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Eduardo Montans de Sá: poeta, escritor e primeira pessoa a utilizar a Comunicação Aumentativa e Alternativa no Brasil

Foto em preto e branco de Eduardo sentado no banco do passageiro de um carro. Ele está de cinto usando um ó

Eduardo Montans de Sá cursou Jornalismo na Universidade de São Paulo (USP) de 2000 a 2004, é escritor e poeta, autor de cinco publicações: “Magia Poética” (Editora Com Arte, 1994), “Abrindo o Baú” (Editora Com Arte, 2002), “O Desprezível” (Editora Com Arte, 2010), “Voo Perigoso” (Editora Lauda, 2016) e “O homem além do tempo” (Editora Lauda, 2023). 

Seria um currículo corriqueiro de escritores se não fosse o fato de que Sá, por conta de um erro médico durante o seu nascimento, tem paralisia cerebral, o que afetou a sua parte motora, mas não o intelecto.

Hoje, aos 54 anos, Dado, como é carinhosamente chamado por amigos e familiares, encanta quem o conhece pessoalmente por sua inteligência e, principalmente, por uma sabedoria emocional admirável: ele tem uma sensibilidade ímpar ao saber escolher as ‘palavras’ e como irá se expressar: um cuidado que faz questão de ter com a pessoa com quem está conversando – uma perspicácia para poucos. 

Primeiro usuário no Brasil a usar a CAA

Sá foi o primeiro usuário no Brasil, aos 7 anos de idade, a utilizar o sistema Bliss de comunicação (Blissymbolics), considerado, segundo definição citada na obra “Escola Inclusiva – linguagem e mediação”, de Lucia Reily: “como o primeiro sistema gráfico aproveitado e readaptado como instrumento de comunicação no campo da educação especial e da reabilitação. O sistema Bliss é bastante lógico e se apoia em elementos gráficos que são recombinados para criar uma gama de novos sentidos”, tornando-se, como Dado diz, ‘a sua boca’. 

Ele explica que, na época, já sabia ler e tinha compreensão da leitura, o que facilitou a introdução do uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa. Ainda assim, foram necessários cerca de três anos para que ele conseguisse dominar o Bliss, do qual faz uso em baixa tecnologia até hoje em uma prancha acoplada em sua cadeira de rodas, e por meio do qual se expressa e mostra ao mundo seus talentos. E talentos esses que foram herdados de seu avô paterno, Sebastião de Sá, também poeta e jornalista, saudoso proprietário e editor do jornal Folha do Povo, de Guaxupé/MG. “Desde que era criança sempre gostei de escrever… Talvez porque a escrita, depois de realizada, facilita minha comunicação com o mundo. De certa forma eu sempre soube que poderia fazer muitas coisas na vida através da escrita. Uma vez, quando era bem pequeno, meu avô me colocou em seu colo na frente da máquina de escrever. Foi amor à primeira vista!”, relembra. Segundo Dado, as memórias que tem de seu avô foram registradas em sua obra mais recente, “O homem além do tempo”, como uma homenagem.

“Para se comunicar, Dado utiliza os movimentos dos dedos da mão direita para apontar o símbolo pretendido na prancha do sistema Bliss, além de utilizar a expressão facial e sinais de confirmação/negação com os olhos e movimentos de cabeça. Ou seja, é o que chamamos de comunicação multimodal, quando diversas estratégias são usadas em conjunto para transmitir a mensagem”, explica a fonoaudióloga Eliana Cristina Moreira, especialista em linguagem e membro do Conselho Consultivo na atual gestão da ISAAC-Brasil e também da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia nos grupos de trabalho do Comitê de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), e à frente do Círculo Terapêutico. A especialista atendeu o escritor em 1989, em um curto período durante a licença da fonoaudióloga que o acompanhava na época – tempo suficiente para transformar o breve atendimento em uma amizade que dura até hoje. 

Assim, uma pessoa (como cuidador ou fonoaudiólogo) exerce a função de escrever por ele e confirmar se é exatamente o que ele pretende expressar. “Sempre tive alguém para acompanhar meus pensamentos e ir fazendo a organização e o registro para futuramente se tornarem minhas obras”, explica o escritor em relação ao processo de criação de seus livros, que, segundo ele, leva uma média de cinco anos para cada obra ser finalizada e, então, publicada.

Jornada escolar

Dado conta ainda que a sua jornada de escolarização aconteceu em instituições especializadas em Educação Especial, como a Jaty, a AACD e a Escola Quero-Quero, onde conheceu, em meados de 1977, o sistema Bliss, que é originário do Canadá, dando um salto em sua forma de se comunicar. Por lá é que começou a escrever as suas primeiras histórias – talvez um sinal de um talento sendo revelado.

Em relação a ser o pioneiro no uso do sistema Bliss no Brasil, Dado diz: “Acho fundamental um ser como eu ter sua comunicação facilitada. Cada indivíduo precisa mostrar sua própria vontade”. 

Aos 30 anos, decidiu seguir os passos do avô e ingressou no curso de jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), onde enfrentou muitos desafios devido às suas necessidades complexas de comunicação. “Tive dificuldades no início do curso em relação aos colegas de sala, mas, com o tempo, fui ganhando amigos. E foram eles que se uniram para me ajudar em uma situação que aconteceu por causa da deficiência: uma professora se opôs à minha presença na classe. Mas, a turma brigou por mim e assim consegui permanecer no curso. Fiz todas as matérias, incluindo o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), mas acabei cursando jornalismo como ouvinte, pois os professores não tinham conhecimento em CAA e eu também não tive acompanhamento de profissionais de apoio especializados em Educação Especial. Dessa forma, não realizei também diversas provas e, portanto, não recebi o diploma do curso”, relata ao explicar que, naquela época, a inclusão escolar era um desafio a pessoas com deficiência.

Uma mente criativa

E Sá sempre mostrou que a paralisia cerebral nunca foi barreira para a sua mente incansável por criar: na juventude, em 1988, a pedido de um grupo de amigos de Ilha Bela, local que costumava frequentar, ele criou uma marchinha de Carnaval, que foi publicada no jornal da Escola Quero-Quero em dezembro daquele ano (foto ao lado).

Além disso, ao longo dos anos, Dado realizou diversas palestras em congressos e em instituições de ensino, como a PUC, para falar sobre a paralisia cerebral, a Comunicação Alternativa e sobre a importância do meio ambiente no desenvolvimento da pessoa com deficiência. “É muito frustrante perceber que as pessoas, de uma forma geral, não acreditam, não aceitam ou não compreendem que por trás deste corpo que não funciona como o da maior parte das pessoas, tem um homem, um sujeito que sente, sofre, deseja e se emociona! E às vezes é até pior que isso: algumas pessoas compreendem, mas simplesmente não conseguem aceitar”, ressalta.

Sá, que é o filho do meio (Cláudia, a mais velha, e Renato, o caçula), é apreciador de caipirinha de limão na ausência de um whisky 12 anos, uma de suas bebidas preferidas por influência do seu pai, com quem provou a bebida pela primeira vez, enquanto ouviam música – momentos que Dado adorava, uma vez que as melodias se transformavam em um meio de comunicação entre ambos. Ele diz que, entre seus planos para o futuro estão o de voltar a escrever poesias e, talvez, uma nova ficção. O poeta cita ainda os autores que o inspiram: Vinícius de Moraes e John Lennon. 

Como mensagem final, Eduardo Montans de Sá destaca que gostaria que a Comunicação Aumentativa e Alternativa fosse mais amplamente divulgada, dada a sua importância na vida de quem tem necessidades complexas de comunicação. Ele complementa: “No mundo há muitas diferenças. Basta você respeitar cada um para viver em uma sociedade digna”.

Foto do dia da entrevista. Todos sorrindo para a foto: Cuidador Alex, Flavia, Dado e Eliana
Alex, Flávia, Dado e Eliana no dia da entrevista

E, para finalizar esta matéria, pedimos que Dado escolhesse uma poesia de sua autoria:

Sem

Sem água não há terra.
Sem terra não há feijão.
Sem paciência não há espera.
Sem alma não há coração.

Sem perigo não há medo.
Sem livro não há leitura.
Sem noite não há cedo.
Sem moça não há formosura.

Sem festa não há divertimento.
Sem poema não há verso.
Sem amar não há casamento.
Sem casa não há teto.

Sem família não há pessoa.
Sem fogo não há chão.
Sem farinha não há broa.
Sem sentir não há emoção.

Sem dinheiro não há riqueza.
Sem flor não há jardim.
Sem branco não há pureza.
Sem cheiro não há jasmim.

Sem lua não há madrugada.
Sem roupa não há pano.
Sem música não há serenata.
Sem choro não há pranto.

Sem sol não há calor.
Sem governo não há poder.
Sem morte não há dor.
Sem vontade não há querer.

(Magia Poética, Eduardo Montans de Sá)

Os interessados em adquirir suas obras devem entrar em contato pelo WhatsApp: (11) 99463-3231 (com Renato) ou Instagram @dadomdesa

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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