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Dia do Psicólogo

Reflexões sobre o papel do psicólogo na inclusão

Foto de um garoto com abafador de ruidos pendurado no pescoço, sentado em uma poltrona de frente para uma psicóloga

O Dia do Psicólogo, celebrado no dia 27/8, é uma data de grande importância para reconhecer e valorizar os profissionais que dedicam suas vidas para cuidar da saúde mental, emocional e social das pessoas. Além disso, trata-se de uma oportunidade de conscientizar a sociedade sobre a relevância do cuidado psicológico, que ainda enfrenta barreiras relacionadas ao preconceito e à falta de informação sobre a importância do acompanhamento psicológico. Cuidar da mente é tão essencial quanto cuidar do corpo, principalmente no enfrentamento dos desafios diários da vida. 

Para as pessoas com deficiência, o psicólogo exerce um papel ainda mais fundamental no lidar com barreiras emocionais e sociais e, assim, conquistar uma vida com mais bem-estar, sentido e pertencimento. Além disso, o trabalho terapêutico contribui para que a pessoa com deficiência reconheça suas potencialidades, valorizando a sua individualidade e melhorando a autoconfiança, o que impacta diretamente na qualidade de vida.

“De acordo com a World Health Organization – WHO (2012), a deficiência é de natureza complexa, dinâmica, multidimensional e questionável, devendo ser entendida como resultado da interação entre problemas de saúde e fatores contextuais, pessoais e ambientais. Essa perspectiva de compreensão multidimensional visa descaracterizar a deficiência como um atributo exclusivo da pessoa e de cunho extremamente biológico, por meio do rompimento com uma abordagem individualista que foque nas limitações (BARNES, 2012). Assim, a partir desta ideia pressupõe-se que a participação social de uma pessoa com deficiência é possível na medida em que se enfrentam as barreiras impostas pela sociedade. Estes obstáculos sociais se referem à exclusão em mobilidade, direito a informação, lazer, serviços de saúde, educação e trabalho (WHO, 2012)”, cita Leonardo de Oliveira Barros, Doutor em Psicologia, em seu artigo “Avaliação psicológica de pessoas com deficiência: reflexões para práticas inclusivas”, um dos trabalhos premiados do ‘Prêmio Profissional – Avaliação Psicológica direcionada a Pessoas com Deficiência’ (2019), do Conselho Federal de Psicologia.

O autor cita ainda: “Uma vez que a Psicologia no Brasil assume o compromisso social de superação das desigualdades (CFP, 2005), suas ações devem refletir em nível de conscientização da coletividade para eliminação da desigualdade, e principalmente, na prática dos profissionais no atendimento de populações diversas e específicas. Assim, é importante questionar o quanto a área tem se aperfeiçoado para a prestação de serviços, em nível técnico e instrumental, de pessoas com deficiência, com o intuito de não perpetuar práticas excludentes e nem oferecer serviços sem evidências de funcionalidade ou cientificidade.”

O autor aborda ainda as práticas avaliativas ao longo da história, que traziam um aspecto segregacionista: “O surgimento dos testes psicológicos data do final do século XIX, sendo que a testagem psicológica foi de grande importância para o desenvolvimento científico do campo psicológico (AMBIEL; PACANARO, 2016). Neste período, o interesse estava em mensurar funções psicológicas, físicas e sensoriais para o entendimento de como ocorria o funcionamento mental, aspectos que foram criticados por volta de 1900 por Binet e Simon que julgavam que estas medidas não contemplavam funções intelectuais que seriam mais importantes tais como a memória e inteligência. 

Em termos históricos, os trabalhos de Binet e Simon dão início para a medida padronizada de habilidades cognitivas com a publicação do primeiro teste, a Escala Binet-Simon (STERNBERG, 2000). Se por um lado valoriza-se a contribuição histórica dos autores para o campo da testagem psicológica, por outro, há um esquecimento de qual o objetivo do desenvolvimento deste instrumento e suas consequências na relação da avaliação psicológica e pessoas com deficiência. A Escala Binet-Simon foi elaborada a partir de uma solicitação do setor de educação do governo francês e o objetivo era identificar crianças com deficiência intelectual (na época consideradas com retardo mental) e separá-las em sistema educacional diferenciado daquelas consideradas normais. Assim, no primeiro teste psicológico desenvolvido há a possibilidade avaliativa de pessoas com deficiência, porém, em um caráter segregacionista por meio da utilização do instrumento.”

