Traduzido de: http://perkins.org/stories/blog/adventures-of-a-solo-blind-traveler
Qual é o segredo para se viajar sem a visão? Uma bengala branca, confiança e a disposição para se requisitar assistência quando necessário. Bom humor também ajuda.
por Ashley Bernard
Em um dia típico na faculdade, eu estava atravessando a rua quando uma jovem mulher se aproximou de mim e disse que me ajudaria a caminhar até minha sala de aula. Ela viu minha bengala branca e deduziu que eu era cega. Apesar de eu não estar precisando de ajuda, eu deixei-a caminhar comigo. Enquanto conversávamos, ela me fez a pergunta mais estranha que alguém já me fez nesse tempo que viajo sozinha: “Onde você estacionou seu carro?” “Desculpe, não entendi”, eu respondi, sem acreditar. “Eu sou cega. Eu não dirijo.” -Oh!, ela disse, imperturbável. E continuou a andar.
Como sou cega, eu não posso saber como pessoas que enxergam vão reagir quando me virem viajando de maneira independente. Eu tenho a expectativa de que alguns encontros serão muito divertidos, enquanto outros, um pouco estranhos.
Eu não deixo isso me parar. Com uma boa combinação entre mobilidade, autodefesa e habilidades de raciocínio, eu sei que é possível viajar a qualquer lugar sendo cega. De andar pelo campus da Bridgewater State University a andar de trem, usar o Uber, embarcar em um avião para um voo de uma ponta a outra do país – minha falta de visão não me impede de viajar. Desde que eu tenha minha bengala branca. Nem todas as pessoas entendem isso. Uma vez, em um aeroporto, uma funcionária começou a gritar comigo: “Alguém deveria estar com você o tempo todo!”. Então ela gritou que deveria fazer uma reclamação à linha aérea por negligência. Bem, obrigada, mas isso não é necessário. E, por favor, pare de gritar.
A verdade é que não vai ter alguém comigo o tempo todo, e eu nem preciso que isso aconteça. Se eu precisar de ajuda, eu vou pedir ajuda. Por exemplo: eu normalmente pedirei ajuda ao tentar encontrar o local de retirada de bagagem; ou para embarcar no trem correto ou ainda localizar uma sala de conferências específica dentro de um hotel.
Às vezes a tecnologia é toda a assistência da qual eu preciso. Existe um aplicativo de celular que eu uso no shopping que me diz a qual distância está a loja que estou procurando. Ano passado eu estava com minha melhor amiga, que também é cega, e nós íamos de loja em loja com a ajuda deste aplicativo em uma fantástica maratona de compras nas férias de primavera. Só precisamos pedir assistência nas grandes lojas de departamentos, já que nestas às vezes era difícil achar a sessão que procurávamos.
Pedir ajuda pode não parecer independência, mas é. Mesmo quando peço por orientações de caminho, ou por um guia, eu preciso estar atenta ao meu entorno e ser bem específica com o que digo. Pessoas bem intencionadas já me “desviaram” algumas vezes, e quando isso acontece, é essencial saber lidar com a situação. Eu já fui acidentalmente deixada em endereço errado, fui guiada a uma grande travessia de pedestres na direção contrária, e recebi direcionamentos sem sentido, tipo “Vá à direita e então vá para lá”.
Estas coisas acontecem, e quando é o caso, eu simplesmente tenho que respirar fundo e usar meus sentidos, ferramentas e habilidades para voltar para meu caminho. Viajar sozinha sendo cega não significa somente situações complicadas. Quando eu conheci minha amiga Kari, eu estava tentando passar pelo grande hotel St. Louis e chegar ao camarim onde eu iria fazer uma performance em um show de talentos. E como a Kari estava indo para lá também, ela perguntou se eu queria ir caminhando com ela. Nós começamos uma conversa e somos amigas até hoje.
Em outra ocasião, no calor do momento eu decidi convidar um amigo para um café. Nós fizemos isso com sucesso, graças ao maravilhoso motorista de Uber – e à fantástica acessibilidade do meu telefone que lê o aplicativo em voz alta, me permitindo acessar nosso transporte.
Para mim, viajar sozinha é uma aventura, com novas histórias para contar ao final de cada viagem. Pode nem sempre ser fácil, mas é sempre emocionante e gratificante.
O mais distante que minhas viagens sozinha me levaram até hoje é a Califórnia, e eu espero que um dia minhas viagens me levem a países estrangeiros. Eu sei que isso trará novos desafios, e neste caso eu vou enfrentá-los conforme acontecerem, com atitude positiva e determinação.
Ashley Bernard é formanda de 2012 da Perkins School for the Blind. Ela acabou de completar um estágio no departamento de comunicação da Perkins.