
Tecnologia Assistiva (TA) é o termo usado para identificar todo o arsenal de recursos, práticas e serviços que tem como objetivo melhorar a funcionalidade de pessoas com deficiência, de modo a proporcioná-las maior independência, autonomia, inclusão e, portanto, qualidade de vida.
Os recursos de tecnologia assistiva são classificados em dois grupos: baixa e alta tecnologia: “Trata-se de uma classificação quase que rotineira para poder distinguir aqueles materiais que requerem tanto o uso com sistemas mais informatizados daqueles que podem ser implementados de uma maneira mais direta e simples. No entanto, já há críticas em relação a essa classificação, porque as pessoas acreditam que alta tecnologia é necessariamente atrelada ao custo do dispositivo, mas não necessariamente. Tendo em vista que hoje o acesso a computadores e tablets é maior, considerando que há um tempo eram equipamentos muito mais custosos monetariamente, eu considero mais do que o custo em si, pois a alta tecnologia exige um maior cuidado no processo de treinamento para o uso, além de, muitas vezes, também requerer algumas competências do usuário para poder usar o sistema. Ou seja, vai além de um passo a passo, pois os recursos de alta tecnologia nem sempre são intuitivos e diretos para realizar uma atividade como os de baixa tecnologia”, explica a terapeuta ocupacional Gerusa Ferreira Lourenço, Doutora em Educação Especial e docente do departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
A Comunicação Alternativa é uma área da TA e visa disponibilizar alternativas e recursos para pessoas com necessidades complexas de comunicação (NCC). (Leia mais sobre CA na matéria que fizemos aqui). “É imprescindível falarmos o quanto a Comunicação Alternativa oferta oportunidades para que essa pessoa possa participar mais ativamente das tomadas de decisão da sua própria vida, na interação com seus pares para que possa ter e viver mais plenamente o que acontece ao seu redor, em seu ambiente. Infelizmente, ainda há mitos acerca da CA que falam erroneamente sobre um prejuízo na fala, pois acredita-se que há uma acomodação de que se aquela pessoa utilizar determinada forma para se comunicar, será em detrimento de outra. Temos muitas evidências que comprovam exatamente o contrário: introduzir sistemas de Comunicação Alternativa quando ainda há possibilidade de uma organização de linguagem oral, potencializará que a comunicação seja estruturada. Então, na minha opinião, infelizmente, a maior resistência existe por conta desses grandes mitos, mesmo com tantos materiais interessantes divulgados pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, pelo canal ComunicaTea Pais e pela ISAAC – Brasil, que discorrem sobre o quanto que nós, como profissionais, temos que combatê-los”, explica Gerusa.
Evolução da Tecnologia Assistiva
O conceito Assistive Technology, traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva, foi criado em 1988 nos EUA como importante elemento jurídico dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407. Foi renovado em 1998 como Assistive Technology Act de 1998 (P.L. 105-394, S.2432). Compõe, com outras leis, o ADA – American with Disabilities Act, que regula os direitos dos cidadãos com deficiência nos EUA, além de prover a base legal dos fundos públicos para compra dos recursos que estes necessitam.
No Brasil, o conceito de Tecnologia Assistiva surgiu legalmente em 2015, com a publicação da Lei nº 13.146 (6/07/2015), Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Assim, ao entender a Tecnologia Assistiva como um direito, passou a ser imprescindível a TA ser entendida/viabilizada como soluções tecnológicas personalizadas, respeitando o biotipo, a deficiência e as limitações funcionais de cada pessoa para permitir aos seus usuários acesso à educação, trabalho, lazer, esporte e significativos resultados sob o ponto de vista de saúde e bem-estar.
