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Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência completa 8 anos e representa uma vitória, principalmente, a Hermann Halberstadt

Foto da família Gonzales Halberstadt, com a mãe no lado esquerdo, morena de cabelos na altura dos ombros vestindo camisa preta e calça preta e branca. Ao lado o filho mais novo, usando boné e óculos, jovem, alto, vestindo malha e calça verde. Atrás o pai, grisalho, vestindo uma blusa cinza e preta e no lado esquerdo o filho mais velho sentado em uma cadeira de rodas com um apoio preto em sua frente. Todos usando crachá de um evento e estão atrás de um balcão da abadef - Associação Bajeense de Pessoas com Deficiências

A sanção da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – L13.146) completa oito anos no dia 6 de julho e significa uma grande vitória, principalmente a Hermann Gonzales Halberstadt: não apenas pela coincidência do dia, que também é seu aniversário (ele completa 25 anos), mas, por toda a sua batalha em uma desafiadora jornada pela inclusão escolar. 

O jovem se formou em 2021 em Técnico em Informática pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), Campus Bagé (RS), e, desde então, vem construindo um legado no Rio Grande do Sul em inclusão social e direitos das pessoas com deficiência na jornada escolar: Hermann nasceu com paralisia cerebral e é usuário de Comunicação Alternativa (CA), por meio do controle ocular. Ele foi o primeiro estudante do IFSul a utilizar os recursos de Tecnologia Assistiva em sala de aula e, certamente, mudou toda a forma de ensinar da Instituição – os profissionais que o acompanharam puderam aprender com ele não apenas sobre as tecnologias utilizadas, mas, principalmente, a importância do acesso à Educação a todas as pessoas.

“É muito legal, poder dizer que me formei. Lembrar de tudo, de como era estar todos os dias envolvido com meus colegas, me preocupar com as aulas, as provas, tudo que acontece na escola e principalmente as viagens que fizemos com meus colegas. Poder usar o computador, e as aulas de programação, algoritmos, ir para o laboratório de informática era show. Eu adorava as aulas de educação física, e matemática também gosto muito. Eu sempre acho que posso fazer as coisas e a minha família me ajuda”, diz Hermann, que salienta: “Ter deficiência é muito difícil, pois tudo que eu busco fazer – coisas que pra mim eu considero normais, todo mundo acha que é extraordinário. E eu não gosto de ficar sem fazer nada, então fico imaginando de que forma posso fazer o que quero. Foi assim quando pedi o computador com acesso ocular e sou muito feliz por entender que minha família me deu a oportunidade de viver tudo isso”

Quanto às barreiras de inclusão, ele ressalta: “Se você não entender porque ou como uma pessoa com deficiência pode aprender ou se comunicar, não duvide dela, pois esse problema pode ser seu! Agora eu entendo porque as pessoas desistem de estudar, é porque não nos aceitam e pensam que vamos para escola para não ficar em casa, isso cansa, ter que dizer todos os dias que a gente quer aprender e não quer fazer o que é errado, não quer dormir na aula. Quer falar o que pensa, conversar, pedir ajuda e ajudar”, destaca Hermann. Ele destaca ainda: “Alguns professores que não entendem como eu aprendo e me comunico e por isso eles acham que não vou conseguir.  Eu sei que vou aprender, mas do meu jeito”, diz o jovem, que tem planos de voltar a estudar e sonha em fazer muitas viagens – algo que ele diz adorar.

Por isso, sua mãe, Cimone Halberstadt, enfatiza: “A inclusão é muito da conquista da própria pessoa, aliada à oportunidade que a possibilitará mostrar toda a sua potencialidade. Nesse sentido, o Hermann sempre teve o apoio da família, além de ser uma pessoa muito engajada em suas conquistas. Ele é bastante sociável, adora estar na escola e esse convívio social para ele é muito importante. Sempre foi dele a busca pela inclusão escolar e nós, como família, sempre batalhamos pelas melhores estratégias e recursos – questões que se concretizaram sempre com muita luta via Defensoria Pública, pois não se trata de uma família com grande quantidade de recursos financeiros”, esclarece Cimone, que é pedagoga e ativista na luta pelos direitos das pessoas com deficiência: ela é fundadora e presidente da Associação Bageense de Pessoas com Deficiência e Familiares (Abadef), e atual presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEPEDE/Porto Alegre), também presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (COMPEDE/Bagé); além de ser atual Coordenadora na Secretaria de Saúde de Atenção à Pessoa com Deficiência nas ações com o público de pacientes com deficiência, doenças raras e altas habilidades.

