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Outubro mês da Comunicação Alternativa

O que você deve saber para garantir o direito humano de COMUNICAR

Foto de uma criança com a mãe em um parque, e está em close um tablet de Comunicação Alternativa qe a mãe está segurando, onde a criança aponta uma figura

Você sabia que muitas pessoas enfrentam necessidades complexas de comunicação (NCC)? Que são dificuldades na compreensão, elaboração do pensamento e/ou na expressão que geram limitação ou ausência da fala. Isso ocorre em decorrência de situações adquiridas como um AVC ou doenças neurodegenerativas no caso de adultos ou de deficiências congênitas (desde o nascimento) como as sensoriais, motoras ou múltiplas. É justamente nesse contexto que a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) se torna essencial para garantir o direito humano de se comunicar. Trata-se de um conjunto de estratégias e recursos que apoiam e garantem a fala quando ela não é suficiente ou está ausente através de sistemas robustos de comunicação em livros ou tecnologia.

Foto da fonoaudiologa Natalia sorrindo, segurando um tablet de Comunicação Alternativa e usando um colar de CAA

“O uso de uma comunicação simbólica como a CAA auxilia a pessoa na compreensão e expressão da linguagem e deve ser garantido o quanto antes para favorecer e dar suporte à fala/comunicação. O maior benefício da CAA é possibilitar que a pessoa consiga expressar sentimentos, tomar decisões, ter mais autonomia no dia a dia, interagir com os outros e  inclusive ter acesso à tecnologia como as redes sociais e o ambiente digital. Afinal, a comunicação é um direito de todo ser humano, e ela vai muito além da fala”, salienta a fonoaudióloga Nathalia Bertollotto, especialista em CAA e em tecnologia assistiva, à frente da clínica CAAIS (Comunicação Autônoma e Acessível & Integração Sensorial), em Florianópolis.

Mês de conscientização da CAA

“O Mês da CAA é uma oportunidade de dar voz a quem, muitas vezes, foi silenciado pelo preconceito ou pela falta de recursos adequados. É ainda o momento para nos lembrar que poder se comunicar e se expressar é também existir e se constituir enquanto pessoa. Por isso, quando  é garantido o direito de cada pessoa de se expressar  à sua maneira, estamos construindo uma sociedade mais justa, mais inclusiva e, principalmente, mais interativa”, destaca a especialista.

Para contribuir com a disseminação da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) e, sobretudo, esclarecer conceitos que costumam gerar dúvidas em famílias que estão tendo o primeiro contato com esse universo – muitas vezes após o diagnóstico recente de um filho com deficiência – a fonoaudióloga Nathalia preparou uma explicação com os principais pontos sobre a CAA. O objetivo é tornar a compreensão mais simples e acessível para todos. Confira:

Por que os termos “aumentativa” e “alternativa”?

Aumentativa → quando a pessoa já consegue se comunicar um pouco pela fala, mas precisa de recursos extras para complementar ou aumentar a fala/comunicação. É um SUPLEMENTO que pode ser através de símbolos, escrita, vocalizando ou lendo as mensagens.
Alternativa → quando a fala não está presente ou não é funcional, então esses recursos substituem a fala e garantem a comunicação através de livros (o parceiro de comunicação entende e fala) ou tecnologia com voz sintetizada (o tablet ou ipad fala conforme a pessoa escolhe as palavras.

Para quem é indicada a CAA?

Para pessoas que, por diferentes motivos (deficiência intelectual, paralisia cerebral, autismo, deficiência auditiva, doenças neurológicas, entre outros), encontram barreiras na comunicação, tanto na compreensão e/ou expressão e precisam de outros meios para interagir com o mundo.

Qual o objetivo?

Garantir que a pessoa seja ouvida, compreendida e participe da vida social, podendo expressar vontades, sentimentos, opiniões e conhecimentos. Para além da comunicação, os símbolos auxiliam na compreensão e sequenciamento das atividades diárias, podendo auxiliar também na atividade e participação da pessoa em sua vida, autocuidado, autodeterminação e autodefesa.

Nem todo mundo fala, mas todo mundo comunica.

Um ponto essencial da CAA é derrubar a ideia de que a fala é a única forma válida de comunicação. Pessoas não falantes podem se expressar por meio de símbolos, pranchas, tablets, expressões faciais ou até movimentos oculares. Validar outras formas de comunicar é entender que existem diversos MODOS  de linguagem, ou seja, a multimodalidade garante mais sentido e significado dentro da diversidade.

Como funciona na prática?

