
Hoje, 8 de agosto, é o Dia Nacional da Pessoa com Atrofia Muscular Espinhal (AME), instituído pela Lei 14.062 com o objetivo de dar voz às pessoas com AME e apoiar políticas públicas para uma melhor qualidade de vida dos acometidos pela doença. A escolha da data foi feita pela Aliança Brasileira pela Atrofia Muscular Espinhal, considerando que agosto é o mês mundial de conscientização sobre a doença, quando são realizadas ações de divulgação, informação e capacitação de profissionais da área.
A AME é uma doença genética rara, degenerativa, causada pela inexistência ou deficiência de um gene chamado SMN1, responsável pela produção da proteína SMN, cuja insuficiência ou ausência no organismo leva à morte dos neurônios motores. Assim, são afetadas as capacidades do indivíduo de caminhar, comer e, em última instância, respirar. Varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), dependendo do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas.
Apesar de incurável, existem tratamentos com medicamentos que fazem com que o organismo volte a produzir a proteína SMN funcional para evitar a degeneração (morte) dos neurônios. Vale destacar que a forma com que cada medicamento atua no restabelecimento da produção dessa proteína varia, mas o objetivo é regularizar a quantidade de proteína SMN funcional no organismo. De acordo com o INAME (Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal), os medicamentos são: Spinraza (nusinersena), Zolgensma (onasemnogene abeparvovec) e Evrysdi (Risdiplam). Atualmente, o Zolgensma e o Risdiplam (recentemente) entraram para a lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A primeira família a importar o Spinraza ao Brasil

Mariana tem 7 anos e foi diagnosticada com AME tipo 1 aos 2 meses de idade, em dezembro de 2015. “Com 45 dias, a Maria apresentava hipotonia muito severa, um silêncio muito grande, chorava muito baixo, o que nos levou a buscar o hospital. Com o diagnóstico, passamos a buscar todas as informações possíveis sobre a doença, inclusive no exterior. Encontramos um estudo nos Estados Unidos com o Spinraza, primeiro medicamento aprovado no mundo, mas que ainda não estava disponível no Brasil. Chegamos a entrar em contato com os organizadores para tentar uma participação da Mari nos estudos, mas alegaram que a pesquisa estava se encerrando. Começou então uma árdua batalha para conseguirmos importar o Spinraza. Entramos, então, com ação judicial contra o plano de saúde do qual a Mari era beneficiária e fomos conseguindo e executando a liminar para importar o medicamento via plano de saúde. E, finalmente, conseguimos quando ela já tinha 1 ano e 7 meses, sendo a primeira família no Brasil a ter sucesso judicial para trazer o medicamento”, diz a mãe, Luciana Nardi Arruda, juíza.
“Lembro-me até do dia: 8 de maio de 2017 quando ela recebeu a primeira aplicação do Spinraza. Nessa época, a Mari já tinha perdido muitos neurônios, estava bastante imóvel do ponto de vista motor, emitia alguns sons, não sorria mais, apesar de muito esperta no olhar, mas era muito visível que estava degenerando com velocidade por conta da AME. Passados dez dias da aplicação do medicamento, rapidamente ela começou a retomar a expressão facial e a ter ganhos fantásticos, como mexer alguns dedinhos das mãos, que é fundamental para ela conseguir tocar um touch e utilizar a tecnologia assistiva. Mas, o principal benefício que o Spinraza trouxe à Mari foi o aumento de sua resistência – as internações, até aquela idade, eram recorrentes e graves, muitas vezes com intubação, fraqueza e risco de vida muito evidentes. Com as aplicações, as intercorrências na saúde dela diminuíram consideravelmente”, relembra Luciana, que enfatiza: “A medicação literalmente salvou a vida dela, mas é importante dizer que não atuou/atua sozinha. Se não houver uma equipe multidisciplinar habilitada, fazendo um trabalho de qualidade e direcionada para a singularidade da doença, sozinha, a medicação sustenta, mas não tem o sucesso que tem: é um conjunto – o efeito físico que o medicamento traz, de estabilidade, de frear a velocidade da degeneração, juntamente com o acompanhamento multidisciplinar, ninguém pode negligenciar a questão. A medicação é necessária e imprescindível e quanto mais cedo for aplicada, melhor. A Mari é da geração da virada de página, do momento da droga no Brasil, que, até então, só tinha aprovação pelo órgão americano FDA (Food and Drugs Administration), mas quando nós trouxemos para o nosso país, ela ainda não tinha sido aprovada pela Anvisa – o que foi bastante interessante, porque conseguimos manter a liminar viva, mesmo o Spinraza sendo aprovado apenas nos Estados Unidos. Foi uma grande vitória e acredito que sem a medicação, a Mari talvez não tivesse sobrevivido a tantas intercorrências que a acometeram e são comuns em crianças com AME. Por isso, ressalto: os medicamentos disponíveis são fundamentais!”, salienta Luciana.
Segundo ela, Mari é uma criança extremamente ativa: “De sedentária ela não tem nada! Sempre brincamos que a agenda dela é de uma executiva, inúmeros os compromissos que ela tem”, diverte-se Luciana. A pequena tem uma rotina repleta de muitas terapias, mas com moderação: “Passar do ponto nas terapias é muito sutil, mas uma coisa que detona a Mari é a fadiga. Por isso, as terapias são feitas sempre com muito equilíbrio: duas vezes ao dia, ela faz fisioterapia respiratória, que é primordial no tratamento de AME; faz fisioterapia motora, alongamentos e exercícios com bola (cinco vezes na semana), terapia ocupacional (três vezes na semana) e fonoaudióloga (quatro vezes na semana). Ela faz ainda atendimento com a psicóloga às sextas-feiras, que ela adora, e ninguém entra com ela, apenas as duas. Ainda, diariamente, preservamos um momento só dela, que achamos muito importante, em que ela fica quietinha lendo ou vendo algum filme, e dura em torno de uma hora”, descreve Luciana.
A jovem ainda frequenta a rotina escolar no Colégio Santa Maria, em São Paulo, desde os 5 anos de idade, e segundo a família, a instituição a recebeu de forma muito carinhosa e competente no quesito da inclusão em escola regular. “O Colégio Santa Maria foi uma grata surpresa para nós, porque, normalmente as escolas regulares nos recebem de nariz torto quando o assunto é incluir uma criança com deficiência; às vezes, chegam a colocá-las no fundo da sala e fazem questão de enaltecer as diferenças e os obstáculos. Ao contrário, o Santa Maria nos recebeu com muito acolhimento. De forma bastante respeitosa, foi feita toda uma adaptação para a inclusão da Mari na sala de aula: foi apresentado um vídeo para introduzi-la, então ela já sabia que aqueles seriam os amigos de sala, da mesma forma que eles também já sabiam que ela, uma criança especial, com todos os acessórios que ela utiliza, entraria na turma. Ela é tratada por todos e vive uma rotina considerada normal, como qualquer outro estudante. Assim como as demais crianças, na hora do lanche ela também toma o lanche dela, que é via gastro, mas os amigos sabem disso e ela não tem nenhum problema em mostrar a forma dela se alimentar. Com muito orgulho, ela participa de tudo da escola: festa junina, danças, entre outras atividades! Temos ainda um grupo de WhatsApp com todos os professores, onde são discutidas as condições de saúde da Mari, além de sermos avisados com antecedência dos eventos para ajustarmos as possibilidades da Mari ir. Por conta dela, o colégio melhorou a acessibilidade e eles aceitam horários diferenciados, como, por exemplo, às quartas-feiras ela descansa porque não aguenta o deslocamento dias seguidos, então os professores enviam tarefas para ela fazer via digital”, diz Luciana.

