Junho é o mês de conscientização da AFASIA e, anualmente, a Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia se dedica a uma campanha especial. O slogan deste ano é “Afasia: Quebrando o silêncio”, uma vez que há falta de conhecimento da população sobre o assunto. Pensando nisso e nas diversas dúvidas acerca da afasia, a fonoaudióloga Fernanda Papaterra, especialista no assunto e autora de várias obras, entre elas os Manuais Papaterra (livros de exercícios que visam a habilitação e reabilitação da linguagem), responde aos principais questionamentos que recebe frequentemente. Confira:
1) O que é afasia?
É o comprometimento da linguagem devido a uma lesão cerebral.
2) A afasia é uma doença?
Quando ela é secundária a uma outra condição, como um AVC (Acidente Vascular Cerebral), ela não é uma doença, é apenas consequência de uma lesão cerebral. Mas, existe também a Afasia Progressiva Primária (APP) que, sim, é uma doença degenerativa, um tipo de demência.
3) Quantos tipos de afasia existem?
Como mencionei na questão anterior, existe a Afasia Progressiva Primária, que é uma doença degenerativa, e a Afasia secundária a uma lesão cerebral como o AVC, que é bem mais comum do que a primeira. Dentro desta última, vamos encontrar muitos subtipos, dependendo principalmente do local da lesão. A grosso modo, temos a afasia de compreensão (afasia sensitiva ou de Wernick) e afasia de expressão (motora ou de Broca), porém temos ainda outras classificações. Mas, eu vou além e digo que existem tantas afasias quantos afásicos existirem, porque não existem duas pessoas com a mesma linguagem; cada uma tem um cérebro diferente, uma exposição maior ou menor à cultura, uma idade diferente, lesões mais ou menos extensas, etc. Ou seja, são muitas variáveis. Mas é evidente que temos que ter uma classificação e então vários estudiosos propuseram suas classificações: afasia global, afasia de condução, afasia anômica, afasia transcortical motora, sensitiva ou mista.
4) A afasia é pouco conhecida somente no Brasil?
Não. Quando o ator Bruce Willis foi diagnosticado com APP, eu perguntei a conhecidos e familiares que moram na Califórnia se sabiam o que era afasia e ninguém tinha conhecimento sobre o assunto. Em outros países, não sei dizer se ela é mais conhecida pela população. Acredito que também não. O curioso é que diversas outras condições que são mais raras, são mais conhecidas do que a afasia. Por isso, a importância das campanhas de conscientização para que, cada vez mais, as pessoas saibam sobre a afasia.
5) Na sua opinião, por que a afasia é ainda pouco conhecida pela maioria das pessoas no Brasil?
Como mencionei no item anterior, não só no Brasil há este desconhecimento. Sinceramente, não sei responder o porquê. O leigo sabe o que é um AVC, antigamente mais conhecido como derrame, e talvez saiba que este acarreta alguns comprometimentos motores e especificamente o comprometimento da fala. Mas desconhece de modo geral o termo “afasia”. Por isso, a importância da divulgação para o público em geral sobre a realidade vivida por estas pessoas.
6) É verdade que quem não fala bem, não pensa bem?
Não. A pessoa pode estar pensando muito bem e não conseguir falar. Mas é comum as pessoas acharem que se a pessoa não está falando bem, ela também não está pensando bem – o que é um erro grave, pois muitas vezes o paciente acaba sendo subestimado quanto à sua inteligência, sendo que a sua capacidade intelectual não está afetada só porque ela não fala bem. É como se fossemos para um país estrangeiro e por não falarmos a língua local e as pessoas nos tratassem como ‘bobos’. Mas isso não é correto, porque tudo o que a pessoa aprendeu está dentro dela. Às vezes, depois de um acometimento de AVC, é comum a pessoa começar a falar inglês e quando mostramos uma figura para ela, ao invés de nomear em português, ela fala em inglês. Aquilo que a pessoa sabe, continua com ela.
7) Quando o afásico não consegue nomear objetos, gravuras ou dizer nomes próprios, este ‘esquecimento’ é um problema de memória?
Não, não tem nada a ver com memória. A pessoa não consegue nomear porque a palavra não está disponível para ela. Não é um problema de esquecimento; a memória pode estar intacta, e normalmente está. O hipocampo, área responsável pela memória, está intacto e na maior parte das vezes não foi acometido pela lesão. Estou me referindo a casos onde não existe demência e a afasia é consequência de uma lesão cerebral, como por exemplo, um AVC isquêmico ou hemorrágico, ou um traumatismo que afetou aquela parte do cérebro responsável pela linguagem. Ou seja, nada a ver com a memória.
8) Devemos falar mais devagar e mais alto com afásicos?
