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Jovem fala sobre a importância da resiliência e da fé para lidar com a Esclerose Múltipla

Foto de um médico examinando uma ressonância do cérebro de um paciente com Esclerose Múltipla

O diagnóstico de esclerose múltipla (EM), confirmado há sete anos, tem feito com que Emerson Bastos Marques motive as pessoas em relação à determinação, resiliência, força e vontade de viver. Motorista de aplicativo, o jovem compartilha com os passageiros a sua história de luta e, principalmente, sobre a valorização da vida. 

A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica que afeta o sistema nervoso central (SNC) e é caracterizada por danos à bainha de mielina, que reveste as fibras nervosas. Trata-se de uma doença autoimune: o sistema imunológico do corpo ataca células saudáveis. A EM é caracterizada por surtos ou crises inflamatórias que danificam a mielina, causando cicatrizes que degeneram as fibras nervosas. A frequência e o número de surtos variam de pessoa para pessoa. 

Os sintomas podem ser aparentemente triviais ou graves, como problemas de visão (visão embaçada ou dupla), problemas de equilíbrio e coordenação (tremores ou instabilidade para caminhar), sensação de peso nas pernas e braços, também chamada de espasticidade; alterações na sensibilidade (formigamento ou queimação); transtornos cognitivos (queixas de memória, distúrbios emocionais, como sintomas depressivos ou ansiosos). Urgência para urinar ou constipação intestinal, além de distúrbios sexuais, como disfunção erétil nos homens ou diminuição de lubrificação vaginal nas mulheres, também são alguns dos sintomas da EM. A doença é mais comum em mulheres e geralmente começa entre os 20 e 40 anos de idade, mas pode começar a qualquer momento entre os 15 e 60 anos.

“Acredito que, ao compartilhar sobre a batalha que venho passando com a EM, as pessoas podem ter um novo ponto de vista sobre seus problemas, fazendo-as refletir também sobre as reclamações sobre a vida que comumente fazemos sem nos dar conta que a saúde é o nosso maior tesouro. Além disso, falo aos meus passageiros sobre a importância da fé, que é essencial para entendermos os desafios que Deus coloca em nossas vidas por algum motivo”, salienta.

Hoje, aos 36 anos, Emerson relembra, emocionado, o início dos primeiros sintomas e a luta pelo diagnóstico: “Comecei a sentir uma forte cãibra na batata da perna, em uma quinta-feira. No dia seguinte, antes de ir trabalhar, passei em um hospital e a médica disse que era nervo ciático. Aplicaram uma injeção com medicamentos. No entanto, a dor continuava e no dia seguinte voltei ao hospital e a médica repetiu os remédios. Na segunda-feira, ao levantar, caí e não sentia mais as minhas pernas. Fui em diversos médicos, fiz uma bateria de exames, que não apontavam nada. Até que uma médica falou para a minha esposa que tínhamos que correr, senão ela seria viúva. Achamos um absurdo a conduta da profissional, que poderia ter me feito desistir de viver ali. Pensando nas minhas duas filhas, seguimos e continuamos a nossa busca. Fomos novamente para outros hospitais, UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), fiz novamente baterias de exames e ainda nada era encontrado. Foram em torno de 12 dias sem andar, sem urinar e defecar, porque não sentia os membros inferiores, indo de Uber (motorista de aplicativo) com minha esposa Juliana para ‘para cima e para baixo’, em vários médicos para entender o que estava acontecendo comigo”, salienta. 

Emerson relata ainda os inúmeros obstáculos enfrentados: buscou atendimento no Hospital de Heliópolis, local que havia diagnosticado um amigo do jovem também com Esclerose Múltipla, mas não havia médico neurologista por ser domingo. Lembrou de uma médica, de uma das diversas consultas pelas quais passou, que, preocupada com o seu estado, pediu para manter contato com Emerson. Sua esposa ligou para a profissional, que os orientou a buscar atendimento no Hospital São Paulo – Hospital Universitário UNIFESP (Vila Clementino/SP). “Fomos então de Uber do Hospital de Heliópolis para o HSP e lá começou uma bateria de exames, tiraram liquor da coluna (a agulha era muito grande e eu não sentia nada). Fiquei mais assustado quando os médicos falaram que poderia ser um monte de doenças. Pediram outra ressonância com contraste, mas ainda sem diagnóstico. O médico pediu para voltar no dia seguinte, mas não tínhamos como, pois sem os movimentos das pernas e como morávamos em Guaianazes, a distância dificultava para voltarmos para casa e retornarmos de Uber no dia seguinte. Assim, nos deixaram passar a noite no hospital e o médico disse que, pela gravidade do meu quadro, faria uma reunião com as lideranças para me encaixar em algum tratamento (mesmo sem o diagnóstico). E mesmo com a alta demanda do hospital, na hora falei que acreditava que Deus capacitaria a equipe para o meu caso e ele se espantou com a minha fé – e eu tenho certeza que Deus já estava agindo na minha vida, como sempre agiu. Assim, o médico me encaixou para fazer o tratamento de pulsoterapia por quatro dias seguidos, que fez com que os movimentos das minhas pernas fossem retomados. Mesmo com o longo trajeto (Guaianazes – Vila Clementino – Guaianazes), eu estava feliz por conseguir voltar a andar”.

Foto de Emerson em uma maca com um monte de fios e eletrodos.

No entanto, apesar dos resultados positivos, a pulsoterapia trouxe efeitos colaterais, como a herpes zoster: “Eu chorava muito, o meu lado direito ficou todo comprometido e fui então encaminhado à fisioterapia no Instituto de Reabilitação Lucy Montoro (IRLM)”. Emerson conta que diversos exames seguiam sendo feitos, como uma ressonância que teve a duração de 6 horas de realização. Mas, o diagnóstico de Esclerose Múltipla veio apenas sete meses depois. “Os médicos falaram que é uma doença rara, em homens é mais raro ainda, mas se Deus me escolheu, hoje eu me aceito. No começo não foi fácil e, então, começou uma outra luta: pela medicação. Antes, eu achava que as coisas para as pessoas com deficiência eram mais fáceis, mas, não: são muito mais difíceis. Veio a depressão, a vergonha das pessoas”.

Assim, Emerson iniciou o tratamento em casa, com uma medicação injetável (betainteferona) que ele mesmo se autoaplicava, com acompanhamento mensal de enfermeiras do HSP. “No entanto, essa medicação deu uma reação no meu fígado e aí começaram novas complicações. Trocaram então para um medicamento via oral (fingolimoide) e, depois de um ano, apareceram cinco lesões no cérebro, que comprometeram a minha fala, a visão e o raciocínio. A médica do Hospital São Paulo me disse que toda vez que trocasse a medicação, faria uma reunião com a equipe para analisar tais lesões e também repetiriam a ressonância. Nesse dia, voltando no metrô lotado, cheguei em casa e chorei como criança, porque tive medo. Mas lá atrás, no começo de tudo, eu entreguei nas mãos de Deus. Então, depois eu entendi que tudo isso é o agir Dele, que permitiu e está permitindo eu passar por tudo isso”.

Assim, para mudar para o novo medicamento, Emerson perguntou sobre o resultado da ressonância: “E a médica falou pra mim: ‘Você sabe que as medicações não têm poder de curar’. Mas, para o meu Deus, Ele faz o possível e o impossível na vida do ser humano – o que posso falar é que 80% das lesões do cérebro sumiram, restando 20% para eu dar meu testemunho. Digo que sou um milagre vivo, que Deus está ao meu lado e eu posso ajudar outras pessoas a não desistirem, porque hoje estou de pé”, diz.

