A inclusão de estudantes com deficiência nas escolas municipais é ainda um desafio para muitos professores, seja pela falta de conhecimento sobre o tema, seja pela falta de recursos de apoio aos alunos com necessidades específicas. Por isso, as soluções de Tecnologia Assistiva são fundamentais, não apenas para o desenvolvimento do aluno com deficiência, mas também como importante suporte ao trabalho dos professores que, com os equipamentos adequados, passam a ter ferramentas mais assertivas na jornada da inclusão, aprimorando também os resultados e metas que buscam alcançar com cada estudante.
Exemplo disso é o trabalho que Tathiane Cuesta (@tathi_educacaoinclusiva), professora de Educação Especial, psicopedagoga e especialista em inclusão escolar e acessibilidade, vem realizando em uma das 35 salas de recursos multifuncionais (SRM) da Secretaria Municipal de Educação da prefeitura de Campinas (SP). Apaixonada por tecnologia na inclusão, ela tem mostrado que os recursos assistivos adequados a cada necessidade têm sido fundamentais no desenvolvimento de alunos com deficiência que, muitas vezes, são ‘rotulados’ como ‘incapazes de evoluírem’, mesmo em salas de recursos multifuncionais. “Sempre quando tenho o conhecimento de algum aluno que requer recursos de alta tecnologia, oriento que seja encaminhado para a sala onde atuo, uma vez que esta já conta com equipamentos mais específicos. É o caso de um estudante com paralisia cerebral, que já havia passado por outros serviços, sem recursos de tecnologia para avanços pedagógicos – o que não despertava o interesse e envolvimento por parte do aluno no trabalho proposto. Solicitei a sua transferência e, assim, iniciei alguns testes com alguns recursos, como o uso do controle ocular (um dispositivo de tecnologia assistiva que lê o movimento dos olhos). No entanto, por conta da agitação dos seus movimentos espásticos, o equipamento não conseguia fazer a leitura ocular. Iniciei, então, o uso de acionadores, mas, dada a força que ele tem, todos acabavam sendo quebrados”, explica a especialista.
Incansável na busca por recursos que pudessem solucionar o problema dos acionadores quebrados e também que despertassem o interesse do aluno, com o pensamento determinante de que “há sempre uma solução”, Tathiane chegou ao Cosmo, um dispositivo que consiste em um conjunto de botões (chamados cosmóides) resistentes, dinâmicos e que encantam por seus leds coloridos. “Solicitei a compra do recurso e comecei a utilizar os cosmóides como método de acesso por varredura: após entender os temas de interesse do aluno, passei a utilizar pequenos vídeos: deixava o play na tela e, se ele quisesse ver o vídeo, ele tinha que apertar o cosmóide. Ampliei ainda as opções e ele escolhe – no tempo dele – o que quer e então aperta o botão para selecionar a opção desejada. Para melhorar ainda mais a ação, configurei no computador que o próximo ‘clique’ do acionador fosse considerado depois de 3 minutos, para evitar que seus movimentos espásticos ficassem o tempo todo ‘clicando’ na tela. E deu supercerto! Ver a evolução e a animação dessa criança de 9 anos ao notar que tem poder de escolha é emocionante!”, salienta Tathiane, que já traçou um planejamento de evolução para o jovem: “O Cosmo será utilizado também na alfabetização e no letramento dessa criança com a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) – trabalho que já iniciei com o reconhecimento de algumas letras: peço para ele apertar o cosmóide toda vez que aparecer a letra da inicial do seu nome e ele aperta direitinho!”, comemora a especialista.
Ela cita também o caso de uma aluna que tem paralisia cerebral, com quem também vem utilizando o Cosmo: “Estamos trabalhando a coordenação visomotora, pois ela tem bastante dificuldade em coordenar movimento com a atenção ocular. E o recurso tem ajudado muito nesse trabalho ao mostrar que apertar o botão traz uma ação correspondente”, destaca.
