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Métodos de avaliação para o uso da Comunicação Alternativa (CA)

Foto de uma professora vestindo uma blusa vermelha, colares e brinco, de cabelos médios castanhos, orientando um aluno numa sala de aula. O aluno tem cabelos escuros e veste uma camiseta vermelha e está sentado em uma carteira escolar.

Os protocolos específicos de avaliação são imprescindíveis na hora da escolha dos recursos de Comunicação Alternativa (CA) mais apropriados às pessoas com necessidades complexas de comunicação (NCC). Segundo a Terapeuta Ocupacional, Aila Narene Dahwache Criado Rocha, Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Coordenadora do Laboratório de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Inclusão (LATAI) e Docente da Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Campus Marília), é preciso entender que o olhar da Terapia Ocupacional e de qualquer profissional que irá atender uma pessoa com NCC é de oferecer a ocupação como algo que torne as atividades e sua comunicação funcionais em seu dia a dia.

A terapeuta, especializada no atendimento a crianças, diz: “Partindo desse ponto de vista, primeiramente, devemos conhecer quem é essa criança e, para isso, costumamos dar escuta a quem está próximo a ela, como pais, cuidadores, avós (que, muitas vezes, estão com a guarda da criança ou porque os pais estão trabalhando). Neste momento inicial, entendemos todas as expectativas dessa família, se há algum tipo de resistência em relação à CA pelo equívoco de que a Comunicação Alternativa inibirá a sua fala ou que acreditam que ainda não é o momento mais adequado para a introdução da CA”, explica Aila. Por isso, segundo a especialista, quando a família é convencida dos benefícios da CA, caminha-se para o segundo passo, que é o de conhecer a criança em diferentes contextos (domicílio, escola, clínica, entre outros), qual sua faixa etária e como está seu desenvolvimento. “Iniciamos primeiro na clínica, onde colocamos a criança em um ambiente lúdico, deixando-a que explore, por livre e espontânea vontade, todo o local. Por meio dessas observações clínicas, entendemos como é a sua linguagem, como se comunica, como se expressa, o que ela compreende e como ela se expressa”, detalha Aila.

Ela ressalta ainda a importância de que o profissional responsável por essa avaliação inicial para implementação da Comunicação Alternativa tenha profundo conhecimento sobre desenvolvimento infantil, avaliando seu desempenho motor e o brincar. “Afinal, crianças de diferentes faixas etárias, dentro da questão da brincadeira, por exemplo, apresentam comportamentos totalmente distintos: de 0 a 6 anos, a criança se comunica por meio de atividades lúdicas”. 

Além disso, segundo Aila, os profissionais devem também conhecer os outros contextos, como o ambiente domiciliar e a escola da criança. “O ambiente escolar é o mais rico para o início do processo avaliativo. A partir daí, aplica-se o protocolo de avaliação de habilidades comunicativas, desenvolvido para o contexto escolar para que os profissionais saibam por onde começar a tomar as decisões quanto à escolha dos recursos mais apropriados. Há também a versão em domicílio, que é composta por uma lista de vocabulário. Porém, o que acontece é que, muitas vezes, criamos uma rotina rígida, mas nem sempre aquele vocabulário é interessante para aquela família”, explica a Terapeuta Ocupacional.

A especialista ressalta ainda que é preciso avaliar a estrutura física do recurso e quais habilidades da criança para estabelecer o vocabulário. “Tem crianças que chegam usando bem o tablet, mas, quando está iniciando a adaptação à CA com os recursos de Tecnologia Assistiva, introduzimos primeiro a baixa tecnologia. E, caso tenha condições de utilizar a alta, não aguardamos muito tempo para implementá-la. Eu sempre ressalto que a criança tenha condições de usar as duas, tanto a baixa quanto a alta, porque às vezes a alta tecnologia pode não funcionar, como acabar a bateria ou de repente precisar ir para a assistência técnica e não ter como substituir o dispositivo”, avalia a especialista. 

Além disso, ela ressalta que quando se inicia de cara uma adaptação de CA com a alta tecnologia, pode haver o risco da criança não querer tanto a baixa. “Outra observação é ir implementando a alta tecnologia de forma lúdica, com gameterapia, culinária. Um exemplo é fazer alguma receita com a criança para que ela consiga compreender a figura e o vocabulário, que passa a ter significado para ela, pois não adianta apenas disponibilizar os símbolos sem função para a criança e ela acabar se perdendo e se desestimulando a utilizar a CA. Por isso, gostamos de fazer sempre atividades funcionais, paralelamente à implementação, com recursos de baixa tecnologia, mas implementando em conjunto as atividades na alta tecnologia para que ele veja que pode fazer nas duas, concomitante”, exemplifica.

