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Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva

Jamila Iara: uma luta que teve início há 10 anos e vem transformando a inclusão nas cidades mineiras

Foto da entrada da escola estadual Eduardo Amaral com Matheus posando na frente.

No dia 14 de abril é o Dia Nacional da Luta pela Educação Inclusiva, instituída pelo Sistema Conselhos de Psicologia, em 2004. Luta essa que Jamila Iara conhece profundamente, desde que seu filho caçula Matheus, 11 anos, recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista  (TEA) em 2015. “Há 10 anos não se falava de autismo e inclusão como hoje e eu precisei me reinventar para ajudar o meu filho. Lembro como se fosse hoje quando recebi o diagnóstico: durante o trajeto de volta do neuropediatra para casa, senti uma mistura de medo, de incertezas, de angústia, porque eu nada sabia sobre autismo. A minha única preocupação era se o meu filho ia falar, olhava-o brincando com os seus caminhões, senti um nó na garganta e ele nas poucas vezes que me olhava, apenas sorria com os olhos”, diz emocionada ao relembrar o início de uma intensa jornada que ali se iniciava, tanto de tratamentos diversos que a faziam viajar com Matheus de Camanducaia (MG) até São Paulo (saíam 4h30 e retornavam à cidade mineira por volta das 23h), como de toda a sua luta pela educação inclusiva do pequeno.

“Eu precisava fazer algo por ele, mas, importante ressaltar que eu nunca quis mudá-lo. Sofri muito preconceito, vivenciei muitas dores, mas eu também nunca deixei ninguém querer mudá-lo. Busquei entender o autismo e então comecei a estudar incansavelmente. Digo que ‘enquanto o mundo dormia, eu estava estudando’. Buscava documentos, artigos científicos, apostilas, livros – e, dessa forma, fui me apaixonando pela possibilidade que os autistas poderiam ter de se desenvolver com as práticas adequadas. Fui também passando a entender cada vez mais sobre Transtorno Global do Desenvolvimento e querendo ajudar mais ainda as pessoas com deficiência. Busquei capacitação neuropsicopedagogia clínica,análise do comportamento aplicado (Ciência ABA) e especialização em autismo, e me tornei terapeuta não apenas do Matheus, mas também de outras muitas famílias, porque sei como é a dor daquela família que, como eu, passa por diversas dificuldades. Claro que nessa caminhada eu ganhei muitas cicatrizes, mas eu tenho certeza que a minha luta em proporcionar melhor qualidade de vida ao Matheus abriu portas e criou possibilidades, acendendo uma luzinha no fim do túnel a essas famílias, ao devolver a elas a esperança de terem novos sonhos ao verem que seus filhos autistas podem se desenvolver, desde que oferecidas as ferramentas e estratégias adequadas”, destaca Jamila, que passou a ministrar incansavelmente, eventos , seminários e  palestras  em Camanducaia e cidades ao entorno para falar sobre a importância da inclusão de pessoas com autismo, da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) e dos recursos de tecnologia assistiva – e não apenas na escola, como em toda a sociedade.

Assim, em uma de suas palestras em Estiva (MG), ao contar a história de Matheus, sua luta e as possibilidades com a CAA, Jamila sensibilizou a Secretária Municipal de Educação da cidade, Rose Borges, resultando, em 2024, na criação do CAEE (Centro de Atendimento à Educação Especial) – local onde Jamila atua até hoje atendendo crianças com a CAA. “A história do Matheus trouxe novos caminhos para o município de Estiva/MG e sou muito grata também ao prefeito da cidade Vagner Belizário e à Secretária de Educação, aos pais, às crianças e aos colegas de trabalho que nos acolheram, acreditaram na minha história e na minha bagagem profissional. Sei que sempre há coisas a melhorar, mas é um centro de atendimento muito especial, com uma equipe que se preocupa, de fato, com a evolução das terapias, da vida familiar e escolar. A todo tempo estamos estudando como trabalharmos em conjunto, vencendo os desafios diários da inclusão que não são fáceis, seja pelas dificuldades que a condição do autismo traz, seja pela luta por um sistema nacional que ainda faz uso de métodos tradicionais de ensino que não são compatíveis com o entendimento da maior parte da realidade de pessoas com autismo”, salienta.