“Jamais pensamos em colégio especial para ela, pois, para nós, lugar de criança é na escola regular, com todas as demais crianças, afinal, cada uma tem suas características e especificidades e a escola é um espaço de pluralidade, de consagração das diferenças, onde as pessoas devem conviver com a diversidade. A escola tem que oferecer um atendimento especializado para afastar qualquer barreira que exista, como, por exemplo, uma criança cega precisa de um material em Braille para que possa ler; ou seja: a barreira não está na criança, mas no material. E, como esse trabalho de aceitar crianças com deficiência é previsto em lei, jamais pensamos em matriculá-la em uma escola especial, até porque, a convivência com ela é enriquecedor não apenas a outras crianças, mas a todos os profissionais que atuam no colégio”, salienta Renato, marido da Luciana e pai da Mariana. Ele complementa: “O direito à Educação é inegociável, mas sabemos que não é uma tarefa fácil, afinal tudo precisa ser pensado, pois a Mari precisa de uma técnica de enfermagem para acompanhá-la na escola para a higienização pessoal dela, além da hora da alimentação. A escola também disponibiliza uma profissional em sala de aula e ressalto que isso é totalmente legal, não é favor algum para a família”, enfatiza Renato.
Luciana salienta ainda que a Mari sabe ler e é uma leitora voraz: com a ajuda da tecnologia assistiva, ela consegue mudar as páginas do tablet com o movimento de alguns dos dedos.
“Há um ano, mais ou menos, ela usa acionadores e controles adaptativos do Xbox, com os quais ela consegue jogar os jogos favoritos dela! Ela utiliza ainda recursos de controle ocular (da Tobii Dynavox) na escola para estudar e escrever, além do Levitar, um equipamento que suspende o braço, para que ela consiga mexê-lo e, assim, ela possa participar das atividades de pintura e arte”, explica Renato.

E apesar de tantas atividades, Luciana garante que os domingos são reservados para ficarem em família, com muita diversão, juntamente com a irmã inseparável, Renata, 10 anos. O amor de ambas é registrado no canal @bilocaeporpeta, que são os apelidos criados carinhosamente por Renato quando as meninas eram menores: Biloca (Renata) e Porpeta (Mari). “O Instagram delas é um canal feliz, onde mostramos as vitórias dessa vivência na vida de uma família que tem uma pessoa com deficiência e, principalmente, procuramos mostrar o que dá certo, o que funciona – que não é pouca coisa, não, pelo contrário! Por isso, damos a importância de ressaltar sempre as alegrias!”, destaca
Confira a entrevista que Luciana concedeu ao canal AMAR por Mariana Kupfer: