No dia 8 de setembro é comemorado o Dia Mundial da Alfabetização, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), cujo objetivo é ressaltar a importância da alfabetização para o desenvolvimento social e econômico mundial.
“O Dia Mundial da Alfabetização é uma data de extrema importância, pois destaca a necessidade fundamental da alfabetização para o desenvolvimento de indivíduos e sociedades como um todo. Quando se trata de crianças com deficiência, essa data assume um significado ainda mais profundo. Minha opinião sobre a celebração, em relação às crianças com deficiência, é que o Dia Mundial da Alfabetização representa uma oportunidade crucial para destacar a importância da educação inclusiva e acessível. A alfabetização é um direito humano fundamental, e todas as crianças, independentemente de suas habilidades ou desafios, devem ter a oportunidade de ter acesso à escola e desenvolver habilidades de leitura e escrita”, salienta Aila Narene Dahwache Criado Rocha, Terapeuta Ocupacional, Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Coordenadora do Laboratório de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Inclusão (LATAI) e Docente da Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Campus Marília).
A especialista ressalta que a alfabetização é um passo inicial e crucial para a inclusão escolar e social de um indivíduo. “A alfabetização desempenha um papel fundamental em várias áreas da vida de uma pessoa, e é um dos pilares sobre os quais a inclusão é construída. Especificamente em relação à comunicação, a capacidade de ler e escrever é essencial para tornar essa habilidade mais eficaz. Isso não se limita apenas à comunicação por escrito, mas também à compreensão de informações apresentadas em texto, como notícias, instruções, anúncios e avisos. A alfabetização é essencial para que as pessoas se expressem e compreendam a sociedade. Pessoas com necessidades complexas de comunicação (NCC) podem ter a habilidade de leitura e escrita como seu principal meio de comunicação. Além disso, vale destacar que a alfabetização promove independência, autonomia, participação social, acesso à informação e desenvolvimento pessoal. É uma habilidade fundamental que abre portas para uma vida mais plena e participativa, independentemente da idade, origem ou condição, sendo especialmente relevante para a inclusão de pessoas com deficiência”.
A especialista traz também a reflexão aos profissionais que atuam com alfabetização: “Além disso, o Dia Mundial da Alfabetização nos lembra da necessidade de conscientização sobre as diferentes deficiências e das estratégias adequadas para atender às necessidades individuais das crianças. A diversidade é uma riqueza em nossa sociedade e é dever de todos garantir que cada criança, independentemente de suas habilidades, tenha a chance de aprender a ler e escrever. Devemos continuar promovendo políticas e práticas que garantam que todas as crianças, incluindo aquelas com deficiência, tenham igualdade de acesso à educação e às oportunidades que a alfabetização oferece”.
Quanto aos principais desafios na alfabetização de crianças com deficiência, Aila cita a implementação de estratégias personalizadas. “É uma jornada que requer conhecimento, empatia e trabalho interdisciplinar, e é extremamente recompensadora quando vemos essas crianças adquirindo as habilidades para a alfabetização. A variedade de condições que envolvem não só a criança com deficiência, como todo o público-alvo da Educação Especial, pode acarretar também em uma multiplicidade de condições advindas das deficiências físicas, sensoriais, intelectuais, como os aspectos que envolvem estudantes com Transtornos do Espectro Autista e altas habilidades. Cada condição traz desafios específicos para a alfabetização, e é essencial que o profissional seja sensível para implementar estratégias de ensino para atender às necessidades individuais de cada criança”, ressalta a especialista, que complementa: “Também é fundamental garantir que os materiais pedagógicos e recursos de aprendizagem sejam acessíveis, com o uso da Tecnologia Assistiva. Podemos citar como exemplos o Braille, áudio ou materiais táteis para crianças com deficiência visual, ou recursos de Comunicação Alternativa para crianças com desafios de comunicação; recursos alternativos para escrita para crianças com deficiência física, uso de recursos visuais e repetição para ajudar na assimilação de conceitos para crianças com Deficiência intelectual, recursos sensoriais para crianças com TEA, entre outras possibilidades”, destaca.