Vestibular: o início dos desafios da inclusão

As dificuldades enfrentadas ao longo dos quatro anos do curso iniciaram anos antes da aprovação de Hermann no vestibular da Instituição, que não tinha avaliação adaptada a pessoas com deficiência. Amanda Souza Lopes, que foi sua tutora no final do Ensino Médio e também cursava o Técnico em Informática do IFSul, relata a batalha para que ele pudesse prestar o vestibular do IFSul: “Na época, a prova era realizada de forma convencional do papel e da caneta e não tinha acessibilidade alguma. Passamos então a lutar para que o vestibular fosse feito da forma que o Herman conseguisse usar a condição dele: com auxílio do computador, que era a forma como ele conseguia se comunicar”, diz Amanda, que hoje é formada em Gestão de Serviços Jurídicos e notariais e pós graduada Gestão de Recursos Humanos e Empresarial. 

“Hermann prestou alguns vestibulares, até que descobrimos que uma colega sua, que havia feito uma pontuação menor que a dele, havia entrado pela Lei de Cotas para pessoas negras. Então viajei até Pelotas para conversar com o Reitor da IFSul, na busca de equidade para ele. Nesse movimento, tivemos total assessoramento do Dr. Guilherme Francisco Paul, Defensor Público da União – Subseção Bagé. Depois desse encontro em Pelotas, o então Reitor e uma equipe extensa de toda a reitoria do IFSul participaram de uma reunião na sede da Promotoria em Bagé e ficou acordado que o Instituto iria iniciar um curso de extensão com a finalidade de auxiliar o Hermann nos estudos e para a compreensão das estratégias e recursos que ele utilizava. Isso serviria como uma preparação para os próximos vestibulares, sendo que foi na quarta tentativa que ele conseguiu ser aprovado. Também ficou acordado que para o vestibular seguinte seriam criadas cotas para pessoas com deficiência no Campus Bagé”, explica Cimone

Mas, apesar da conquista pela inclusão no IFSul por meio das cotas, que aconteceu antes mesmo da aprovação da L13.146, foram diversas as dificuldades após o início das aulas no curso de preparação ao vestibular: “Contrariando as expectativas, os desafios persistiram e até se intensificaram. No último vestibular foi necessário que o Defensor Público juntasse um arsenal de normas e legislações para subsidiar e garantir equidade para o Hemann, inclusive o pedido de que fosse gravado todo o processo de realização de prova. Nesse momento, a Prof. Dra. Amélia Bastos, da UNIPAMPA – Campus Bagé, foi muito importante ao subsidiar com a escrita da documentação necessária ao Dr. Guilherme, além da Prof. Fabiane Prates do IFSul, que coordenava o Projeto de Extensão: “Um Olhar Sobre outros Olhares” – para a compreensão da metodologia utilizada pelo Hermann – e quem lutou com muito afinco pela sua inserção no vestibular e posterior permanência na Instituição até a conclusão do curso. E vale ressaltar que tudo isso foi movido pela vontade própria dele em estudar, pois, na época, foi bastante incentivado a ingressar no IFSul pela ex-cuidadora, Marciele Varella Ferraz, que também cursava o Técnico em Informática na instituição e chegou a desenvolver um software de matemática, juntamente com outros estudantes, para que ele pudesse estudar a disciplina”, relembra Cimone.

Assim, a vigência das cotas no IFSul beneficiou até mesmo outro estudante com deficiência, que ingressou no Instituto um semestre antes da aprovação do Hermann no Técnico em Informática, em 2017. “Vale ressaltar que a vaga não foi ‘ganhada’ – ele precisou passar por novas avaliações, que foram feitas com pranchas de comunicação confeccionadas no software Boardmaker para que ele conseguisse prestar o vestibular. Aprovado como aluno, a partir daí, começaram diversas outras dificuldades para a permanência dele no IFSul, pois tínhamos o recurso, que era o controle ocular, e as estratégias da Comunicação Alternativa, mas havia uma carência de profissionais capacitados em Tecnologia Assistiva”, relata a mãe de Hermann. 