Equipe da CAEE de Estiva

Especialista em Transtorno Global do Desenvolvimento com ênfase em autismo e Analista do Comportamento Aplicado (ABA); e com o objetivo de ir além na luta pela educação inclusiva, Jamila agora cursa fonoaudiologia na Uningá: “Eu sempre gostei muito de estudar, de ler, sempre fui muito curiosa, me aventurei na psicologia, na terapia ocupacional, mas eu não me encontrava, acabei desistindo quase no meio ou no final dos cursos. Quando eu descobri a CAA, eu me encontrei e é isso que eu quero fazer para o resto da vida”, diz.

Ela atende também em sua clínica Potencialize, que fundou em Camanducaia/MG, em 2023, além de estar à frente do projeto Maternidade Autista desde 2015, cujo objetivo é ajudar famílias, principalmente mães de pessoas autistas a vivenciarem a maternidade entendendo seus direitos e contribuindo com a evolução de seus filhos. Em 2022, Jamila lançou um livro de mesmo título do projeto, que terá uma nova edição este ano; além de seu próximo lançamento “Autismo, e se fosse o seu filho”?, que está previsto para acontecer em junho. “O livro é baseado em histórias reais, na minha experiência, no desenvolvimento do Matheus, em estudos com evidências científicas e traz informações de qualidade, principalmente da importância das técnicas que orientam o trabalho de todos os envolvidos em prol do desenvolvimento da pessoa com autismo, mas principalmente do amor, da empatia, que esses sim transformam”, destaca.

Ainda neste ano, Jamila assumiu a presidência do recém inaugurado Instituto José Benedito dos Santos, uma organização sem fins lucrativos que está em fase final de liberação da documentação oficial. Foi criada por pais e amigos de pessoas com TEA e visa promover a conscientização, capacitação da sociedade, além de realizar atendimentos com equipes multidisciplinares. “A atuação do Instituto terá como foco o acolhimento às famílias e a inclusão real da pessoa com autismo”, diz.

Os desafios da educação inclusiva

Eu costumo dizer que a inclusão é possível, porque os professores da Educação Especial existem, e entre eles há os que realmente ,estão dispostos a promover a educação inclusiva e mostrar que sim é possível! São eles que traduzem o mundo para pessoas como o Matheus, e ele sempre teve a sorte de ter também excelentes professoras regentes que o consideravam aluno delas, além de professores de apoio incríveis. Uma delas, chamada Alice, me apresentou o material concreto, que me possibilitou ter um resultado incrível com o Matheus na pandemia: ao invés de regredir, ele só evoluiu com os materiais incríveis estruturados pela profissional Alice, que traduzia o mundo para o Matheus, e muito me ensinou como montá-los e, assim, eu conseguia ajudá-lo. Outra professora que marcou o coração e a vida do Matheus foi a professora Sune, com quem ele teve um vínculo muito grande, aprendeu inclusive a pronunciar  o nome dela ( Uni), infelizmente ela não conseguiu concluir o quarto ano com ele por questões de concurso público e para ele a mudança foi muito sofrida: ficou 6 meses sem querer ir para a escola e adoeceu. Foi a primeira vez que o mundo foi difícil para ele, mas, mesmo sem o ambiente escolar, todos os dias eu realizava atividades escolares com ele em casa”, conta Jamila.

Foto de Matheus fazendo sua lição com mais dois colegas ao seu lado auxiliando

Apesar da situação dolorosa para o pequeno, a especialista conta que, ao mudar de cidade (Estiva), Matheus também teve que ir para uma nova escola e a mudança foi bastante positiva nesse momento. “Ele foi muito bem recebido por toda equipe da Escola Estadual Eduardo Amaral em Estiva, e pude notar o seu amadurecimento. Desde pequenininho acredito que ele aprendeu que precisamos enfrentar as situações, e com essa primeira dificuldade que ele teve, penso eu que ele entendeu que ele teria que voltar para a escola e que ele poderia continuar com o mesmo carinho com a Tia Sune, mesmo não podendo mais tê-la como sua professora. Quando chegou na escola no primeiro dia, ele fez questão de cumprimentar um por um dos coleguinhas, apresentando-se e falando o seu nome, foi pra sala e eu saí chorando de lá: foi a primeira vez que o meu filho, mesmo com as suas dificuldades, me dizia com os olhos, pode ir mãe, vai ficar tudo bem, eu estou bem e feliz”.