A especialista também ressalta a importância do protagonismo do educador nesse processo: “É importante fornecer orientações e estratégias para que todos possam apoiar a aprendizagem das crianças em casa e na escola. Destaco ainda os desafios encontrados devido às barreiras atitudinais. Além dos desafios práticos, as crianças com deficiência, muitas vezes, enfrentam estigmatização e baixas expectativas por parte da sociedade. Nós, profissionais, também enfrentamos o desafio de combater essas barreiras atitudinais e promover uma cultura de inclusão. Na minha visão, os educadores são os protagonistas no processo de alfabetização de crianças com deficiência. Para garantir que esse processo ocorra de maneira eficaz e inclusiva, há pontos aos quais eu acredito que os educadores devem estar atentos:
Conhecimento das necessidades individuais: Cada criança é única, e os educadores devem compreender suas necessidades específicas. Isso inclui conhecer não apenas aspectos relacionados ao seu diagnóstico, mas principalmente identificar suas habilidades e a partir de então planejar estratégias de aprendizado que sejam prazerosas e eficientes para a criança.
Adaptação do currículo: É essencial que, quando necessário, os educadores adaptem o currículo para atender às necessidades individuais das crianças com deficiência. Isso pode envolver a modificação de materiais didáticos, o uso de recursos de acessibilidade, a diferenciação de instrução e a definição de metas de aprendizado realistas e alcançáveis.
Uso de Tecnologia Assistiva: A tecnologia assistiva desempenha um papel crucial na alfabetização de crianças com deficiência. Educadores devem estar familiarizados com os produtos disponíveis, como softwares que favoreçam a leitura e a escrita, com a Comunicação Alternativa, recursos que favoreçam a escrita convencional ou por meios alternativos, entre outros. Para a implementação da Tecnologia Assistiva é fundamental que os educadores conheçam estratégias a fim de ter conhecimento para integrar os produtos assistivos de forma eficaz na sala de aula.
Trabalho colaborativo entre a área da educação e saúde: a colaboração estreita entre os profissionais do contexto escolar com terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e outros profissionais de saúde que acompanham a criança é essencial. Os profissionais devem promover ações colaborativas a fim de garantir uma abordagem biopsicosociocultural no apoio à aprendizagem das crianças.
Avaliação contínua: A avaliação contínua das ações e do progresso é fundamental. Os educadores devem usar métodos de avaliação adequados às necessidades das crianças com deficiência e ajustar as estratégias de ensino conforme necessário para atender às metas de aprendizado.
Formação profissional: Os educadores devem ter acesso a formações a fim de enriquecer suas práticas e promover a segurança necessária para atender às necessidades dessas crianças. O aprendizado contínuo é essencial.
Atenção à equidade: É fundamental que os educadores se empenhem em criar oportunidades equitativas para todas as crianças, considerando sempre suas habilidades. Isso inclui combater estigmas, preconceitos e garantir que todas as crianças tenham acesso igual às oportunidades educacionais”.
Comunicação Alternativa e alfabetização
Segundo a especialista, a Comunicação Alternativa (CA) desempenha um papel fundamental no processo de alfabetização de crianças com deficiência. “A CA é uma área de conhecimento que envolve o uso de produtos, estratégias e serviços que visam apoiar a compreensão e/ou a expressão de pessoas que têm necessidades complexas de comunicação. Para crianças não oralizadas, a CA pode ser uma alternativa eficaz de se comunicar. Isso é crucial para que elas expressem suas necessidades, façam perguntas e participem ativamente das atividades realizadas no contexto escolar, e que envolvem o processo de alfabetização. É importante destacar também que a CA não apenas favorece as habilidades de comunicação, mas também o desenvolvimento da linguagem. Antes mesmo de aprenderem a ler e escrever, as crianças podem usar a CA para desenvolver habilidades que são pré-requisitos para a alfabetização, como identificação de letras, sons e conceitos básicos de linguagem. Isso prepara a criança e oferece acesso à alfabetização formal. À medida que as crianças com necessidades complexas de comunicação progridem em sua jornada escolar, a CA pode ser usada para apoiar a escrita ou a compreensão de textos escritos. Desta forma, objetos, símbolos ou imagens podem ser usados como apoio ou alternativa para expressão ou compreensão do significado de palavras difíceis ou conceitos complexos, favorecendo assim o acesso à informação. É crucial entender também que a escola é um ambiente rico para interações interpessoais, assim a CA pode permitir que as crianças com necessidades complexas de comunicação participem ativamente das atividades e interajam com seus colegas – o que contribui para um ambiente inclusivo, prazeroso e enriquecedor. Quando as crianças com desafios de comunicação percebem que têm uma maneira eficaz para se comunicar e participar do contexto escolar, sua motivação para aprender a ler e escrever pode aumentar significativamente e pode levar a melhores resultados no processo de alfabetização”, explica Aila.
