
Todo segundo sábado de outubro (que neste ano cai no dia 10) se comemora o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, data estabelecida pela The Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA), organização internacional não governamental, que tem como objetivo unificar as comemorações e apoiar os cuidados paliativos em todo o mundo. A cada ano, a instituição elege um tema para a campanha, sendo o de 2020: “Meu Cuidado. Meu Conforto“. No Brasil, a divulgação da campanha conta com o apoio da Agência Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, cuidados paliativos é a assistência integral oferecida para pacientes e familiares quando diante de uma doença grave que ameace a continuidade da vida, cujo objetivo é oferecer o tratamento eficaz para os sintomas de desconforto que podem acompanhar o paciente, sejam eles causados pela doença ou pelo tratamento. Apesar de parecer um direito inerente a todo paciente e a data trazer à reflexão a importância do tema, segundo Natálie Iani Goldoni*, fonoaudióloga clínica nas áreas da comunicação suplementar e/ou alternativa e disfagia com ênfase em Cuidados Paliativos (ANCP), a questão é ainda pouco abordada no Brasil e ainda muito relacionada à fase final da vida. “Até mesmo os próprios pacientes quando estão em hospitais recebendo serviços especializados em cuidados paliativos acreditam que estão ali para morrer, quando, na verdade, vários acabam tendo alta diante dos benefícios que a abordagem da assistência oferece ao tratar os aspectos da dor física, social, psíquica e espiritual dos pacientes”, esclarece.
De acordo com a ANCP: “Proteger. Esse é o significado de paliar, derivado do latim pallium, termo que nomeia o manto que os cavaleiros usavam para se proteger das tempestades pelos caminhos que percorriam. Proteger alguém é uma forma de cuidado, tendo como objetivo amenizar a dor e o sofrimento, sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual”. Dessa forma, segundo Natálie, um paciente que recebe um diagnóstico de uma doença grave, como câncer, por exemplo, precisa receber, bem como seus familiares, o amparo de uma equipe de profissionais especialistas em cuidados paliativos que inclua enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, capelães, assistentes sociais, entre outros, para dar conta de uma extensa demanda de necessidade, sejam elas físicas (pela doença, tratamento), emocional (insegurança do futuro, tristeza, medo), social (laços familiares, problemas financeiros, profissionais) e espirituais (sentimento de vazio, culpas, arrependimento, dificuldade em se comunicar).
A especialista ainda explica que, por conta dos diversos benefícios observados, os cuidados paliativos que antes eram direcionados apenas à área oncológica, hoje se estendem à gerontologia, pediatria e a pacientes com doenças degenerativas como a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), entre outras doenças ameaçadoras da vida. No entanto, a fonoaudiologia tem papel fundamental no respeito dos aspectos da comunicação, inclusive pensando em quem tem ausência temporária ou permanente da fala, não conseguindo assim se comunicar de maneira eficaz.
“Afinal, a comunicação é uma das áreas que mais prejudicam a qualidade de vida do paciente quando entendemos ser um direito inerente, para que toda pessoa possa expressar suas necessidades básicas, vontades, desejos, negações entre outros. Então, possibilitar a comunicação suplementar e alternativa a pessoas com vulnerabilidade comunicativa em cuidados paliativos, dentro do âmbito da fonoaudiologia, é também aliviar um sintoma, que pode fazer parte de questões secundárias relacionadas a uma sedação, uso de algum medicamento com comprometimento da fala, quadros de paralisia cerebral, delírium, internação prolongada, alteração de nível de consciência ou até mesmo por conta de uma intubação orotraqueal ou questões de diferenças linguísticas culturais”, explica.
Além disso, de acordo com a especialista, uma das questões que o os pacientes com vulnerabilidade comunicativa em cuidados paliativos pode se apoiar é na Spiritual Care Communication Boards (Happ, 2017), portanto, o fonoaudiólogo pode construir pranchas de baixa ou alta tecnologia para alívio da dor espiritual. “Dentro do cuidado paliativo há uma equipe multidisciplinar dentre eles o capelão que ajuda o paciente que tenha ou não religião a lidar com questões bastante profundas em relação à sua existência, em relação a quem ele é, ao que ele foi, ao que ele precisa trabalhar de pendências na sua vida. Então, assim como o psicólogo, o capelão é uma figura muito importante e a comunicação alternativa tem tido um papel brilhante para auxiliar pessoas em cuidados paliativos que não estejam se comunicando pela fala. Quando se iniciaram as primeiras pesquisas dentro dessa área para ajudar pacientes com vulnerabilidade comunicativa em cuidados paliativos em um estágio avançado da doença ou mesmo chegando para uma fase terminal perceberam a importância de proporcionar a esses pacientes sem a fala a possibilidade de escolha sobre há rezar ou rezar um terço; fazer uma oração; meditar, verificar se o paciente quer que chame um padre ou um monge budista, abrir a Bíblia para alguma leitura específica, fazer uma missa em prol dele, ou seja, todas as questões inerentes às questões espirituais que possam trazer alívio e conforto”.