E, então, os médicos deram os documentos para que o jovem conseguisse o novo medicamento (natalizumabe) na farmácia de alto custo. “Os médicos alertaram que a medicação era demorada, mas, como tudo o que eu faço, entreguei nas mãos de Deus”. Depois de três meses, Emerson conseguiu a medicação e foi tomá-la também no HSP, no setor de quimioterapia. “Aí começou mais uma luta: depois de um ano com o novo medicamento, fiz um exame que é encaminhado à Dinamarca e o resultado é direcionado aos médicos do HSP. Mas, o resultado veio positivo e deveria ter vindo negativo. Continuamos o medicamento e repeti o exame após 1 ano e 9 meses. Como o resultado foi o mesmo, os médicos me sugeriram trocar novamente a medicação (alentuzumabe), no entanto, esse era da esfera federal. Como ainda não havia tomado todas as doses disponibilizadas para o meu tratamento da última medicação (estava na 25ª sessão de quimioterapia), optei por doar o restante para quem estava em tratamento. Então, iniciei todo um trâmite para o governo liberar na farmácia de alto custo o novo remédio. Cheguei em casa, orei e depois de 6 meses sem medicação alguma, liguei para a farmácia de alto custo para saber como estava a minha solicitação. A atendente informou que demoraria em torno de mais 3 a 4 meses. Mas, minutos depois ela ligou novamente, dizendo que a pessoa contemplada antes de mim havia liberado o medicamento. Ou seja, já estava disponível para retirada. Um amigo, que considero um irmão, chamado Henrique, me levou para buscarmos o remédio. Não posso falar que é sorte, é Deus na minha vida”, relembra Emerson. 

O jovem conta que o novo medicamento só poderia ser aplicado por clínicas especializadas, com equipes preparadas – outra dificuldade enfrentada, uma vez que poucas eram as instituições disponíveis em São Paulo com profissionais qualificados. “A maioria demorava em torno de 30 dias para preparar a equipe para aplicar a medicação”, salienta Emerson, que encontrou uma clínica com equipe preparada apenas em Mogi das Cruzes, município de São Paulo. Assim, com a ajuda do amigo Henrique, que também sempre esteve ao lado do casal nessa luta, Emerson seguiu para o tratamento no início de 2024: “Eu entrava na clínica às 8h e saía em torno de 16h. Todos da clínica ficavam abismados com minha força, principalmente porque não tive nenhuma reação à medicação. Antes de sair de casa, eu orava sobre o remédio e creio que essa fé em Deus foi o que me ajudou e é o que me mantém de pé e trabalhando”, diz.

Ele salienta ainda a importância de ter ajuda profissional para cuidar da mente: “Lidar com a EM não é fácil, a vida muda totalmente, mas é preciso que tenhamos sempre ajuda de psicólogos, psiquiatras cuidando da nossa saúde emocional, que fica muito abalada. Além, de claro, do apoio da família, que é essencial. Nós é que precisamos controlar a nossa mente do que o contrário, porque muitas vezes vem o desânimo, a depressão. Reforço ainda que não devemos dar totalmente ouvidos aos médicos, porque alguns falaram pra mim que eu não ia conseguir fazer tal coisa e, mesmo com pouca mobilidade, eu faço. Eu sempre falo ‘tudo pode aquele que crê em Deus’ e é Ele que nos dá força para lidarmos com tudo. Por isso, não podemos deixar o diagnóstico nos vencer, nós que devemos vencê-lo. Trata-se de uma enfermidade que para o mundo não tem cura, mas eu creio que, para Deus, nada é impossível”, ressalta.

Emerson conta que ao longo desses 7 anos de convivência com a EM, ele teve em torno de três grandes crises – quando perdeu novamente os movimentos das pernas. “Nesses momentos, recorro ao hospital novamente e, com a graça de Deus, recebo medicação e saio novamente andando e podendo trabalhar. Hoje, sinto cada vez mais as dificuldades da EM no dia a dia, mas jamais vou desistir de lutar pela minha vida”, diz o jovem, ao citar uma crise recente. 

