
Neste mês de março, considerado o mês da Síndrome de Down por conta do dia 21/3, em que se propõe mundialmente a conscientização sobre a inclusão e os direitos das pessoas com a síndrome, trazemos um tema bastante relevante a todos os envolvidos (família, profissionais da saúde e professores e educadores): como promover a inclusão de crianças com Síndrome de Down em escolas regulares.
Para Eliana Cristina Moreira*, fonoaudióloga, especialista em linguagem e membro do Conselho Consultivo na atual gestão da ISAAC-Brasil (participação em diversos cargos no corpo executivo no período de 2006-2021) e também da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia nos grupos de trabalho do Comitê de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), e à frente do Círculo Terapêutico, algumas questões, se trabalhadas, promovem não apenas a inserção dos alunos com Síndrome de Down no ambiente escolar, mas potencializa o seu desenvolvimento na vida. “Primeiro, precisamos mudar a nossa mentalidade de que não existe inclusão ou parar de focar na falta quando falamos sobre a inserção de pessoas com qualquer tipo de deficiência nas escolas”, pontua. Segundo ela, tal visão está enraizada na sociedade e é uma das principais barreiras para os estudantes com necessidades especiais. “Quando, de cara, já lançamos o olhar da falta, do ‘não tem’, acabamos deixando de olhar para a realidade e as oportunidades que já estão aparecendo e acredito que até acabamos bloqueando a nossa ação para pensarmos em soluções e alternativas”, explica Eliana, que faz um paralelo às escolas com o trabalho terapêutico na singularidade do sujeito, olhando as potencialidades da pessoa com deficiência e não somente as incapacidades. A especialista exemplifica a questão com a experiência que teve ao longo de 29 anos atuando em Unidades Básicas de Saúde (UBS), do Sistema Único de Saúde. “É um consenso geral de que no SUS não há recursos para atender as pessoas com necessidades complexas de comunicação, mas pelo contrário: há atendimentos com comunicação alternativa e diversas outras terapias eficientes. Claro que não é em todas as Unidades/Centros Especializados de Reabilitação a implementação do trabalho com Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) já se concretizou, pois existe falta de formação dos profissionais (nas diversas áreas – fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia), bem como falta de recursos para poderem aplicar nos pacientes. Mas, não podemos generalizar e nem acreditar que esse trabalho é possível apenas nas clínicas particulares, elitizando o direito à comunicação”, enfatiza.
E é exatamente essa visão que Eliana considera ser um dos grandes desafios da inserção de alunos com Síndrome de Down nas escolas regulares. “O mais comum é as pessoas julgarem as escolas, mas é preciso uma consciência mais clara sobre o papel de cada um: professor/escola, família e os profissionais da saúde. É preciso termos todos um olhar mais colaborativo do que sentenciador. Exemplo disso é que quando as famílias criticam a escola por não ser inclusiva, eu ressalto: se o filho gosta de ir para a escola, significa que já existe um “espaço” para ele, caso contrário, a criança teria alguma reação negativa quanto à instituição de ensino. Agora, o próximo passo é participar da vida escolar da criança e colaborar com o seu aprendizado. Outro ponto é que se fala tanto da luta pelos direitos das pessoas com deficiência, mas raramente as famílias estão realmente apropriadas dos direitos previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – capítulo de Educação Especial assim como também das políticas vigentes – no Brasil, o direito do estudante com deficiência, válido para escolas públicas e particulares, inclusive, a elaboração de um Plano de Educação Individualizado (PEI) para cada aluno. As famílias precisam se empoderar desses direitos para poder conversar com a coordenação da escola e, com uma postura colaborativa, juntos – família, escola e terapeutas, traçarem um plano para colocarem em prática os direitos garantidos pelo MEC”, explica a especialista, que enfatiza: “Não quero dar a impressão de estar olhando o mundo através de lentes cor de rosa, mas, sim, empoderar as famílias de algumas conquistas e convidá-las a participar de coletivos para que a luta pela inclusão comece, de fato, a ter resultados.”
Eliana salienta ainda que é preciso clareza dos papéis de cada agente, porque, de acordo com ela, é bastante comum haver confusões sobre as responsabilidades das escolas, das famílias e dos terapeutas. “Frequentemente vejo pais se tornarem terapeutas dos seus filhos, ou professores, no ímpeto de querer ajudá-los a melhorar o seu desenvolvimento. Mas, é preciso ressaltar que a família não tem o papel de ser o terapeuta dos filhos e nem deve! Afinal, vale lembrar que é norma da área da saúde que os profissionais não podem atender pessoas com vínculo familiar, vide os médicos, os psicólogos, entre outros, pois os laços afetivos e as dinâmicas das quais fazem parte dificultam uma visão objetiva e o trabalho. Portanto, os pais devem se atentar aos seus papéis de pai e mãe, que são lindos e já repletos de desafios! Assim como não é papel de um fonoaudiólogo, por exemplo, mudar algum conteúdo de um professor – um dos grandes receios dos educadores quando os profissionais da saúde atuam em conjunto para dar suporte a um aluno com deficiência. Nós, os terapeutas, vamos trabalhar em nossas expertises e aqui posso especificar na fonoaudiologia, na clínica, no caso dos alunos com Síndrome de Down: nos atrasos no desenvolvimento da fala e linguagem, nos distúrbios motores na fala, nas dificuldades na comunicação, nas alterações na motricidade oral, entre outros. Partimos da singularidade do sujeito e seu contexto de vida para traçar um planejamento pautado em objetivos reais para alcançar o seu desenvolvimento e sua autonomia. No âmbito escolar, o nosso papel é de contribuir – seja adaptando uma atividade, seja pensando em novas possibilidades para aquele aluno com a síndrome – com os professores, que desempenham suas funções com maestria e, finalmente, no espaço coletivo possibilitando que os educadores e demais alunos venham a ser “parceiros de comunicação” nas suas interações com esse estudante. Ou seja, é a saúde apoiando a educação, e ambos apoiando a família em um trabalho em conjunto, sem imposição de nenhuma das partes”, esclarece, ao salientar a importância de ser o objetivo comum de todos da equipe multidisciplinar o desenvolvimento do aluno. “Quando os diversos profissionais envolvidos estão comprometidos com a evolução da pessoa com necessidades específicas, existe uma potencialização das intervenções que se cruzam e a criança muitas vezes apresenta saltos em seu desenvolvimento que é emocionante de ver”, relata com brilho no olhar.