Estudioso, sempre exigia desafios escolares à altura da sua capacidade

Marcielle Varella Ferraz, ex-tutora de Hermann e hoje servidora da Polícia Militar, relembra a exigência do jovem nos estudos: “Matemática era algo muito difícil para o Hermann estudar, mas quando vinham questões fáceis para ele, ele mesmo achava ruim. Por isso, a ideia do software que desenvolvemos no IFSul era uma forma dele ter acesso ao estudo da disciplina, mas de uma maneira que o nível estivesse adequado à capacidade dele”, diz a ex-cuidadora, que ressalta o quanto as pessoas ficavam atônitas com a inteligência do jovem. 

Recorte de um jornal velho, onde vemos o nome do jornal: Folha do Sul, o título: Uma disputa espetacular, e uma foto de uma corrida de rua com cadeiras de rodas, cuidadores empurrando e uma platéia batendo palmas. Na frente o cadeirante está fantasiado de avião.

Ela o acompanhou nos anos finais do Ensino Fundamental e fazia questão de incluí-lo em todas as atividades. “Umas gurias iam jogar pingue-pongue na casa dele e eu fazia questão que ele participasse: dava um jeito de pegar na mão dele com a raquete e o ajudava com os movimentos. Uma outra situação muito legal foi a Corrida Fantástica, realizada pela Abadef, que é um concurso de fantasias na região, hoje sua décima edição, para pessoas cadeirantes e que abre a Semana Estadual da Pessoa com Deficiência. E ele queria ser um avião e falei: ‘vamos então criar juntos a sua fantasia, você vai participar, Hermann!’ E ele foi o ganhador! Eu sempre quis mostrar para ele que ele conseguia fazer coisas que as pessoas diziam não ser algo possível para ele. Tínhamos uma parceria muito legal!”, relembra Marciele. 

Parceria essa que rendeu à ex-tutora um presente especial do jovem em um Natal: “Ele me deu um buquê de flores, o primeiro que ganhei na vida! E eu sempre digo que ele é meu orgulho! Conviver com o Hermann é algo espetacular, é um exemplo de vida, pois ele tinha todos os motivos para reclamar, poderia ficar deitado o dia todo, mas, não, ele sempre lutou pelos seus objetivos”, conta Marciele, com um largo sorriso nos lábios. 

Conhecendo a Tecnologia Assistiva

Por ser o primeiro aluno do IFSul a utilizar o controle ocular, foi criado um programa com diversos projetos desenvolvidos pela instituição para o estudo da forma como Hermann utilizava a tecnologia eye tracking. “Todos ficavam encantados com o domínio inexplicável que ele tem sobre a ferramenta que ele possui e eu brincava que ia calibrar o controle ocular pra ele, mas eu nunca consegui. Os professores também queriam experimentar a tecnologia assistiva que ele utilizava para ver como funcionava, mas ninguém conseguia a não ser o Hermann. Claro que nem sempre ele pôde utilizar seu recurso, como em momentos em que o computador ia para sala de aula dentro da mochila e voltava da mesma forma, porque não tinha adaptação dos conteúdos das aulas, o que era lamentável. Mas, como sempre um guerreiro, determinado e muito inteligente, era muito participativo nas aulas, sempre questionando os professores quando não entendia”, diz a ex-tutora Amanda.

Ela conta ainda que algumas provas e avaliações eram adaptadas ao jovem com áudio para que ele entendesse as perguntas e pudesse respondê-las via controle ocular. “Mas, quando as avaliações não eram da forma adaptada, o Hermann tinha que se deslocar para outra sala somente com o professor, para que fossem lidas em voz alta as perguntas e ele sinalizava com o olhar – direita se for A, esquerda se for B – a alternativa que ele considerada correta. Ou seja, em diversos momentos não havia prova adaptada para ele. Mas, batalhador como sempre, ele foi até o final do seu curso e se formou!”, ressalta Amanda, que complementa: “Foi um processo muito bonito e o Hermann, merecedor, porque ele sempre lutou para que pudesse estar inserido no ambiente escolar, como qualquer outro aluno, praticando as atividades escolares, aprendendo e interagindo com os demais colegas da sala. Essa jornada mostrou toda a sua garra e dedicação que ele teve que ter para estudar. Por isso, a mensagem que eu deixo a todos é que não permitam que as dificuldades e barreiras tirem os sonhos de vocês, busquem as condições e as acessibilidades, que estão aí cada vez mais avançadas!”.