A fonoaudióloga cita o estudo realizado em 2017 pela doutora Mary Beth Happ, da Universidade Estadual de Ohio, que criou pranchas interativas de comunicação e várias ferramentas de comunicação com cuidados espirituais para pacientes não verbais com doenças ameaçadoras da vida ou em fase final de vida. Assim, as pranchas apresentam frases como “estou sozinho ou estou com medo”, “estou frustrado ou estou preocupado”. “segura a minha mão”, “toca uma música”, “vamos orar? Preciso pedir perdão, preciso me despedir”.
“Essa pesquisa foi bastante interessante porque os próprios médicos trouxeram relatos importantes como este: ‘Eu ando pelo hospital e vejo um paciente no respirador bem acordado e sentado na cama, outros estão se debatendo na cama. É evidente que eles estão ansiosos, dá pra ver no rosto deles, porque houve uma mudança de paradigma no cuidado, pois antes eles eram muito sedados. Hoje, os pacientes estão mais acordados e alertas, mas não conseguem se comunicar com eficácia. Então, essas pranchas acabaram deixando até que profissionais da área hospitalar ficassem assim perplexos com o impacto: fiquem ali parados por um momento observando o paciente usar aquela prancha do conforto espiritual. Achei que foi a coisa mais maravilhosa, porque o que você vê é um paciente calmo, sentado ali, apontando. Às vezes sorrindo e acenando com a cabeça, apesar do ventilador mecânico ao seu lado, dando os respiros que eles próprios não conseguem respirar. Percebemos imediatamente que isso era transformador. Costumávamos chamar os capelães para a uma consulta de morte e agora chamamos para uma consulta de vida”, diz.
Além da abordagem espiritual, a especialista diz ainda como ponto fundamental na comunicação alternativa e que fazem parte dos cuidados paliativos são as diretivas antecipadas de vontade. “É importante que o paciente faça um testamento se referindo a tudo que ele dispõe de tratamentos e recusas na sua fase de final de vida ou quando ele estiver inconsciente, mas e as pessoas que não se comunicam pela fala? Não escrevem? Têm alterações motoras, sensoriais? É importante darmos voz à autonomia dessas pessoas, adaptar as diretivas antecipadas de vontade em comunicação suplementar e alternativa é uma necessidade”.
De acordo com Natálie: “nos cuidados paliativos, pensando no paciente vulnerável dos aspectos da comunicação, dar a possibilidade de expressar suas necessidades é fundamental. Segundo ela, pesquisas apontam frases importantes que têm sido usadas por esses pacientes ao redor do mundo, aliviando suas dores: Me perdoa; Te perdoo; obrigada; Te amo; Me deixe ir; Preciso Partir”.
A especialista cita ainda que nos cuidados paliativos a comunicação suplementar e alternativa para pessoas com ausência temporária ou permanente da fala pode ser um conforto imediato ou ainda algo a médio e longo prazo, que requer o desenvolvimento de um programa de comunicação mais específico que permita a interlocução com terapeutas e familiares por meio da construção de pranchas individualizadas personalizadas, visando o aumento da capacidade comunicativa; ou mesmo para a reabilitação domiciliar, permitindo ampliar a intervenção da CAA e a independência e a amplitude do sistema para abranger múltiplos interlocutores e situações comunicativas; bem como para que na fase final de vida a pessoa possa expressar suas necessidades e se despedir.
Segundo Natálie, o preparo do profissional em cuidados paliativos deve fazer parte da rotina dos atendimentos: “muitas vezes, quando você está atendendo um serviço de cuidados paliativos, você não consegue chamar um outro profissional pra fazer essa intermediação, convidar o psicólogo ou médico para fazer uma despedida entre o paciente e o familiar. Às vezes o paciente está indo a óbito e ele está ali, dialogando com você por meio da comunicação alternativa, dizendo como ele está se sentindo e ele sinaliza que quer dizer algo pra família. Eu não posso parar minha terapia e convidar outro profissional. Então, esse é um papel importante do fonoaudiólogo, porque é um alívio também do sintoma de uma alteração da comunicação que o paciente está vivenciando dentro da sua terapia e naquele instante. Eu já vivenciei a experiência do paciente, pai, durante um atendimento, querer se despedir e dizer para a filha que ele estava partindo”, exemplifica.
A Comunicação Suplementar e Alternativa dá voz aos pacientes em cuidados paliativos e outubro também é o mês de conscientização da Comunicação Alternativa no Brasil.
A fonoaudióloga, juntamente com a Civiam, ministrará no dia 10/10 o workshop on-line gratuito “Comunicação alternativa em Cuidados Paliativos”, às 10h. Com moderação do especialista em tecnologia assistiva da Civiam, Rafael Alves, o evento faz parte de uma série de treinamentos gratuitos organizados pela Civiam em comemoração ao mês da CAA.

* Natálie Iani Goldoni :
• Fonoaudióloga e Mestre (UNESP/Marília)
• Pesquisadora colaboradora na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB-CFP) e Fonoaudióloga nas áreas da comunicação suplementar e/ou alternativa; linguagem; disfagia com ênfase em Cuidados Paliativos
• Membro Associado da International Society Augmentative and Alternativa Communication (ISAAC Brasil) e Secretaria / Membro Ativo na Diretoria Nacional do Comitê de CP em Fonoaudiologia- Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)