Reconhecimento a quem traduz vozes em acessibilidade, inclusão e direitos

O Dia do Intérprete de Libras, celebrado no Brasil em 26 de julho, é uma oportunidade essencial para reconhecer e valorizar o papel fundamental desses profissionais na promoção da acessibilidade, inclusão e garantia de direitos das pessoas surdas. Fernanda Rodrigues é exemplo disso: intérprete de Libras, pedagoga especializada em Educação Especial, ela atua há mais de 15 anos na profissão, sendo o elo entre as duas comunidades – de pessoas surdas e ouvintes -, além de ser ativista pelos direitos dos surdos, como divulga em seu Instagram @fernandaasilvaa, com mais de 39 mil seguidores.
E foi durante o Ensino Médio, aos 17 anos, que Fernanda teve a motivação que a despertou para sua vocação profissional: “Na minha sala estudava a Livia, que é surda. E ela foi me ensinando Libras e, em troca, eu a auxiliava na comunicação com os professores, porque naquela época ainda não existia a lei que garantisse a presença do intérprete em sala de aula. Me apaixonei completamente pela língua de sinais e, assim, a minha ideia inicial de cursar jornalismo mudou completamente”, diz.
Como uma luz acesa em seu coração, norteando o seu futuro e o seu propósito de vida, Fernanda seguiu determinada e trilhou um passo a passo para alcançar seu objetivo: “Na minha cidade natal, Limeira, interior de São Paulo, não havia curso de Letras Libras nas faculdades, o mais próximo era em São Carlos. Então fiz pedagogia e depois fiz especialização na área. Me formei, atuava como professora de Educação Infantil e como intérprete de Libras nas escolas da minha cidade e também em Rio Claro/SP. Hoje tenho três pós-graduações: duas na área de Libras e uma na área de Educação Especial”, destaca a intérprete, que tem também formação para atuar como guia-intérprete de pessoas surdocegas.
A profissional fala também sobre os entraves da profissão: “Eu acredito que os maiores desafios que enfrentamos é mostrar que acessibilidade não é caridade, é um direito. Que a pessoa surda existe e tem o direito de estar onde quiser. Por tanto tempo as pessoas com deficiência foram trancadas e excluídas da sociedade (infelizmente ainda são), porém hoje existe mais acesso, mais informação e existem leis que garantem isso. Meu papel como intérprete não é apenas levar a comunicação para as pessoas surdas, mas também letrar uma sociedade que é preconceituosa e capacitista. A nossa profissão está ganhando mais visibilidade e notoriedade, mas como toda área, sempre tem aqueles que acabam sendo um desserviço na classe dos intérpretes, que não estudam, não dominam a língua e ganham milhares de seguidores nas redes sociais (na sua maioria ouvintes que não sabem Libras e acham a língua “linda”)”, alerta a intérprete.

Por isso, Fernanda salienta ainda sobre a seriedade da profissão: “Libras não é palco para palhaço fazer graça, Libras é uma língua que merece respeito. Quando um intérprete não transmite a mensagem corretamente para o receptor, que no caso é o surdo, pode acarretar danos gravíssimos à vida desse indivíduo. Principalmente no âmbito jurídico, acadêmico, no âmbito clínico, como por exemplo um diagnóstico errado, quantidade de remédio errada… infelizmente tais exemplos acontecem com muita frequência”.
Intérpretes de Libras na área artística
“Iniciei a carreira como intérprete na área educacional, dificilmente atuava com eventos. Mudei para São Paulo na pandemia, mas quando as coisas começaram a voltar ao ‘normal’, passei a atuar diretamente com eventos, shows, teatros, entre outros, e não parei mais”, destaca a profissional, que brinca que não consegue mensurar o número de eventos que já participou como intérprete de Libras.

“A atuação na área artística vem crescendo muito e isso é uma grande batalha, pois, infelizmente, acontece com frequência de sermos barrados em alguns shows ou o próprio artista ou até mesmo o produtor nos tirar de atuação, porque ‘não podemos tirar o “brilho” do artista’ ou até mesmo ‘atrapalhar a visão do palco’. Já aconteceu comigo várias vezes e com colegas de profissão. Mas, por outro lado, há artistas que se divertem com a gente, brincam, tentam aprender alguns sinais e respeitam com muito carinho o nosso trabalho, como o caso do Mumuzinho, Léo Santana, Thiaguinho, Nando Reis, entre outros… e isso nos motiva a continuar cada vez mais!”, salienta Fernanda, que complementa: “Como sempre atuo em shows, muitas pessoas já me questionaram: ‘se surdo não ouve, para que intérprete?’. O surdo apenas não ouve, mas sente a vibração, se emociona e conhece a música por meio das mãos do intérprete. Se a música fala besteiras, a gente as interpreta também, pois o mesmo direito que um ouvinte tem de escutar a música e curtir um show, o surdo também tem!”, destaca a profissional, cujas interpretações, de fato, encantam por tamanha expressividade facial e gesticular, que transmitem muito mais do que apenas a tradução da língua, mas, principalmente, as emoções.
Ao Dia do Intérprete de Libras, Fernanda deixa a seguinte mensagem: “Acessibilidade é um direito de todos, e garantir que ela exista é um dever de toda a sociedade. Portanto, seja um aliado nessa luta. E como sociedade, ainda precisamos evoluir e melhorar muito, pois muitas pessoas pensam que acessibilidade é apenas colocar uma rampa, mas destaco que acessibilidade não é só arquitetônica. Existem oito tipos de acessibilidade que precisam ser respeitadas para vivermos em uma sociedade mais equitativa para todos. Um caso que é bem repercutido e que vive em debates é o cinema brasileiro não ter legenda. Nós fomos palco de grandes conquistas no Oscar e a comunidade surda foi totalmente excluída. Só agora que eles conseguem assistir filmes porque estão nos streamings, pois é fato que a comunidade surda também consome filmes, shows, teatro, arte, gastronomia; são clientes como qualquer outra pessoa. A comunidade surda leva a vida como todo mundo, a única diferença é a língua. Portanto, se a sua empresa não tem um atendimento em Libras, você está atendendo errado seus clientes!”.
Sobre o Dia do Intérprete de Libras
A escolha do dia 26 de julho está relacionada a um projeto de lei de Santa Catarina, que propôs a criação do Dia Estadual do Tradutor/Intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Já o dia 30 de setembro é celebrado internacionalmente em homenagem a São Jerônimo, o tradutor da Bíblia e considerado o padroeiro dos tradutores.