A Terapeuta Ocupacional cita ainda a importância do envolvimento de todos – profissionais de educação, terapeutas e família – para que a alfabetização aconteça com sucesso: “Iniciar o processo de introdução da CA por meio de ações colaborativas é fundamental. Assim, terapeutas ocupacionais ou outros profissionais que estejam à frente da implementação da CA devem envolver os educadores o quanto antes. É importante o processo de sensibilização e para isso é necessário ter escuta às demandas do contexto escolar e, a partir de então, promover diálogos que envolvem a compreensão dos objetivos da CA, seus benefícios e como ela pode favorecer a comunicação e o processo de aprendizagem da criança. Todos os profissionais envolvidos com a criança devem participar ativamente do processo de implementação da CA. Quando se trata do contexto escolar, é importante conhecer e respeitar as opiniões e dúvidas dos educadores e considerar suas demandas para o uso da CA. Muitas vezes, a resistência surge da falta de conhecimento sobre a CA ou da ausência de envolvimento dos profissionais no processo”, diz a especialista.
De acordo com sua profunda experiência, Aila sugere compartilhar casos de sucesso e histórias de crianças que se beneficiaram da CA para que educadores e familiares tenham conhecimento sobre os benefícios e a eficácia da Comunicação Alternativa: “Mostrar como a CA melhorou a participação e o desempenho de outras crianças na escola pode ser persuasivo, além de registar evidências dos benefícios que a implementação do recurso trouxe para a criança. É importante ainda mostrar, como motivação a todos os profissionais envolvidos, como a CA pode ajudá-la a se comunicar, participar das atividades escolares e desenvolver habilidades de alfabetização”, orienta a especialista.
Aila cita também o uso da CA no processo de letramento de crianças com necessidades complexas de comunicação: “O letramento, que vai além da alfabetização, envolve não apenas a capacidade de decodificar letras e palavras, mas também a compreensão e a habilidade de utilizar a leitura e a escrita de forma significativa em diferentes contextos. Para crianças com deficiência, o letramento apresenta desafios adicionais que merecem atenção, compreensão de textos mais complexos. Isso pode incluir a compreensão de inferências, contexto e nuances da linguagem escrita – que também pode ser um desafio. Outro ponto é que algumas crianças com deficiência podem ter dificuldades na organização de ideias, na escrita coerente e na gramática, o que pode afetar sua capacidade de se comunicar por meio da escrita. Por isso, a Comunicação Alternativa pode ser uma ferramenta importante no letramento, ao permitir que as pessoas com NCC expressem suas ideias e compreendam o conteúdo escrito de maneira alternativa e mais eficaz e assim, participem do contexto escolar como leitores e escritores competentes”, explica a educadora.
Aila lembra ainda que as demandas de leitura e escrita impostas pelo contexto, muitas vezes, não são acessíveis às habilidades das crianças com deficiência. “Por isso, reforço a necessidade de garantir que os materiais sejam acessíveis e adequados às habilidades e preferências de leitura e escrita da criança. Ou seja, é essencial no letramento, como já citamos na alfabetização, garantir que o conteúdo de leitura esteja disponível em formatos diversos com a ajuda da Comunicação Alternativa. Dessa forma, a Tecnologia Assistiva pode desempenhar um papel crucial no letramento dessas crianças”.
Para as famílias e profissionais que atuam com alfabetização e letramento, Aila ressalta que o Dia Mundial da Alfabetização representa uma oportunidade valiosa de reflexão e ação. “Devemos aproveitar este momento para nos engajarmos em conversas sobre como a alfabetização pode transformar vidas; celebrarmos os avanços em relação a políticas públicas, ao envolvimento ativo de diferentes profissionais e as conquistas das crianças, jovens e adultos que têm trabalhado duro para desenvolver suas habilidades de leitura e escrita. Cada passo na jornada de alfabetização é uma realização que merece reconhecimento. Porém, também devemos refletir sobre os desafios que ainda existem neste processo e fomentar diálogos e ações para superá-los”.
A especialista complementa: “Para todos os envolvidos com pessoas com deficiência, o Dia Mundial da Alfabetização também deve nos lembrar sobre a importância da inclusão e igualdade de oportunidades. Devemos assegurar que todas as crianças, independentemente de suas habilidades, tenham acesso a uma educação de qualidade e a oportunidades de letramento. Este dia deve nos inspirar a celebrar o poder da educação para abrir portas e criar um mundo mais inclusivo e equitativo”.
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Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-da-alfabetizacao.htm