Às pessoas que acabaram de receber o diagnóstico de Esclerose Múltipla, Emerson diz: “Para quem está pensando em desistir da vida, não desista! É uma nova chance que Deus está nos concedendo, por isso, devemos lutar contra essa enfermidade e jamais desistir, mesmo sabendo que não temos saída, mas, lembre-se que no fim do túnel podemos encontrar a luz – seja por meio de pessoas que Deus coloca em nossas vidas, como minha esposa Juliana, meu amigo Henrique, os médicos que me atenderam, algumas pessoas que se solidarizaram e fizeram um preço mais justo das corridas de aplicativo para que eu pudesse ir seguidamente ao HSP; seja por meio das medicações que são liberadas para nós pela farmácia de alto custo. É uma oportunidade de nos refazermos e sempre aprendermos coisas novas”.

Ele cita também a importância de seu filho de quatro patas, Floquinho, um cachorro da raça shih tzu que completou 4 anos em janeiro deste ano e que, segundo o jovem, também tem sido fundamental em seu processo com a EM: “Eu sempre gostei de cachorro e quando estava para receber alta da fisioterapia do Lucy Montoro, um dos fisioterapeutas que me atendiam me incentivou a ter um animal de estimação, alegando que me faria bem. Surgiu uma oportunidade e a minha esposa fez uma surpresa para mim com a compra do Floquinho. Foram seis meses dormindo no sofá por causa dele, que era um filhote, e digo que ele é uma bênção em nossas vidas, porque nos trouxe e traz muita alegria”. 

História de vida – Emerson relata ainda as diversas dificuldades pelas quais a sua vida foi permeada desde a infância: ele tinha uma enfermidade, cujo diagnóstico não era descoberto. Assim, seus pais, devotos de Nossa Senhora Aparecida, fizeram uma promessa à santa e, quando foi curado, seguiram para Aparecida do Norte para cumpri-la: seus pais acenderam uma vela do seu tamanho. No entanto, quando ele tinha 7 anos, as brigas constantes entre seus pais fizeram com que a sua mãe os abandonasse e voltasse à sua terra natal, Fortaleza. O jovem conseguiu visitá-la apenas na adolescência, aos 17 anos, quando seus sonhos e objetivos na vida começaram a ser idealizados com o primeiro emprego e demais oportunidades que passaram a surgir, ao mesmo tempo em que frustrações da vida, como a perda de algumas conquistas, começaram a mostrar que o caminho não seria fácil, ainda mais sem o apoio do pai – que, segundo Emerson, se mantém ausente até hoje na sua luta contra a Esclerose Múltipla. 

Ele planeja no futuro contar toda a sua história de vida em um livro, cujo objetivo é  incentivar as pessoas que tenham passado pelos mesmos desafios que ele por conta de algum diagnóstico desafiador ou ensinar os jovens a traçarem caminhos diferentes dos que ele traçou, mas com a ênfase de que Deus tem sempre um plano a cada um. “Eu fiz coisas erradas na vida, como muitos jovens da periferia acabam fazendo pela vida difícil que enfrentam. Quando os passageiros dão abertura para conversarmos e ouvem a minha história de vida, muitos ficam emocionados e me dizem que eu preciso detalhar tudo em um livro para que mais pessoas – sejam jovens ou com alguma enfermidade – possam ser impactadas com o meu relato de tudo o que passei e também o que venho enfrentando com a Esclerose Múltipla. E, assim, possam repensar suas vidas para se tornarem seres humanos melhores. Quero ajudar as pessoas, nem que seja abraçar quem está enfrentando também um diagnóstico difícil, porque muitas vezes é só disso que precisamos no momento: um abraço”, ressalta Emerson.

Foto de Emerson com sua esposa, o cachorro e as duas filhas

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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