A especialista menciona também o encantamento que os cosmóides proporcionam pelos leds coloridos: “Atendo um aluno que tem uma síndrome que causa apraxia de fala e restrições motoras, além de enorme dificuldade na concentração. E ele ficou maravilhado com os cosmóides – o que o permite se envolver com a proposta do nosso trabalho, ampliando o seu tempo de atenção e também a coordenação visomotora”.
Por isso, ela salienta a importância de oportunizar os recursos mais adequados a cada caso: “E não basta apenas escolher o recurso e desistir quando este não atende às necessidades do aluno. É preciso ir atrás de outras tecnologias, porque acredito que sempre há uma forma de possibilitar que a pessoa se desenvolva”, destaca.
Tathiane explica ainda que o Cosmo tem feito sucesso também com alguns atendimentos a alunos com autismo. “Um deles tinha muita dificuldade também em focar. Com o uso dos cosmóides, o tempo de atenção compartilhada aumentou, além de trabalharmos com a ampliação do seu vocabulário, pois vamos brincando e contando histórias à medida que ele vai acionando os personagens”, salienta. A especialista diz que planeja a indicação do Cosmo às salas regulares, além de capacitação sobre o recurso a todos os professores da rede para que entendam sua total potencialidade.
Ela ressalta ainda que outros recursos de tecnologia assistiva estão sendo fundamentais na melhora da permanência dos alunos nas salas de aula: “Tenho usado ainda o controle ocular para mapear a atenção dos alunos atendidos na SRM e tenho notado, por exemplo, que se um aluno autista tem mais a atenção retida para o lado esquerdo da tela, futuramente essa observação pode se tornar uma sugestão aos professores das salas regulares colocarem os materiais no lado esquerdo da lousa. Ou ainda, se o aluno demonstra que se incomoda com a intensidade da luz, podemos sugerir que o professor feche a cortina da sala para ajudar na retenção do foco desse estudante durante a aula. Por isso, são inúmeras as possibilidades que os recursos de tecnologia assistiva nos oferecem!”, destaca.
Tathiane cita também um caso em que o controle ocular foi fundamental até mesmo para a descoberta de um problema de saúde ocular durante um teste: “Tinha um aluno autista que desconfiávamos que tinha baixa visão. Colocamos então o estudante para jogar um jogo no controle ocular e o equipamento não reconheceu o movimento de seus olhos. Chamamos a mãe para conversar e ela nos contou que o filho tinha nascido com os olhos fechados devido a uma inflamação ocular, mas, como ambos abriram posteriormente, ela achou que não havia problema em sua saúde ocular. Sugerimos, então, que ela o levasse a um oftalmologista. Ou seja, o controle ocular não está sendo usado apenas para o desenvolvimento dos estudantes com deficiência que são atendidos nas SRM, mas também ajudando famílias – e essa grandiosidade da tecnologia assistiva é ainda pouco conhecida por ambas as áreas: Educação e Saúde”, enfatiza.
Ela complementa: “Vale lembrar que toda a inclusão em Campinas foi e é possível graças ao respaldo e ao investimento que a Administração Pública disponibiliza à Educação Especial, sendo um grande diferencial da gestão assegurar que os recursos de tecnologia assistiva sejam destinados aos estudantes que realmente precisam. Outro ponto que torna a inclusão escolar diferenciada nas escolas municipais de Campinas em relação a outras cidades, é que os alunos com deficiência, enquanto estiverem matriculados em uma das escolas da rede, podem usufruir dos recursos também em casa”, destaca Tathiane.
A inclusão nas escolas municipais de Campinas
A Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Campinas tem uma história pioneira na Educação Especial inclusiva: são mais de 30 anos no atendimento a alunos com deficiência nas escolas municipais. Atualmente, a rede conta com mais de 200 professores de Educação Especial e 35 Salas de Recursos Multifuncionais, cujo objetivo é identificar e eliminar as barreiras presentes nos contextos, que muitas vezes impedem os alunos de acessarem, permanecerem e participarem com qualidade de toda dinâmica escolar.