A especialista ressalta que ainda há muito a se fazer nessa parceria entre todos, mas que é preciso foco no que é possível ser feito a partir de pequenos objetivos alcançáveis com a criança com Síndrome de Down, como o direito à comunicação: “se é um direito de todos, então vamos começar traçando metas a partir do objetivo do momento, como proporcionar a Comunicação Suplementar e Alternativa a essa criança. Por exemplo, avaliar a partir de suas formas de comunicação quais os recursos e estratégias para incrementar suas interações no ambiente escolar, sempre focando chegar em um sistema robusto para maior autonomia, e lembrando da imprescindível tarefa de contribuir com a escola sobre como utilizá-lo em sala de aula – aqui muitos podem ser o caminho, o primeiro passo é estar “dialogando com os educadores” e novamente enfatizo: pequenos objetivos e ações concretas envolvendo todos, não esquecendo até mesmo os amigos da sala”, sugere a fonoaudióloga. E sobre quando os pais de crianças com Síndrome de Down devem buscar a CSA, Eliana coloca: “Como as crianças com a síndrome apresentam muitas vezes importantes dificuldades na fala e linguagem, é preciso que os pais busquem fonoaudiólogos para exporem seus filhos à Comunicação Suplementar e Alternativa o mais rápido possível. Afinal, é papel dos pais buscarem todos os recursos para melhor desenvolverem as potencialidades deles. E, caso a família não tenha condições financeiras para prover os recursos a essa criança, deve recorrer ao SUS”, orienta.
A fonoaudióloga Eliana Cristina Moreira será uma das palestrantes no curso “Parceiros de Comunicação: ampliando as oportunidades com a Comunicação Suplementar e Alternativa”, organizado pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Será no dia 25/3, das 8h às 18h, pela plataforma digital da instituição: https://sbfa.eadplataforma.app/curso/parceiros-de-comunicacao-na-csa
Além do SUS, outra opção aos pais é buscar apoio em instituições especializadas, como o Instituto Serendipidade (www.serendipidade.org.br), fundado em 2018, por conta da chegada de Pedro, com Síndrome de Down, na família Zylberstajn, que fizeram seus pais Henri e Marina criarem o Projeto – e posteriormente Instituto – Serendipidade. O casal almejava que a inclusão, valor que descobriram tão escasso e importante, fosse inteiramente presente na sociedade. E é essa a batalha da organização, que tem o propósito de transformar o olhar da sociedade para as pessoas com deficiência não sejam vistas como problema, mas sim como solução. O instituto disponibiliza um guia gratuito “Meu filho nasceu com Síndrome de Down. E agora?”, como contribuição às famílias.
A escolha da escola
Uma das grandes dúvidas das famílias é na hora de escolher a melhor escola a um filho com deficiência, como a Síndrome de Down. A fonoaudióloga Eliana Cristina Moreira dá algumas dicas:
- Faça uma reflexão sobre como é a escola dos seus sonhos: pequena, grande, com atividades esportivas, com atividades artísticas? (Evite pensar em nomes de escolas específicas).
- Qual proposta pedagógica considero interessante na educação do meu filho?
- A escola idealizada é um consenso da mãe e do pai?
- Verifique o site da escola, leia sobre a proposta pedagógica, busque informações dos caminhos que são propostos para o aprendizado (faça isso com algumas escolas).
- Escolas próximas de seu local de residência facilitam o cotidiano e também a inserção de seu filho na comunidade: será mais fácil alimentar o convívio da criança com os amigos fora do horário escolar.
- Visite as escolas em funcionamento, não em período de férias. Esteja atento aos detalhes: atividades que estão sendo realizadas, a entrada e saída das crianças, como são cuidadas e tratadas pelos funcionários da instituição.
- Converse com a coordenação, fale da sua criança e verifique como será a conversa.
- Pergunte se há a elaboração do PEI.

*Eliana Cristina Moreira é fonoaudióloga formada pela USP e atua em fonoaudiologia clínica em seu espaço Círculo Terapêutico, em São Paulo. Tem larga experiência em linguagem em casos neurológicos, atua com Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) desde o final dos anos 80 em clínica particular e no serviço público (PMSP). Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Unicamp, Especialista em Linguagem pela UNIMEP, Especialista em Saúde Coletiva pelo CFFa. Membro GT de CSA/CAA da SBFa. Membro da Diretoria da ISAAC-Brasil em várias gestões.