Não. Apesar de que é importante destacar, dependendo da compreensão do paciente, que devemos simplificar a linguagem, evitando que muitas pessoas falem ao mesmo tempo. Mas em questão de volume de voz, falar mais alto não ajuda em nada e só irrita a pessoa. Por exemplo, se um chinês falar comigo em voz mais alta, não fará diferença, pois não vou entender do mesmo jeito, porque eu não falo o idioma.
Não podemos subestimar a inteligência do afásico e tratá-lo como uma pessoa intelectualmente prejudicada, que não é o caso. Então, nunca devemos falar de forma infantilizada ou explicando demais. Devemos conversar com a pessoa naturalmente.
9) O que a família deve fazer para ajudar na reabilitação?
A primeira coisa é buscar a autonomia da pessoa, se possível, e nunca super protegê-la, fazendo as coisas por ela. A superproteção é prejudicial. É essencial ajudá-la a voltar a ter o papel que tinha na família, incluí-la nas decisões familiares e jamais discutir os problemas de fala em sua presença.
10) Quais dicas você daria aos amigos de um afásico sobre como devem se comportar para não deixá-lo ansioso ou se sentindo desmotivado em uma conversa?
Estas orientações são de grande utilidade para amigos e familiares de um paciente afásico. São extraídas da “Carta Aberta à família de um Adulto Afásico”, de Betty Horwicz, traduzida e adaptada por mim:
– Comunicação é importante para o paciente, e, embora ele não possa falar, deve manter um mundo social. Converse com ele, simples e naturalmente. Encoraje-o a responder, se possível, e quando ele puder. Isto pode prevenir a tendência natural de se tornar cada vez mais deprimido. Estimulação direta e tentativas contínuas de comunicação são extremamente importantes para o paciente.
– Tente não demonstrar sua inquietude com respeito à fala do paciente, quer seja por palavras ou expressões faciais.
– Nunca, em nenhuma circunstância, ponha o paciente em “exibição” ou force-o a falar. Observações como “Diga isto para eles verem” aborrecem e embaraçam o paciente.
– Não insista para que o paciente dê respostas perfeitas, “pronuncie corretamente” ou “fale direito”. (Não há nada que o paciente deseje tanto quando poder “falar direito”!). Suas bem intencionadas observações irão certamente tornar o paciente tenso e então tudo se tornará mais difícil.
– Não fale com o paciente como ele fosse uma criança, ou surdo, ou retardado. Apenas simplifique sua mensagem. Trate-o como o adulto que é.
– Nunca discuta as reações emocionais do paciente e seus problemas em sua presença.
– Trate-o da mesma maneira com que você fazia anteriormente.
– Não confunda o paciente com falso otimismo ou palavras como “você ficará bom logo… Você voltará e trabalhará dentro de pouco tempo”. Se precisar consolá-lo, use expressões como: – “Eu sei como é difícil para você” ou “Você tem a palavra na cabeça, mas não pode dizê-la”, ou então aponte o progresso que ele tem feito.
– Por meio de suas maneiras, paciência e atitude de aceitação, crie um ar de relaxamento para o paciente.
– Algumas vezes será impossível entender o que o paciente está tentando explicar. Nestas ocasiões, tente sutilmente mudar o assunto e diga: – “Vamos esquecer isto agora e voltar mais tarde. As palavras provavelmente virão quando você não estiver tentando tanto”.
– Não responda pelo paciente se ele é capaz de fazê-lo sozinho.
11) Podemos usar uma cartilha para reabilitar a leitura e a escrita do afásico?
Não, muito embora, às vezes, tenhamos que recomeçar do básico. Porém o papel do terapeuta não é o de um professor. Ele não vai ensinar o paciente a ler e a escrever. O afásico vai ser estimulado a reconhecer aquilo que ele já sabe. A pessoa já foi alfabetizada, ela só perdeu a conexão. Embora tenhamos que começar, às vezes, com o reconhecimento de letras e palavras, minha orientação é nunca utilizar uma cartilha, que é um material de natureza infantil. Nenhum adulto gosta de ser tratado como criança!
12) Existe ex-afásico?
Sim! Dependendo do local e extensão da lesão, idade e motivação do paciente, há pessoas que recuperam totalmente a linguagem, passando, portanto, a ser ex-afásicos.
A fonoaudióloga Fernanda Papaterra é também a fundadora da Associação “Ser em Cena – Teatro de Afásicos”, institucionalizada em 2004 como uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que tem como objetivo utilizar as técnicas teatrais na reabilitação de pessoas com afasia. Confira a matéria que fizemos sobre a instituição aqui.
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Site: https://www.fernandapapaterra.com.br/