A CAA deve ser personalizada para cada pessoa e ao ser inserida em sua vida, os parceiros de comunicação (pessoas que interagem com pessoas com NCC) devem exemplificar o uso dos símbolos, mostrar onde estão suas necessidades, preferências etc. A CAA não é fast-food, a pessoa necessita de um tempo de aprendizado para usar de forma funcional. No caso de adolescentes ou adultos, sem dificuldade de compreensão e alfabetizados, o uso pode ser mais rápido, principalmente através do teclado/escrita.

Parceiros de comunicação

São pessoas como familiares, amigos, professores ou terapeutas que aprendem e usam as ferramentas e técnicas de CAA para auxiliar o indivíduo a se expressar e construir sentido em suas interações. Eles oferecem tempo, escuta e adaptações para promover um diálogo significativo, tornando-se personagens cruciais para a implementação efetiva do sistema de CAA e para a inclusão do usuário. Essas pessoas devem ser orientadas por especialistas da CAA para saberem como usar o recurso, quais os principais objetivos para uso funcional e como garantir acessibilidade e uma comunicação autônoma do sujeito.

Tipos de recursos de CAA

Na Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), os recursos podem ser classificados como de baixa, média ou alta tecnologia:
Baixa tecnologia em CAA  – São recursos simples, que não dependem de eletrônicos, bateria ou softwares para funcionar. Costumam ser de fácil acesso, baixo custo e grande utilidade no dia a dia. Exemplos de baixa tecnologia em CAA:
Pranchas de comunicação com figuras, símbolos ou palavras escritas.
Cartões de comunicação (podem trazer imagens, letras ou frases).
Alfabeto impresso para a pessoa apontar letras.
Cadernos ou pastas de comunicação com símbolos organizados por categorias. Como os Livros PODD e Flipbook.
Gestos e sinais manuais (quando usados como recurso complementar à fala).

Média tecnologia em CAA – Pouca gente fala da média tecnologia em CAA, mas ela existe como uma espécie de “meio termo” entre a baixa e a alta tecnologia. São os recursos que dependem de algum tipo de energia (como pilhas ou baterias) e oferecem funções mais avançadas do que a baixa tecnologia, mas não chegam ao nível dos dispositivos computadorizados de alta tecnologia. Ou seja, são dispositivos eletrônicos simples, mas que não têm telas digitais complexas, softwares sofisticados ou acesso à internet. Exemplos de média tecnologia em CAA:
Botões ou acionadores com gravação de voz: a pessoa pressiona e o dispositivo fala a mensagem gravada.
Pranchas eletrônicas simples, que reproduzem sons ou frases pré-gravadas ao apertar um botão correspondente.
Sequenciadores de voz, em que o usuário pode gravar várias mensagens e reproduzi-las em ordem.
Aparelhos de fala de múltiplas escolhas, que permitem selecionar entre algumas opções pré-programadas.

Alta tecnologia em CAA – Refere-se a recursos de comunicação que utilizam dispositivos eletrônicos avançados, geralmente com tela digital, softwares e sintetizadores de voz. Eles permitem uma comunicação mais personalizada e autônoma, e confere infinitas possibilidades de adaptação. Exemplos de alta tecnologia em CAA:
Tablets ou celulares com aplicativos de comunicação.
Computadores com softwares especializados em CAA.
Dispositivos dedicados de CAA (que têm como única função gerar fala por meio de seleção de símbolos, escrita ou digitalização).
Sistemas com acesso por diferentes formas de seleção, como: toque direto na tela, teclados virtuais e pelo olhar (eye-tracking), comandos por cabeça (mouse de cabeça) ou outros acionadores.

Funções comunicativas – são os diferentes motivos que nos levam a interagir com o mundo. Podemos, por exemplo, pedir algo, recusar, chamar atenção, barganhar, expressar opinião, comentar ou fazer perguntas. Na CAA, é essencial ampliar todas essas possibilidades de expressão, garantindo que a pessoa não se comunique apenas para pedir coisas, mas também para compartilhar sentimentos, opiniões, ideias e experiências. A partir das funções comunicativas (pragmática) é que podemos ter uma comunicação funcional – o que não necessariamente é através de muitas palavras.

Sistemas robustos – são sistemas de comunicação organizados de forma estruturada, geralmente por cores e categorias, que reúnem um vocabulário amplo para possibilitar a comunicação em qualquer momento e contexto. Eles contemplam diferentes funções comunicativas e oferecem liberdade de expressão, incluindo recursos como o teclado. Um sistema robusto deve ser dinâmico e expansível, crescendo junto com o aprendiz e acompanhando seu desenvolvimento, de modo a garantir uma comunicação eficaz ao longo da vida. Exemplos: PODD, abordagem core words, LAMP.

