
O PL 2.136/2020, que trata sobre o direito de todos às videochamadas de familiares a pacientes internados em UTIs, enfermarias e apartamentos hospitalares, já está em vigor, agora como Lei Ana Claudia Arantes.
“A Lei Ana Claudia Arantes é dignidade à beira do leito e para que tenhamos a garantia ao direito das visitas virtuais por todo nosso país é preciso que haja divulgação e ferramentas de acesso nos hospitais para que os pacientes e seus familiares consigam expressar o que a lei ressalta, assim como o que foi amplamente defendido pela Dra. Ana Claudia Arantes, que esteve à frente da luta pela aprovação do PL com a campanha “Preciso dizer que te amo” (leia tudo sobre a campanha clicando aqui). O uso da alta tecnologia como tablet, celular e outros recursos à beira do leito garante a comunicação quando o paciente tem ausência temporária ou permanente da fala. Esses são recursos da área da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA)** e a garantia da lei oferece oportunidade fundamental a esse público e vejo como grande acesso para aquele paciente que já chega para uma internação hospitalar com ausência ou dificuldade de comunicação desde alteração motora oral até questões culturais linguísticas. Essa garantia das videochamadas certamente é uma grande conquista para os pacientes com necessidades complexas de comunicação que fazem uso da Comunicação Suplementar e Alternativa”, explica Natálie Iani Goldoni*, fonoaudióloga e docente nas áreas da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) e Cuidados Paliativos (Secretária do Comitê de Fonoaudiologia na Diretoria Nacional da ANCP).
A especialista ressalta que a CSA deve ser utilizada em todos os casos de pacientes em que houver uma dificuldade de comunicação, seja por algum problema, tanto momentâneo por conta do tratamento hospitalar que estiver sendo aplicado ou em decorrência de alguma deficiência. Por isso, de acordo com ela, o uso da comunicação alternativa é de suma importância no caso das videochamadas e, ao longo desse período de pandemia, a especialista tem recebido inúmeras solicitações de profissionais de saúde, não apenas fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, como, também, psicólogos e assistentes sociais sobre como utilizá-la no contexto das UTIs nas visitas virtuais. “Sabemos o quanto a CSA é benéfica aos pacientes impossibilitados de falar ao permitir a sua comunicação a beira leito. Neste período de pandemia, recebi também solicitações de psicólogos e assistentes sociais que relataram que os pacientes com problemas na comunicação precisavam tratar de questões, por exemplo, de ordem trabalhista e que estavam causando angústias a ele: se o chefe tinha sido avisado de sua condição e o que tinha sido comunicado a ele, se havia sido entregue o afastamento médico por conta da internação. Por isso, a assistência social acabava utilizando a vídeo chamada para acalmá-lo ao se comunicar com sua família, o que acabava trazendo conforto quanto às questões inerentes à dor social assim como o psicólogo auxiliava na dor psíquica e espiritual tão potencializada por conta do enfrentamento à Covid-19. Alguns profissionais me relataram angústia quanto a como acessar as questões em torno da finitude e luto a beira leito com quem não fala, esses elementos são parte das questões espirituais e que pode e deve ser trazida nas pranchas de comunicação, dos quais eu orientava o uso o que acabava constituindo situações de famílias que fizeram oração a distância junto com o paciente, outras se despediram, outras trouxeram mensagens de conforto. Acredito que as pesquisas científicas sobre os benefícios da CSA nas videochamadas vão ser essenciais, mas não tenho dúvida pela minha vivência nesse período da pandemia em dizer que os pacientes com problemas na fala têm muitos benefícios com o recurso da comunicação alternativa nas visitas virtuais”, diz
Outro ponto importante, de acordo com a especialista, é que a possibilidade de se comunicar por videochamada com o auxílio da CSA quando necessário promove afeto e o conecta ao mundo fora do ambiente apenas hospitalar, o que pode acelerar a sua recuperação. “Acredito que a videochamada com a comunicação alternativa permite o paciente se conectar com aquilo que é sagrado, que é importante a ele: poder se expressar e se comunicar, além de aproximá-lo da realidade de fora do hospital, não deixando-o enclausurado, como se fosse um encarceramento a sua hospitalização. Ou seja, ele ter contato com seus familiares, receber afeto e apoio, saber o que acontece no mundo, ter autonomia em relação às suas preocupações – tudo isso traz muitos benefícios emocionais, pois sabemos que a comunicação alternativa à beira leito reduz muito o nível de estresse, depressão, melhora quadros de delírio, entre outras questões importantes, porque a comunicação do paciente é fundamental para evitar vários agravos de sofrimento e adoecimento”.
