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Associação Fernanda Bianchini – Cia Ballet de Cegos: exemplo de inclusão social

fundo azul, com bailarina cega dançando com um rapaz
Foto – Geiza Pereira, 1ª bailarina da Cia Ballet de Cegos (Foto: Divulgação)


O mês de dezembro traz duas datas importantes: 3/12 é o Dia Internacional das Pessoas com Deficiências e no dia 13 é o Dia Nacional do Cego. Exatamente por isso é que, como forma de homenagear ambas as datas de conscientização, trazemos no blog um dos exemplos máximos de inclusão social: a Associação Fernanda Bianchini – Cia Ballet de Cegos (AFB). Apesar do nome, a instituição recebe alunos com todos os tipos de deficiências e, inclusive, destina 10% das vagas para pessoas sem deficiências. Como diz a fundadora, Fernanda Bianchini, a inclusão na AFB é completa.

A Associação surgiu formalmente em 2003, a partir de um projeto que começou a crescer, oriundo de um voluntariado que teve início em 1995, quando Fernanda tinha apenas 15 anos. Ela era voluntária do Instituto para Cegos Padre Chico, em São Paulo, quando foi convidada por uma das religiosas para dar aulas de ballet clássico às alunas cegas da instituição. “Nunca diga não a um desafio, pois são desses desafios que partem os maiores ensinamentos que nós temos nas nossas vidas”, disseram seus pais, quando Fernanda duvidou se seria possível aceitar o convite. 

A jovem decidiu embarcar no desafio, porém, ela não tinha noção do tamanho das dificuldades que enfrentaria. No primeiro dia de aula, ao dar as instruções sobre um dos primeiros passos ensinados a iniciantes, Fernanda pediu para que imaginassem que saltavam para fora e para dentro de um balde, quando uma das alunas questionou: “mas, tia, o que é um balde, eu nunca ’vi’ um balde, não sei o que é”. E, então, Fernanda entendeu que era preciso mergulhar no mundo dos cegos, entendendo a percepção deles e, mais do que isso, compreendendo suas limitações para poder apresentar e ensinar o ballet da forma correta. E, com muita determinação, do aprendizado à perseverança dos ensaios semanais, Fernanda foi criando um método próprio e exclusivo, caracterizado pela ‘sensibilidade artística’.   

E, em pouco tempo, o desafio virou projeto com a grandiosa proposta de inserir deficientes visuais no mundo bailarinístico. “A ideia é que milhares de crianças tenham essa oportunidade de terem aula de ballet. Muitas vezes uma deficiência acaba com o sonho de uma menina de ser bailarina e estamos aqui para provar que não, que o sonho é possível, que as crianças podem se desenvolver e se superar a cada dia se elas tiverem força de vontade e acreditarem no sonho delas. E até, quem sabe, fazerem do ballet uma profissão”, diz. Logo, a professora passou a ser procurada também por pessoas com outros tipos deficiências, de todas as idades, e também sem deficiências.

A partir de 1999 o grupo de dançarinos começou a receber convites e a participar de espetáculos de dança e festivais renomados dentro e fora de São Paulo. Em pouco tempo os bailarinos conquistaram a nova categoria especial em dança para deficientes que, inclui os grupos pré-mirim, mirim, infantil, juvenil e adulta, contribuindo também para a abertura de espaço e inserção de pessoas com deficiências auditivas, motoras e intelectuais.

O surgimento da Associação de Ballet de Cegos Fernanda Bianchini

A procura pelas aulas começou a crescer tanto que o espaço onde as aulas eram ministradas no Instituto para Cegos Padre Chico começou a ficar muito pequeno e, em 2003, com apoio de pais, amigos e colaboradores, a Associação de Ballet de Cegos Fernanda Bianchini foi criada formalmente, instalando-se em um casarão  alugado na região da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, onde permanece até hoje. E, dessa forma, Fernanda foi aprimorando também o seu método exclusivo e pioneiro, que é ensinado no Brasil e no exterior para ambos os sexos e que se baseia em toques e na repetição de movimentos.