Foto polaroid em fundo azul, com uma jovem segurando um tupo de diploma e ao lado um rapaz vestindo beca em uma cadeira de rodas.

Também formada em Técnico em Informática e graduada em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, ambos pelo IFSul, Vitória Vasconcelos da Luz atuou na época como bolsista e monitora do curso em que Hermann cursava. Ela também participou dos diversos projetos de estudo do controle ocular para entender melhor como funcionava a tecnologia que ele utilizava. “Eu não conhecia de perto o recurso do controle ocular e, na época, fiz também uma capacitação em Boardmaker, que é o software de Comunicação Alternativa com o qual ele se comunica. E foi todo um processo de entendimento dos recursos que ele utiliza e a forma como as pranchas de comunicação deveriam ser confeccionadas de modo que fossem funcionais a ele. O próprio Hermann nos indicava o tamanho das letras, a quantidade dos pictogramas, entre outros. E, dessa forma, os professores nos passavam as atividades para que eu as adaptasse para ele acompanhar o conteúdo escolar. Muitas vezes, eles não respeitavam o prazo mínimo de envio e eu adaptava até mesmo na madrugada para que ele tivesse o material adaptado no dia seguinte para a aula. É muito gratificante ver o quanto a tecnologia proporciona a inclusão e o quanto um material adaptado possibilitou que o Hermann se formasse no curso que queria”, ressalta Vitória, que destaca que a convivência com o jovem a fez direcionar sua carreira para a área de informática em Educação Especial. 

Foto de uma jovem morena com cabelos escuros na altura do ombro, usando óculos de grau e vestindo uma camisa jeans, ao seu lado um jovem sorrindo vestindo camiseta listrada.

“Foi um processo muito importante, de muito aprendizado. Eu e o Hermann desenvolvemos inúmeros projetos juntos, fomos convidados para apresentar a tecnologia assistiva em diversas cidades e chegamos a ser premiados! Conviver com ele me mostrou o quanto podemos contribuir com a Educação Especial, abrir essa porta de acesso também para a educação superior para pessoas com deficiência”, diz. 

Naiana Rodrigues Sum é uma das colegas de sala do Técnico em Informática que o ajudava durante as aulas. “Acho que o aprendizado maior foi da minha parte! Eu tive algumas dificuldades no começo para me comunicar com ele, mas depois que aprendi a sua linguagem, passou a ser super divertido e legal ajudá-lo na jornada escolar. Digo que ele provavelmente aprendeu muito mais de programação do que eu”, brinca Naiana, que ressalta: “E eu ainda não consigo entender como ele usa o computador dele”

Ela também destaca o quanto a vivência com o jovem a mudou quanto pessoa: “O Hermann me ensinou que todos nós temos a oferecer algo a alguém. E, além de aprender linguagens e conhecer um pouco do seu dia a dia, ele me ensinou a ser feliz ao ver as situações da vida com um outro olhar”, salienta a colega.

Foto de um rapaz com boné pretoao contrário, vestindo regata amarela em uma cadeira de rodas e ao seu lado uma jovem de cabelos presos usando óculos de gral e aparelho nos dentes.

Cimone faz questão ainda de ressaltar o fundamental apoio de pessoas que acreditam na potencialidade da pessoa com deficiência e não em suas limitações: “Foram tantas pessoas que entraram na vida do Hermann em momentos estratégicos para mostrar a capacidade dele, não só cognitiva, mas a forma única que ele tem de fazer amigos, de ser sensível à timidez e limite das pessoas em se aproximar de uma pessoa com deficiência. Estou falando de pessoas que se tornaram amigos verdadeiros do Hermann e posso chamá-los de anjos da guarda aqui no mundo terreno: cada um fez muita diferença em nossa vida e, mesmo que passem muito tempo sem se ver, quando se encontram a cumplicidade volta como antes! Tais encontros ao lado desses amigos é sempre oportunidade de relembrar boas histórias e vivenciar momentos de coisas simples que são imensamente importantes para quem tem deficiência. Quero aproveitar a oportunidade para fazer também um agradecimento especial aos queridos Matheus Monteiro, Michele Garcia, Aline Paz e Bárbara Cardoso, todos ex-tutores e preciosos amigos, que foram fundamentais em toda a jornada do Hermann”, ressalta.

