Pesquisar

Dia das Mães

Mellina Reis e os desafios da maternidade na perspectiva de uma mãe cega

Foto de Mel sorrindo com sua filha Sofia no colo vestindo um casaquinho rosa com capuz.

“Eu planejava ter filhos aos 28 anos, mas com o agravamento da minha visão lá atrás, comecei a questionar um pouco sobre a maternidade e, com o avanço da idade, comecei a pensar que não seria mais possível ser mãe”, diz Mellina Reis, turismóloga, palestrante e influenciadora digital. 

Mel, como é conhecida em suas redes sociais, tornou-se mãe aos 40, com a chegada da Sofia (hoje com 1 ano e 3 meses), e fala sobre a maternidade e os desafios enfrentados pelo fato de ser uma mãe cega: “A gravidez foi uma surpresa! Na época, o que tive de sintomas foi uma dor de estômago muito intensa, achei que estava com gastrite nervosa, ainda mais que naquele período estava estressada com algumas questões. Fui à farmácia comprar remédios para minha mãe e então resolvi comprar o teste, de forma despretensiosa, porque a minha menstruação estava atrasada, mas como nunca havia sido regular, não me preocupei muito. Chegando em casa, eu fiz o teste, tentei usar algum aplicativo, mas não queria chamar o Be My Eyes (que conecta usuários cegos ou com baixa visão que desejam assistência a voluntários e empresas em todo o mundo, por meio de vídeo ao vivo e inteligência artificial). Afinal, seria uma pessoa estranha que ia saber do teste antes de mim, sendo que é algo muito pessoal. Não queria contar também para o meu marido, porque não queria criar nenhum alarde nem para ele, nem para os meus pais, ainda mais se desse negativo. Queria alguém neutro e como sabia que meu irmão não falaria para ninguém, mandei a foto do teste para ele, que confirmou o resultado positivo. Ainda assim, fiquei incrédula e em dúvida, então fiz um exame de sangue e, mesmo com a confirmação da ginecologista, só acreditei quando fizemos o primeiro ultrassom”, diz Mel, que faz o importante alerta às fabricantes de testes de gravidez para que sejam mais acessíveis às pessoas com deficiência visual para que tenham autonomia quanto ao resultado, principalmente em um momento tão único e íntimo, que deve ser preservado às mulheres.

Como toda mãe de primeira viagem, Mel diz que também passou pelas inseguranças quanto ao banho: “Os bebês são muito delicados, eu tinha medo de segurá-la e deixá-la escorregar por não enxergar, então no início meu marido a segurava e eu a esfregava. Além do apoio dele, que estava sempre ao meu lado nos primeiros meses, também tive o suporte fundamental da minha mãe e da minha sogra, principalmente durante a amamentação, que posicionavam a Sofia para a pega correta do peito. Outro exemplo é que na hora de trocar a fralda eu não me sentia segura quando a trocava sozinha, pois a dúvida era se ela estava realmente limpinha. Então, no início, meu marido era quem a trocava. Mas, agora, eu a troco sozinha, nem que eu use um pacote inteiro de lencinho umedecido até eu ter certeza de que ela está limpa”, brinca. Hoje, Mellina também é quem dá banho e prepara a alimentação da Sofia – “Coisas que eu tinha receio no começo, mas aos poucos a gente vai se sentindo mais segura para fazer as tarefas da rotina”.

Ela conta ainda que também enfrentou desafios emocionais: teve “baby blues”, uma condição emocional comum após o parto, caracterizada por tristeza passageira, choro fácil, irritabilidade e ansiedade, que geralmente surgem nos primeiros dias após o parto, sendo considerada também uma reação normal às alterações hormonais e à adaptação à maternidade.

A influenciadora conta que um dos grandes desafios que enfrenta hoje é que a Sofia começou a andar: “Às vezes esbarro nela porque não escuto ela vindo na minha direção, às vezes ela mexe nas coisas e eu não estou vendo o que ela está fazendo. Ontem, por exemplo, fui estender as roupas no varal e a deixei mexendo no armário da cozinha, porque ela estava quieta e ao mesmo tempo eu estava escutando que ela estava mexendo nas coisas. E eu tinha dado banana pra ela, mas ela cuspiu a banana e esfregou no chão, e eu só fui perceber  isso quando ela levantou e veio até mim, pois ela estava segurando uma espátula que ela estava mexendo no armário e percebi que estava toda melecada. Fui então até onde ela estava, cheirei e tudo estava com cheiro de banana, além de tatear e confirmar que tinha banana amassada e espalhada pelas coisas. Então, o desafio atual  é conseguir fazer as coisas sem saber o que está aprontando. E eu tenho que tocar nela pra saber o que tem na mão dela e o que ela está fazendo. Então está sendo desafiador nesse sentido, porque eu preciso fazer as coisas de casa e ficar “de olho” nela, que, no meu caso, significa tocar – assim, eu acabo ainda não conseguindo conciliar as tarefas domésticas, de trabalho, com os cuidados com ela”, explica a mamãe. 

E são esses desafios diários que Mellina compartilha no perfil @caminhosdamel, onde ela mostra como lida com a maternidade, como forma de ajudar outras mães e também tirar as dúvidas das pessoas que têm curiosidades sobre o fato de ser uma mãe cega. “Por mais que seja desafiador, é um amor sem igual perceber como eles aprendem rápido as coisas. Agora ela começou a pegar a minha mão e a levá-la até as coisas – então não sei se ela está percebendo que a mãe dela enxerga de forma diferente, que agora ela está colocando minha mão no carrinho, no chão, em tudo. Ela começou a fazer isso esses dias só comigo, porque com o meu marido ela não tem agido dessa forma”, derrete-se Mel. “Essa capacidade deles e esse amor que eles têm, essa troca, esse carinho, são incríveis e perceber que eu consigo, sou capaz, apesar de todas as dificuldades, é motivador. Minha filha está saudável, engordando, então estou dando conta!”.

Para as mamães que sonham com a maternidade, Mellina deixa a seguinte mensagem: “Ser uma mãe com deficiência não é fácil. Falando na cegueira é desafiador, a gente passa por muitas dificuldades e desafios, eu demoro muito mais para fazer as coisas, para preparar a comida dela por não enxergar, acabo demorando mais para cortar e fazer as coisas, mas é possível, eu consigo, não é uma coisa de outro mundo. O instinto maternal é muito grande e é real o que falam que quando nasce uma criança, nasce uma mãe e a gente vai aprendendo junto: aprendemos com eles o amor mais verdadeiro e tudo vai se transformando e a gente vai também percebendo o quanto somos capazes e conseguimos, sim, exercer a maternidade. Portanto, se você tem uma deficiência e tem o sonho da maternidade, vá em frente!”

Mel também é a criadora do perfil @4pataspelomundooficial, onde compartilhava sua jornada ao lado de Hilary, sua cadela guia, que foi sua companheira em muitos destinos, viagens e passeios ao longo de mais de oito anos: “Sou muito grata pelos anos de história, quantas conquistas, lugares visitados, vidas impactadas, belas amizades! Mas com a partida da Hilary, comecei a sentir que eu não era mais a Mel do 4 Patas pelo Mundo, falta uma parte… então resolvi que era hora de mudar e iniciar uma nova caminhada com o Caminhos da Mel! Recomeçar é desafiador, mas pode ser motivador! Conto com vocês me acompanhando nessa nova jornada!”, diz a mamãe de Sofia.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

Artigos recentes