práticas Integrativas (PICs) do SUS. Portanto, este tratamento passou a ser oferecido também pela rede pública de saúde. Leia aqui.
Alguns fatores relevantes
Na musicoterapia, podem existir diferenças quanto ao efeito da música do ponto de vista de quem ouve e de quem toca um instrumento. “Quando a pessoa está tocando ela tem a possibilidade de se expressar de forma singular. Mas é claro, a audição musical tem suas vantagens também. E existem alguns estudos que afirmam que o corpo caloso (região responsável por ligar um hemisfério do cérebro ao outro) de músicos profissionais é mais desenvolvido do que o corpo caloso de não-músicos”, diz Vinícius Kolansky.
Música ao vivo ou gravada?
As duas. Estudos afirmam que a música ao vivo tem mais capacidade de captar a atenção e engajamento do paciente. “Para mim, isso ocorre porque essa modalidade é mais interativa. No entanto, em minha pequena experiência utilizando música com meus pacientes de Psicologia, observo que em alguns momentos a pessoa pode querer ouvir a música gravada, pois ela quer ouvir idêntica à versão original, conforme está na mente dela”.
Vinícius Kolansky encerra a entrevista citando a famosa afirmação de Friedrich Nietzsche: “Sem música, a vida seria um erro”. Eu concordo!
> Dica de um belíssimo documentário sobre o tema: ‘Alive Inside’.
Até a próxima!