Família unida por um propósito

“O Hermann é o nosso alicerce, somos unidos por ele e ele nos ajuda a crescer”, diz Cimone ao citar que o jovem transformou a vida de toda a família: a batalha pela inclusão a incentivou a cursar Pedagogia em 2017 e hoje está iniciando o Mestrado de Ensino na UNIPAMPA-Bagé, onde pesquisará o uso da Tecnologia Assistiva no Ensino Médio, por pessoas com deficiência sem fala verbal no estado do Rio Grande do Sul. 

Foto de uma familia. A mãe no lado esquerdo de pé, vestindo uma blusa preta, saia vermelha e sapatos de salto, o pai no lado direito vestindo camisa clara e calça jeans, o filho mais velho ao centro em uma cadeira de rodas usando beca e o filho mais novo atrás usando óculos. O pai e a mãe estão segurando um tubo de diploma em frente ao filho cadeirante.

Herbert, 20 anos, irmão de Hermann; e Cleonar, pai de ambos e marido de Cimone, graduaram no ensino superior em Gestão Ambiental. “Eu tive que parar de trabalhar fora, pois, com o tempo, a Cimone não podia mais movimentar o Hermann sozinha. Então eu assumi a questão de levá-lo ao IFSul, e ela  começou a trabalhar. E como tinha que dar lanche, eu acabava ficando na instituição a tarde toda. Foi então que, por incentivo de todos da família, fiz minha matrícula no curso superior e estudava enquanto aguardava o Hermann. Escolhi Gestão Ambiental, porque toda vida trabalhei no meio rural com plantio, meus pais são de descendência alemã, e sempre vivemos dessa forma, nosso trabalho sempre foi em família e na agricultura”, conta Cleonar. Ele relembra também toda a jornada escolar de Hermann: “Foi um processo muitas vezes complicado, devido às dificuldades para nós e para ele, uma luta contínua por adaptação, adequação profissional. Por várias vezes desestimulante, vontade de desistir, mas teve muitas coisas boas também, como as viagens que fizemos com ele e a turma. As relações sempre foram boas e com a força de vontade dele, enfim, conseguiu se formar! Tenho amizade com muitos professores até hoje”, conta Cleonar.

Para Herbert, irmão mais novo que sempre acompanhou o Hermann em sua jornada, todo o ambiente escolar se mostrou cheio de desafios: “um simples acesso à sala de aula por falta de acessibilidade e inúmeros degraus, como também realizar uma simples prova! Por isso, ao longo de sua trajetória escolar foram feitas várias evoluções para o melhor aprendizado do meu irmão, e a maior conquista, sem dúvidas, foi ter adquirido o computador com acesso ocular, possibilitando meu irmão a realizar as provas de forma digital, e facilitando a interpretação de texto! Ele sempre adorou frequentar o ambiente escolar, faça chuva ou faça sol, não faltava uma aula! E, por todas as escolas pelas quais passou, sempre teve muitos amigos que sem dúvidas o incentivaram a continuar. Sempre procuramos cursar na mesma escola, ele mais velho a algumas séries a frente. E, sempre que possível, me ajudava em algumas matérias justamente por estar mais avançado!”, diz.

Ele destaca ainda: “Hoje estou no exército e, sem dúvidas, ter convivido com meu irmão em toda essa sua trajetória de muitas dificuldades e desafios, tudo que ele passou e passa no seu dia a dia, com certeza me dá muito ânimo para seguir em frente e superar os imensos obstáculos que surgem em minha jornada!”.

Cimone exemplifica ainda a transformação que o jovem causou na família, ao citar que foi o Hermann quem ‘pediu’ um irmão: “Eu tinha ficado de certa forma traumatizada e não pensava em ter mais filhos. Mas, a vontade do Hermann em ter um irmão e a normalidade como ele lida com as questões da vida, mesmo com a condição dele, é essa: uma pessoa que, com amorosidade, conquista todos ao redor. Vale ressaltar que esse amor começou em casa, primeiro me conquistando e, juntos, como parceiros, conquistando o pai (Cleonar), e, assim por diante”, salienta.