Por ser um grande desafio às políticas públicas brasileiras, tanto sob o ponto de vista do desenvolvimento, da oferta e do acesso às tecnologias, houve a necessidade da elaboração do Plano Nacional de Tecnologia Assistiva (PNTA): por meio da publicação do Decreto nº 10.645, de 11 de março de 2021, que norteará o Estado brasileiro em suas ações para os próximos 4 anos. Esse Decreto estabelece ainda que o Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva (CITA) apresente proposta de Plano Nacional de Tecnologia Assistiva ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
“A Tecnologia Assistiva, quando comparada com seu percurso principalmente há uma década, ou mesmo no início dos anos 2000, está em um momento muito mais favorável acerca do conhecimento produzido sobre essa área, além do maior acesso da informação sobre os seus dispositivos. É também interessante observar o crescente número de pesquisadores, profissionais e também de mais famílias envolvidas na questão para a elaboração de equipamentos cada vez mais eficientes. Mas, ainda temos um passo importante em relação ao acesso real desses usuários aos dispositivos finais e, para isso, precisamos de um incremento nos processos de dispensação, de políticas públicas que favoreçam a ampliação e a garantia de que o usuário terá acesso ao que ele precisa quanto aos dispositivos que contribuirão para a sua autonomia”, observa a especialista.
Escolha do recurso de tecnologia assistiva
A escolha do melhor recurso de tecnologia assistiva, seja de baixa ou alta, é feita de acordo com a análise do terapeuta ocupacional (TO), profissional mais indicado para fazer análises importantes do contexto de vida do sujeito, seus repertórios, suas atividades diárias e seu engajamento ocupacional, além de organizar ferramentas para promover uma maior participação do indivíduo na sociedade. “E, tanto a TA, quanto a comunicação alternativa são áreas interdisciplinares e é preciso parceria entre os profissionais para podermos dar conta de tudo que está envolvido em um processo de implementação bem-sucedido, como fonoaudiólogos, fisioterapeutas, professores, profissionais da educação especial, engenheiros e designers, que são responsáveis pelo desenvolvimento dos recursos, entre outros. Ou seja, todos que estão envolvidos em prol de uma melhor participação do indivíduo na sociedade devem ser chamados para trabalhar e pensar juntos nesse processo da escolha dos melhores dispositivos. E, em hipótese alguma, a participação do próprio usuário e de sua família deve ser ignorada na tomada de decisão”, esclarece a especialista.
Gerusa explica ainda sobre o processo de predisposição ao uso dos dispositivos: “quando pensamos em recursos de Tecnologia Assistiva, podemos seguir alguns modelos, inclusive teóricos e descritos na literatura, para organizar o raciocínio para o melhor uso do recurso, como analisar como é que está organizado o ambiente de convivência do usuário com seus familiares: quais são as suas expectativas e as da família, quais são as demandas e obstáculos que encontram em cada ambiente. Ou seja, de uma maneira geral, os modelos nos orientam a sempre levar em consideração essas variáveis em relação ao usuário, que precisa ser mais participativo e ganhar autonomia nas suas próprias atividades. E em diversos contextos, como na escola, no trabalho, no lazer e na comunidade. A partir de toda essa análise é que pensamos em uma primeira orientação. Além disso, é imprescindível acompanharmos o usuário de perto, aplicando as etapas de treino e mantendo as reavaliações constantes para checar o seu nível de satisfação em relação aos objetivos que o recurso de TA está atingindo, dentro das suas expectativas”.
A especialista aborda ainda as mudanças nos tratamentos de reabilitação que são proporcionadas pelos recursos de TA/CAA. “No meu ponto de vista, pensar em recursos de tecnologia assistiva e de comunicação alternativa é direcionar para o alvo final do que queremos com aquele usuário em seu processo de reabilitação: deixá-lo mais eficiente e satisfeito com a sua autonomia e o seu engajamento ocupacional. Então eu acredito e emprego isso diariamente na minha atividade tanto docente, quanto diretamente com os usuários e com as famílias em atendimentos, de que nós não podemos nos eximir, enquanto profissionais da área da reabilitação, de pensar, sim, em dispositivos de tecnologia assistiva e de comunicação alternativa, porque queremos essa pessoa mais ativa, mais protagonista das suas ações cotidianas”, ressalta.