Exatamente por todos esses aspectos de um atendimento mais humanizado, que é proporcionado pelas videochamadas nas UTIs, é que Natálie ressalta que a aprovação da lei Ana Claudia Arantes é uma vitória da sociedade: “é um ganho de cunho social para todos nós que, em algum momento, podemos estar hospitalizados ou ter um familiar nessa condição. Em relação à CSA , apesar de já ser uma prática do fonoaudiólogo em muitos hospitais em atuar na área da linguagem no ambiente hospitalar, há ainda muitos profissionais da área da saúde que estão buscando conhecer mais a fundo sobre a comunicação alternativa para poder se comunicar com seus pacientes. Por isso, a capacitação por meio dos cursos é fundamental para que o profissional de saúde tenha condições de conseguir acesso à comunicação do seu paciente, considerando todas as suas dimensões e criando estratégias e recursos para viabilizá-la. É como dizia Saramago: “Não tenhamos pressa, mas também não percamos tempo”. Por isso, o trabalho em equipe é importante, o fonoaudiólogo é o profissional da área da linguagem, caso tenha formação e busque se aprofundar nos conhecimentos da área é grande interlocutor da comunicação a beira leito, inclusive hoje no Brasil temos um Comitê de Comunicação Alternativa pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia liderado pela Dra Débora Deliberato com muitos subcomitês importantes para divulgar e construir pesquisas e formação na área, dentre esses subcomitês temos o de Comunicação Alternativa Hospitalar e Cuidados Paliativos, onde procuramos discutir, divulgar e pensar estratégias em pesquisa para acessar o fonoaudiólogo a se reconhecer como profissional da linguagem no que tange o melhor sistema de comunicação alternativa. Assim podendo dialogar com o terapeuta ocupacional, engenheiro e tecnólogos da alta tecnologia, entre outros profissionais para viabilizar com eficácia, ou seja, segurança de um bom resultado aos pacientes em sua comunicação, por isso, a importância do conhecimento ampliado na área da saúde sobre a CSA”.
A especialista indica a participação em diálogos com membros da equipe e colegas de várias áreas do hospital para que a CSA seja aplicada de forma eficiente, além das especializações que ela diz ser necessárias a todos que lidam com pacientes com necessidades complexas de comunicação em UTIs. “O que falta é formação dos profissionais a respeito do uso da CSA nos setores hospitalares, dos que estão à beira leito das UTIs, assim como dos que estão no cuidado paliativo, seja em contexto ambulatorial, internação, domiciliar. Pois, quando falamos em comunicação alternativa para pessoas com ausência temporária ou permanente da fala, o que observo é uma grande dificuldade dos profissionais da saúde em saber lidar com a comunicação, em como iniciar ou mesmo acessar a comunicação do paciente. Existe um grande receio por parte do profissional de saúde em se aproximar desse paciente que não fala, restringindo a comunicação com quem está ao lado. Nesse sentido, vejo a videochamada como uma oportunidade desse profissional de saúde se aproximar da dor daquele que não está falando ou que não está sendo compreendido. É uma urgência o profissional de saúde entender que não é porque o paciente não fala que ele não sente dor, e essa dor envolve dimensões complexas podendo ser física, mas também psíquica, social, espiritual, familiar. A prancha de comunicação será uma alternativa, uma possibilidade de alívio ao sofrimento, na reciprocidade da comunicação por vídeo: a família me vê e pode dizer que me ama, mas eu que não falo, transmito com o olhar, com o gesto, com a expressão e isso já é valioso, mas se houver algo concreto, seja apontando imagens, escrevendo, saindo voz em um equipamento de tecnologia que transforma o que eu sinto em palavras, talvez assim eu serei mais vivo? Sim. Por isso meu propósito em essência é esse”.
Natálie indica os cursos da Casa do Cuidar, uma organização social sem fins lucrativos, criada com o objetivo de trabalho multiprofissional compartilhado na prática e no ensino de cuidados paliativos. Acesse: https://www.casadocuidar.org.br/cursos/
A especialista participa também de grupos de trabalho e é vice-coordenadora de um Subcomitê de comunicação alternativa hospitalar e cuidados paliativos, onde são discutidas questões e estratégias de como ampliar os principais temas da fonoaudiologia no Brasil. O grupo faz parte, por sua vez, do Comitê de Comunicação Alternativa da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, liderado pela professora Débora Deliberato, fonoaudióloga e membro do Comitê Científico da ISAAC-Brasil.

*Natálie Iani Goldoni é Fonoaudióloga, Crefono 4, Doutoranda com ênfase na Área da Comunicação Alternativa- UNESP campus Marília, é pesquisadora colaboradora em projetos de extensão pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- Amargosa-BA. É paliativista pelo Instituto Pallium Latinoamérica, Secretária e Membro Ativo do Comitê de Fonoaudiologia na Diretoria Nacional da Agência Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP); Docente/Tutora na área da Comunicação Alternativa em Cuidados Paliativos na Casa do Cuidar- SP.
**Nota: Há variações em relação à Comunicação Alternativa. Em algumas regiões, pesquisadores e profissionais utilizam CAA (Comunicação Alternativa e Ampliada), em outras, o termo mais usado é CSA (Comunicação Suplementar Alternativa). Por isso, consideramos todas as variações corretas.