Inclusão também na espiritualidade

Hermann participa ainda há 10 anos de estudos espíritas do Grupo Espírita Alvorada e Paz (GEAP), juntamente com Bárbara Fleitas Barboza Gonzales, 21 anos, estudante de Direito, que é quem o auxilia na comunicação e compreensão dos textos nas reuniões que acontecem aos sábados, quando Cimone não pode acompanhá-lo. “Ele sempre teve uma sensibilidade espiritual muito grande e seu interesse por aprender e se desenvolver na espiritualidade partiu sempre dele”, cita Cimone.

Ele também faz parte do grupo Estudo do Livro dos Espíritos do GEAP, onde algumas pessoas se reúnem para ler, estudar e debater as questões do livro, quinzenalmente. “Nós fizemos juntos também o curso de Reiki de Barras de Acess, pois temos a ideia de montarmos um consultório. Fazemos meditação com a Fernanda Dorneles, que é Reikiana, e fazermos seções semanais de Reiki, também fazemos o Evangelho e eu ainda participo do estudo da mediunidade”, diz Bárbara. Ela ressalta ainda: “Nossa facilitadora do grupo de estudo, Márcia Mesquita, é muito boa e acolhedora e cita a importância da inclusão pelo GEAP, que o recebeu, assim como receberia qualquer outra pessoa, escutando-o e acreditando em sua capacidade, entendendo suas dificuldades e, assim, propondo uma forma que ele pudesse ter um aprendizado”.

Bárbara complementa: “O Hermann para mim é como um irmão mais velho, que me ajuda com apoio emocional, de  vida, assim como eu faço o mesmo por ele, é uma troca, uma cumplicidade,  mesmo que às vezes parece que ele me ensina muito mais e oferece mais que um dia eu poderia imaginar.  E uma das conquistas mais significativas para mim, das quais ele fez parte, foi quando minha mãe teve um problema de saúde e ele topou em oferecermos auxílio com a espiritualidade. E, assim, conseguimos ajudá-la, contrariando até mesmo as expectativas dos médicos!”, conta.

Foto de um rapaz jovem em uma cadeira elétrica, sorrindo e usando um boné para trás. Ao seu lado uma jovem sentada ao pé de uma árvore, de cabelos compridos e sorrindo e usando óculos e uma camisa xadrez. Ao fundo uma paisagem bonita de campo.

A construção de todo um legado 

Além de abrir as portas às pessoas com deficiência ao ensino no IFSul por meio das cotas, antes mesmo da sanção da L13.146, após a conclusão do Técnico em Informática, Hermann continuou construindo todo um legado sobre inclusão social a PcDs no sul do país: passou a ministrar diversas palestras sobre Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa, e, em agosto de 2022, foi aprovada a Lei 13.211, conhecida como Lei Hermann, que inclui em outubro o Mês de Conscientização sobre Comunicação Alternativa no Calendário de Datas Comemorativas e de Conscientização do Município de Porto Alegre. Dessa forma, tal conquista torna Bagé o primeiro município do país a normatizar outubro como mês alusivo à CAA. De autoria da então vereadora Sônia Leite, a Lei Hermann foi nacionalizada e criada a nível estadual: além de Bagé, o município de Mostardas (RS) e dois municípios de São Paulo também normatizaram outubro como mês alusivo à CAA.

foto de uma placa de comunicação alternativa

Em junho de 2022, foi inaugurada uma placa de Comunicação Alternativa (CA), desenvolvida por Hermann, em parceria com a Civiam, e instalada na Praça das Carretas, em Bagé, para permitir a comunicação de crianças com necessidades complexas de comunicação. 

Hermann é ainda personagem da cartilha “A Liga dos SuperDireitos: Super-Heróis em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência”, organizado pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e ABADEF (Associação Bajeense de Pessoas com Deficiência e Familiares). O jovem palestra em diversas instituições pelo sul do país sobre a importância da inclusão escolar e da Comunicação Alternativa e da Tecnologia Assistiva.

Cimone ressalta também que, atualmente, a família está na luta pela criação do Centro de Tecnologia Assistiva no Rio Grande do Sul, tema abordado em mesas de debate, como a realizada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência Tecnologia e Inovação, durante o Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2023, que contou com a participação do Secretário Estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, além de demais pessoas envolvidas no movimento pelos direitos da pessoa com deficiência. Confira: https://www.youtube.com/watch?v=Vx42kkALOiQ&t=2845s

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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