Pragmática: é o uso funcional da linguagem através das funções de comunicação nos contextos de interação social. Em outras palavras, diz respeito a como a pessoa utiliza a comunicação no dia a dia para se relacionar com os outros, expressar suas necessidades, compartilhar ideias, sentimentos e dar significado ao seu mundo interno. Na CAA, mais do que oferecer símbolos, recursos ou tecnologias, o objetivo é possibilitar que a pessoa realmente use a comunicação de forma efetiva e significativa, ampliando sua autonomia, fortalecendo vínculos e garantindo sua participação social.

Sintaxe – é a organização das palavras com base  na concordância e ordem que as interligam, estruturando a comunicação. A ideia é que com a CAA, a criança consiga ir construindo mensagens mais completas e com concordância e ordem. A sintaxe se desenvolve quando, após ampliar o vocabulário e as funções de comunicação, compreendemos o poder gerador da linguagem e o usamos em nosso próprio benefício – combinamos palavras de forma original e autônoma.

Varredura – é uma forma de selecionar símbolos sem usar os dedos, comum em pessoas com mobilidade reduzida. É como ler um cardápio e quando chega no que a pessoa quer ela dá uma resposta (com o corpo, com os olhos ou acionando um botão). Por exemplo: na baixa tecnologia, o parceiro de comunicação faz a varredura em uma prancha de comunicação e aguarda a confirmação, seja por meio de um movimento de cabeça, um piscar de olhos, entre outros. Na alta tecnologia, o sistema faz uma varredura automática e o aprendiz usa um botão ou sensor de movimento para selecionar o que deseja em uma tela de computador, por exemplo.

Acesso/acessibilidade – é quebrar as barreiras para o uso e buscar formas acessíveis de garantir a autonomia comunicativa. Por exemplo: a comunicação autônoma nem sempre é independente. Porém, o acesso e a acessibilidade são suportados pelo ambiente e pelas pessoas. Assim, sabemos que o ambiente pode ser facilitador ou barreira para práticas acessíveis. Considerar as diferenças e a diversidade de ser e sentir no mundo é o caminho para a construção de uma sociedade que considera a todos e não segrega ou distingue pelas diferenças. Ex: se o ambiente tem rampas, ele é acessível (facilitador), se ele só tem escadas ele é barreira para o acesso de todos. Se há tradutores de libras em um evento, ele é acessível (facilitador), se não tem, ele é barreira para a compreensão de todas as pessoas.

Comunicação Autônoma e Acessível – é um termo cunhado pela Ma. Nathalia Bertollotto que visa se tornar mais abrangente e relevante para garantir autonomia e acessibilidade às pessoas com NCC. Para além de aumentativa ou alternativa, a comunicação autônoma se refere à algo crítico – que a origem das mensagens (pensamento, motivo, função e ação da comunicação) tenha origem na pessoa que enuncia/fala. Assim, falar por um comunicador, não é reproduzir mensagens prontas a partir dos modelos dos parceiros de comunicação. Por não se exigir uma resposta imediata do sujeito, os modelos servem para dar repertório para mensagens originais e criativas de seus aprendizes. Quando a pessoa compreende o poder gerador da linguagem e traz, a partir do comunicador, algo novo, inusitado, que ninguém imaginava ou sabia, estamos no caminho da comunicação autônoma. E se o sistema é acessível, ele foi pensado e personalizado conforme as necessidades individuais de cada pessoa. Não importa o grau, tipo, ou limitação da pessoa com NCC, sempre é possível se comunicar e ter um recurso que atende às suas necessidades e resolva seus desafios comunicativos. Com acesso, disciplina e presumindo competência, colheremos os frutos que são pessoas autônomas, não necessariamente independentes, mas autodeterminadas.

Assim, a CAA garante não apenas comunicação, mas também cidadania e dignidade. “Por isso, o Mês da CAA é uma oportunidade de dar voz a quem, muitas vezes, foi silenciado pelo preconceito ou pela falta de recursos adequados. É também um chamado para que famílias, profissionais e comunidades se unam em prol de uma comunicação verdadeiramente acessível. Mais do que celebrar, outubro é sobre agir: aprender, compartilhar, sensibilizar e transformar a realidade”, destaca a fonoaudióloga Nathalia Bertolotto. Ela atende na CAIS e também presta consultoria a prefeituras e empresas que queiram implementar a cultura da inclusão em seus estabelecimentos. Na ilha de Florianópolis, a especialista promove vivências imersivas em que criança e natureza se conectam, criando caminhos únicos para a inclusão e a comunicação.

Saiba mais:

https://www.instagram.com/fono.nata

https://www.instagram.com/caa.is

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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