Segundo Barros, no Brasil as escalas Binet-Simon eram aplicadas desde 1910 por médicos que haviam ido se especializar na Europa, sendo que data de 1914 o primeiro laboratório de pedagogia experimental sob direção do psicólogo italiano Ugo Pizzoli no qual ocorriam avaliações de processos mentais superiores. O autor discorre também sobre as regulamentações para a prática da Psicologia ao longo dos anos, e sugere: “Uma alternativa de superação dessas barreiras dos instrumentos pode ser resolvida no momento de desenvolvimento ou adaptação de um instrumento com a aplicação do Desenho Universal. A utilização destes princípios na avaliação psicológica tem sido chamada de Testagem Universal cuja premissa é a de conseguir com o mesmo instrumento avaliar uma população ampla, composta por indivíduos com ou sem deficiência, por meio da máxima acessibilidade. A Testagem Universal é uma das estratégias que pode cooperar na inclusão de pessoas com deficiência nos processos avaliativos que utilizem testes, uma vez que se preocupa com o formato do teste de modo que não seja pessoa que tenha que se adaptar para utilizar o instrumento e sim o formato do teste que tenha flexibilidade de se acomodar às necessidades do avaliando (OLIVEIRA; NUERNBERG; NUNES, 2013).”

O autor enfatiza também sobre o pouco uso das tecnologias assistivas como recursos avaliativos: “Outro aspecto ainda pouco utilizado na área de construção de instrumentos e que poderia proporcionar acessibilidade dos materiais para avaliação de pessoas com deficiência é a utilização de recursos tecnológicos em geral e, principalmente, de tecnologias assistivas. No âmbito das tecnologias vários recursos poderiam ser utilizados, como por exemplo, tablets, celulares e computadores. A modernização dos instrumentos saindo da versão tradicional (lápis e papel) e sendo realizado por meio digital (especialmente computadorizado), traria vantagens como a possibilidade de utilização de leitores de tela, diminuição da complexidade de estímulos e adaptações ao ritmo de desempenho e entendimento do avaliando (OLIVEIRA; NUNES, 2015). Apesar dos grandes avanços tecnológicos e da sociedade digital, o campo da avaliação psicológica pouco se vale desses benefícios. Cabe ressaltar que as diretrizes mais recentes da área (CFP, 2018) não chega a fazer menção à essas ferramentas em nenhum momento, sendo que a palavra “tecnologia” aparece apenas uma vez voltada para o contexto de pesquisa e não de atuações práticas.”

Em relação à formação profissional dos psicólogos, Barros ressalta que há falhas em relação à capacitação dos estudantes de Psicologia quanto às deficiências: “Em primeiro lugar, é fundamental que haja um maior investimento na formação do profissional para que este tenha as competências necessárias de entendimento da deficiência. Ainda que as DCN dos cursos de Psicologia não deem ênfase nesse quesito, os responsáveis por elaborar o Projeto Político e Pedagógico de um curso de graduação em Psicologia podem assumir o compromisso com o ensino voltado para a inclusão. Ao considerar a complexidade das diferentes deficiências (WHO, 2012), uma única disciplina não capacita o futuro profissional para a atuação com este público, sendo importante que o tema seja abordado também nas aulas de avaliação psicológica.”

Na conclusão do seu artigo, Leonardo Oliveira de Barros traz a relevante reflexão acerca do exercício da profissão em relação à inclusão: “Considerando o aumento da expectativa de vida dos brasileiros e os anos decorridos desde o último censo em 2010 (IBGE, 2010), o número de pessoas com deficiência pode ser maior do que o apresentado (23,9% da população). Assim, qual Psicologia deseja ser construída junto a essas pessoas? Qual compromisso ético a categoria assumirá para a superação dos obstáculos de plena participação de qualquer pessoa em seus serviços, técnicas e instrumentos? Por mais que as respostas pareçam estar longe, uma certeza se apresenta: a construção de uma sociedade justa e igualitária depende da colaboração de todos e em todos os aspectos e contextos, pois, a inclusão não pode ocorrer fracionada ou condicionada à apenas determinados espaços e contextos. A inclusão de pessoas com deficiência na Psicologia, portanto, não pode se dar apenas por algumas áreas, linhas teóricas ou contextos, deve ser prática comum à toda categoria.”

Acesse o artigo na íntegra no link: 

https://satepsi.cfp.org.br/docs/CFP_livrodigital_premio2.pdf

(Capítulo “Avaliação psicológica de pessoas com deficiência: reflexões para práticas inclusivas).

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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