Ela complementa: “Vale destacar que eu nunca deixei o Matheus fazer de conta que estava aprendendo. Toda vez que eu recebia materiais que não eram compatíveis com o entendimento dele, eu falava com a professora de apoio para que ele pudesse receber materiais mais adequados. Afinal, adaptar não é deixar mais fácil, mas, sim, transformar o mesmo conteúdo em diversas formas de aprender”.

 Comunicação Aumentativa e Alternativa

Jamila enfatiza a importância da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) como uma das principais ferramentas na luta pela educação inclusiva, uma vez que permite que as pessoas com deficiência possam se expressar de formas diversas. “Ele evoluiu muito, compreende tudo o que falamos com ele e responde de forma incrível, com palavras soltas, ou com a CAA. Aprendeu a usar o software Boadmarker (de CAA), fica encantado quando ele consegue colocar em imagens todas as coisas que ele gosta e sorri lindamente quando o programa verbaliza suas escolhas. Aprendeu a se comunicar também por meio de prints que ele aprendeu a tirar com seu celular, que ele mostra para todo mundo, principalmente o que ele quer comprar. E tudo – revista, fotos, folheto do supermercado, embalagens de alimentos, tudo vira CAA!”.

Prancha de CAA para expressar sentimentos

A especialista cita também  a importância de um trabalho em conjunto com os profissionais da escola para que a educação seja, de fato, inclusiva, ao citar um atendimento que trouxe resultados encantadores: “A CAA proporcionou voz verbal ao pequeno Arthur, uma criança que se comunicava apenas com tentativas de gestos, fazia uso da mão do adulto como ferramenta. Por meio de sequências de músicas infantis, ou de símbolos de sentimentos, a cada sessão de terapia ele superava todas as expectativas! A CAA aumentou o seu vocabulário, trouxe previsibilidade, e entendimento do abstrato, ajudou a nomear pessoas, e hoje ele já está começando a realizar interpretação de textos com os símbolos, faz até a entonação de voz diferente, como se tivesse fazendo uma pergunta, ou exclamando uma situação. Olhar para o Arthur e ver o seu desenvolvimento é incrível, mas é importante destacar que a CAA precisa estar onde a vida acontece, além do apoio imprescindível da família, juntamente com os profissionais da escola. No caso do Arthur, o avanço aconteceu devido ao apoio de sua mãe, que todos os dias fazia questão de valorizar cada prancha de CAA estruturada para o filho, em conjunto com a professora de apoio, que modelava com ele e o ajudava com os trabalhos de rotinas visuais e os materiais adaptados. Já a professora regente, trabalhava muito a demonstração das histórias no concreto e o CAEE disponibilizava os recursos. Por isso, sempre digo: se todas as pessoas conhecessem a CAA, com certeza já estaríamos anos luz de possibilidades na vida de pessoas com prejuízo no desenvolvimento da linguagem”, destaca.

Foto de arthur lendo uma história com auxilio da CAA

A especialista ressalta ainda: “Com o conhecimento que vim adquirindo ao longo do tempo, há um ditado popular que diz mais ou menos assim: `Eu só queria ser mãe, mas a minha maternidade pede uma bandeira`”. Bandeira essa que Jamila vem incansavelmente levantando: “AUTISMO, TODA VOZ IMPORTA!”, com ênfase neste mês de abril, por conta do Dia Internacional de Conscientização do Autismo, celebrado no dia 2/4.

Para o Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva, a especialista deixa a seguinte mensagem: “Pais, criem possibilidades para os seus filhos, sempre que possível os insira nos contextos sociais, escolham o melhor horário, o melhor clima, o melhor local; ensinem a sociedade como desfrutar da companhia do teu filho e, acima de tudo, respeitem os trejeitos dos seus filhos, permitindo que eles possam ser quem são. Famílias, acompanhem de perto, busquem orientação com os profissionais, dêem e peçam feedbacks e devolutivas do atendimento. Abracem o coletivo, não lutem sozinhas, exijam às escolas o material adaptado, a tecnologia e o currículo adaptado para o seu filho – tudo isso é um direito e não um favor!”.

Jamila Iara realiza atendimento terapêutico (terapia ABA), atua no desenvolvimento da estimulação cognitiva e aprendizagem com a neuropsicopedagogia clínica, e na utilização da alta tecnologia com a CAA, além de estruturar materiais adaptados. Mais informações:

https://jamilaiara.com.br/

https://www.instagram.com/jamilaiara

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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