“Por isso, pensar no acesso a tecnologias e recursos especializados, que ajudarão na melhor inclusão deste aluno no ambiente escolar, é de grande importância na prática docente atual, sobretudo em tempos em que a tecnologia assistiva tem cada vez mais se aperfeiçoado para auxiliar no processo de eliminação das barreiras. Desta maneira, o trabalho realizado com os alunos parte do princípio das especificidades e necessidades de cada criança. E, a partir disso, são pensados os recursos, estratégias e tecnologias necessárias”, destaca Elise Helena Batista Moura, Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas.
Ela salienta ainda que em relação aos recursos financeiros e investimentos, a Secretaria Municipal de Educação disponibiliza o “Conta Escola”, que é uma maneira das equipes escolares poderem decidir de forma mais democrática e próxima de cada contexto escolar a utilização da verba pública. Assim, as equipes de professores e gestores de cada escola definem e planejam a verba que será utilizada, de acordo com as demandas dos alunos. Elise explica também que, no caso das SRM, os recursos financeiros são específicos: “Os professores de Educação Especial das SRM podem, portanto, pesquisar os equipamentos tecnológicos mais adequados a serem adquiridos, o que fortalece o trabalho e possibilita que essas novas tecnologias assistivas cheguem aos alunos que precisam”.
Por meio do Núcleo de Educação Especial, a SME disponibiliza ainda o Centro Multidisciplinar de Apoio, Pesquisa e Assessoria à Educação Especial Inclusiva (CEMAPA), destinado a congregar alguns serviços de apoio à garantia da inclusão aos alunos com deficiência nas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas. Para isso, o Centro engloba ainda o Centro de Produção de Materiais Adaptados (Cepromad) e o Centro de Gestão e Apoio Inclusivo às Altas Habilidades/Superdotação (GAIAH), que tem por objetivo capacitar profissionais, assessorando-os quanto ao atendimento educacional especializado para os alunos com indicativo de superdotação e altas habilidades matriculados nas escolas da Rede.
“Um dos grandes diferenciais das nossas escolas municipais é termos professores de Educação Especial tanto nas salas regulares, quanto nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM). A escola direciona o aluno com deficiência à SRM, onde é desenvolvido o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI): por exemplo, se é um estudante com autismo que não se comunica verbalmente, na SRM será trabalhada com ele a comunicação alternativa. E, assim, o professor da sala de recursos multifuncionais irá analisar as necessidades em relação aos recursos mais adequados para o desenvolvimento de cada aluno”, destaca a Coordenadora.
Além disso, a Secretaria Municipal de Educação também é pioneira em relação a oferecer o serviço de cuidadores nas escolas da rede: “Com o aumento considerável de alunos com deficiências que demandam cuidadores, há cerca de dez anos começamos a disponibilizar, via contratação de empresa terceirizada, cerca de 100 cuidadores para acompanhar os estudantes nas escolas municipais. Hoje, temos em torno de 500 cuidadores e no início do ano tivemos também a contratação via concurso público de mais 70 professores de Educação Especial para ocuparem novos cargos. Além disso, oferecemos o transporte adaptado a estudantes com deficiência física, surdocegos e alunos com autismo que não conseguem acessar a escola de outra forma, devido ao grave comprometimento sensorial. Ou seja, temos uma estrutura bastante robusta e consolidada em relação à educação inclusiva”, salienta.
Como próximos passos, Elise cita que o Núcleo de Educação Especial, junto ao Cepromad, e professores com conhecimento na área da tecnologia, têm realizado estudos sobre a possibilidade da criação de um serviço de tecnologia assistiva, que servirá como um espaço primeiramente formativo. “A ideia é que este centro de tecnologia assistiva possa ser uma referência em estudos e orientações para toda a educação inclusiva da rede, principalmente em relação ao conhecimento técnico nos recursos assistivos mais modernos e que poderão ser utilizados no trabalho cotidiano com os alunos. Afinal, uma das principais barreiras ao processo da inclusão ainda é a falta de conhecimento e, por isso, a capacitação é uma das formas fundamentais de trabalhar as inseguranças que os professores possam ter na implementação das estratégias inclusivas em sala de aula”.