Desafios do uso de recursos de TA
“Durante a escolha do recurso de TA, infelizmente observamos processos de prescrição e treinamento nos quais detalhes importantes não são considerados, como, por exemplo, excluir o usuário da tomada de decisão do recurso e se até mesmo ele quer utilizá-lo. Ou, ainda, não considerar se a família conseguirá incluir o dispositivo no seu dia a dia, em que fase do seu processo de retomada ou de ganho de autonomia o usuário se encontra para poder aderir ao recurso, entre outros. Ou seja: são possíveis complicadores que precisam ser pensados em tecnologia assistiva, além de haver a necessidade de melhorar a formação de profissionais envolvidos com essa área e no atendimento a essas pessoas em relação a tais intervenções”, pontua Gerusa.
De acordo com a especialista, uma prescrição falha, que não contempla os fatores envolvidos em relação aos dispositivos de TA, prejudica a adaptação do usuário à Comunicação Alternativa, corroborando para a existência de alguns mitos de que não é funcional. “Para uma aplicação de recursos de CA, é fundamental considerar seus interlocutores, os parceiros de comunicação, que auxiliarão a pessoa no processo de uso daquele sistema, além de se checar se é o mais adequado para as atividades que realiza ou para o momento do desenvolvimento em que se encontra. Por isso, sabemos que, quando não funciona, é porque todo o processo de escolha do recurso de CA e sua implementação podem não ter sido bem cuidados pelos profissionais envolvidos”.
A quem não acredita na funcionalidade da Comunicação Alternativa, a docente orienta buscar profissionais que tenham formação na área ou que trabalhem diretamente com a CA. “A ISAAC – Brasil é uma fonte importante de conhecimento dos benefícios da Comunicação Alternativa. É preciso que as pessoas estejam abertas a olhar novamente para tais recursos de tecnologia assistiva, por mais que determinado sistema de comunicação alternativa não tenha sido o mais bem sucedido por um momento. Mas, é preciso levar em consideração que existem muitas outras formas e ferramentas que servem para essas pessoas e famílias. Por isso, que estejam abertos a repensar outros sistemas de CA, que também podem ser utilizados para melhorar a qualidade de vida do usuário”, diz a especialista.
Gerusa diz ainda ser bastante positivo quando as famílias procuram baixar da internet os recursos de baixa tecnologia, como as pranchas de comunicação, que estão disponíveis gratuitamente na rede: “A internet e os grupos de apoio têm contribuído muito para favorecer o acesso de pessoas com necessidades complexas de comunicação à CA. Acredito que o ideal é que essas famílias busquem profissionais da área (como fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais) para potencializar ainda mais o esforço da família na busca por materiais para permitir que um filho, por exemplo, possa expressar suas vontades, desejos e sentimentos. É com essa direção profissional, auxiliando famílias e pessoas interessadas na Comunicação Alternativa, que nós queremos e precisamos cada vez mais estimular para que os sistemas de CA sejam aproveitados ao máximo e transforme a vida desses usuários”, pondera a docente.
Ela completa: “Para encerrar, a mensagem que eu quero levar pra essas famílias é que elas tirem suas dúvidas sobre a CA e tecnologia assistiva, que são áreas muito bem já descritas e nós temos muita produção de conhecimento e evidências de todos os benefícios que os recursos de tecnologia assistiva trazem para o cotidiano das pessoas. Temos impactos extremamente valorosos na qualidade de vida do usuário, da criança, do idoso, independentemente da idade, como também de seus familiares. Por isso, se existem ferramentas que podem favorecer a participação e autonomia das pessoas com NCC, as famílias devem buscar profissionais e estarem abertas para conversar sobre a CA, considerando o objetivo final, que é sempre melhorar a qualidade da família como um todo. E, principalmente, que a pessoa com deficiência possa viver o mais plenamente possível”, finaliza.
*Gerusa Ferreira Lourenço é Terapeuta Ocupacional, Doutora em Educação Especial e docente do departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Fontes:
https://www.gov.br/participamaisbrasil/pnta
https://www.isaacbrasil.org.br/uploads/9/7/5/4/97548634/cartilhacaafinalsab.pdf