E se engana quem imagina que a deficiência é motivo de um ballet amador. Fernanda é exigente no ensino dos alunos, tanto é que alguns têm no repertório uma lista de espetáculos como Copélia, Quebra-Nozes e Dom Quixote, que ela mesma não chegou a dançar quando bailarina. “Eu quero que elas sejam aplaudidas por sua disciplina, por seu talento e por dançaram com qualidade como artistas e não porque não enxergam da mesma forma do que nós. Aqui não tem indefesas deficientes visuais recebendo caridade, aqui tem bailarinas profissionais que aprendem e também ensinam”.

E muitos dos bailarinos da cia já se apresentaram também em países como Inglaterra, Argentina, Alemanha, Polônia, Estados Unidos e México. O reconhecimento aos bailarinos também veio como forma de premiações, como o Paulistano Nota 10, da revista Veja, o Prêmio Juscelino Kubitschek, do BID, e o Colar Guilherme de Almeida, concedido pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Além disso, o grupo se apresentou na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012 e é tema do documentário Looking at the Stars, do brasileiro Alexandre Peralta.


Outro marco foi em 2017, quando a associação já atendia 330 alunos e, após 15 anos tentando, finalmente se apresentou no Theatro Municipal de São Paulo.

A instituição se mantém por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas e das apresentações dos alunos, além de recursos de projetos ligados a leis de incentivo à cultura. 

Adaptação à pandemia

As aulas são totalmente gratuitas e além do ballet clássico, há cursos gratuitos de dança de salão, dança contemporânea, dança do ventre, expressão corporal, aulas de canto e de condicionamento físico. Porém, por conta da pandemia, as atividades presenciais estão suspensas e sendo transmitidas por meio das mídias sociais da Associação, WhatsApp e Zoom. Fernanda gravou as aulas com audiodescrição em cada vídeo, que estão disponíveis no canal do YouTube da instituição.

Além disso, toda semana a AFB promove lives com diversos assuntos, como, aulas de ballet, sapateado, dança contemporânea, teatro, alimentação, exercícios respiratórios, pilates, entre outros, para manter alunos, professores, colaboradores e voluntários em contato e, assim, trazer informações para garantir a saúde física e mental de todos. “Está sendo muito bom fazer exercícios em casa, estou me alongando todos os dias. Eu gostei muito de participar da live no instagram, precisamos mostrar ao mundo como superar os obstáculos”, diz a aluna Tainá, 8 anos. 

A Clínica Fisio Bianchini, parceira da Associação Fernanda Bianchini há 15 anos, que também atuava diariamente atendendo os alunos, pais, professores e funcionários da Associação com aulas de pilates, RPG, fisioterapia, microfisioterapia e barras de access agora faz teleatendimentos. As sessões são baseadas na prevenção de lesão, aumento da performance e manutenção das atividades diárias de cada paciente, principalmente nos pacientes com lesão medular ou com paralisia cerebral. Os pacientes com baixa visão e cegos totais também necessitam de acompanhamento frequente para manutenção do equilíbrio, coordenação espacial, além da manutenção do condicionamento físico. Frente ao momento atual por conta do Covid-19, a clínica tem realizado 40 atendimentos semanais e disponibiliza também uma série de vídeos no canal do Youtube com alongamentos e exercícios de fortalecimentos, além de lives diárias no instagram da @fisiobianchini e da @associacaofernandabianchini.

A previsão é que as aulas presenciais da Associação Fernanda Bianchini sejam retomadas somente no ano que vem, assim que a vacina contra o Covid-19 for realidade. Os interessados em participar das turmas, que abrem no início do ano, devem entrar em contato: (11) 5084-8542. Mais informações: https://www.associacaofernandabianchini.org/

Outras fontes:


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Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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