Desafios para a implementação dos métodos de avaliação

Entre as barreiras citadas por Aila que dificultam a implementação dos métodos de avaliação para uso da CA, estão: os pais, que não acreditam nos benefícios da CA, e segundo está no material das escolas, que precisam ser adaptados. “É necessário compreender os pais, ver o que entendem da comunicação do filho, qual o desejo que eles têm em relação à criança e, em seguida, observá-la em vídeos gravados praticando alguma atividade. Por outro lado, sabemos da condição do professor, que tem uma série de materiais que precisam ser feitos para a sala em geral e, quando precisam fazer algo específico de adaptação, a falta de tempo é crucial para esses profissionais, que, muitas vezes, são detentores de conhecimento sobre a CA”, explica Aila. No caso das escolas e dos professores, outro desafio, segundo a especialista, é o custo alto do material adaptado, como impressão e plastificação, que, nem sempre é custeado pela instituição de ensino.

A especialista cita ainda que seu método de avaliação teve alterações ao longo dos anos: “Há 10, 15 anos, eu acreditava que sempre deveríamos começar a introduzir a CA com pouco vocabulário. Ainda que saibamos que cada caso é um caso, hoje eu prefiro começar com um número grande de vocabulário e, além de dar função a ele, o ideal é escolhermos os principais que a criança precisa dominar. Às vezes, a criança tem um gasto grande de energia para utilizar algum recurso, por isso precisamos pensar também no tamanho do símbolo. Os terapeutas e profissionais precisam ainda avaliar os sinais da criança, sua iniciativa de comunicação e de que forma foi estabelecida a forma de comunicação com seus pais”, diz Aila.

Uma das estratégias mais eficientes no contexto escolar, de acordo com Aila, é fazer oficinas de música ou atividades que envolvam todos: “Uma sugestão é elaborar um mural grande para deixar o recurso disponível para a criança com NCC consiga se comunicar com as demais, o que gera a interação social. Porém, normalmente, as escolas deixam tais recursos guardados no armário, mas, é preciso lembrar que, nessas condições, nenhum sistema de CA terá funcionalidade”, explica a especialista.

A Terapeuta Ocupacional ressalta ainda que, muitas vezes, a pressa na implementação de um método de avaliação ofusca detalhes importantes, como os do contexto. “Não estar atento a esses detalhes pode levar ao erro e à frustração. Saliento que não tem problema o terapeuta errar, mas a frustração da criança e da família implica em uma questão mais séria, porque é preciso sensibilizá-los novamente para o processo avaliativo e ainda convencê-los dos benefícios da CA, após uma experiência negativa causada pelo profissional. Por isso, o ideal é não ter pressa e focar com calma nos tantos pré-requisitos que existem”, orienta a especialista.

Ela indica ainda que os profissionais convidem os pais para participarem das terapias. “Funciona mais do que falarmos apenas a teoria sobre os métodos de avaliação e os benefícios da CA. Quando eles participam das atividades mais lúdicas, como preparar alguma receita com seus filhos na cozinha com a gente ou da contação de histórias, eles percebem na prática como é a implementação da CA, o quanto o filho se diverte e está feliz – dessa forma, os pais vão se sensibilizando mais em relação aos benefícios da Comunicação Alternativa. Antigamente eu perdia bastante tempo na argumentação com pais resistentes, que nunca colocavam a CA como meta principal. Porém, os que colocam, normalmente, têm a expectativa da fala – o que é um equívoco, porque a comunicação compreende todas as formas de expressão, que vão muito além da oralidade. Por isso, é importante também esclarecer que não se trata de um processo rápido, pelo contrário, pois a criança está em desenvolvimento da linguagem, onde é preciso pensar na forma, no conteúdo e em sua função, sendo prioridade o quanto ela compreende daquele contexto, da imagem, signos. E, ainda que ela tenha uma boa compreensão, como usar tudo isso (forma), por exemplo. Vale frisar que no momento da implementação da CA, muitos profissionais ficam mais em contexto avaliativo do que oferecendo o modelo de como fazer.  Uma sugestão é ir na escola e levar o material adaptado aos professores, mostrando-lhes como fazemos”, diz.

A especialista cita o caso de uma professora que acreditava que um aluno com deficiência não conhecia as letras. “Levamos um relógio de Comunicação Alternativa que produzimos: utilizamos um motorzinho de um brinquedo e colocamos um acionador e uma figura com as letras. E, por meio dessa criação, ele escreveu todas as palavras, sendo um choque positivo para a professora, que acreditava que ele não acompanhava a sala. Essas vivências são importantes também para mostrarmos como fazer e adaptar os recursos às crianças com NCC, pois precisamos oferecer modelos de atividades aos professores e às instituições de ensino”, salienta Aila.

Para as famílias que precisam passar por um método de avaliação por onde iniciar a CA, a especialista sugere que busquem algum Centro de Reabilitação da Terapia Ocupacional de atenção à criança, vinculados aos estágios das universidades. Os moradores de Marília e região, podem entrar em contato com o grupo LATAI, que também oferece apoio e orientação às famílias: @latai.unesp

Foto de uma mulher jovem com cabelos longos e loiros. Ela veste um jaleco branco e está em uma sala de terapia.

Aila Narene Dahwache Criado Rocha* é Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Coordenadora do Laboratório de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Inclusão (LATAI) e Docente da Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Campus Marília). Possui Doutorado (2013) e Mestrado (2010) em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP/Marília (2013). Graduação em Terapia Ocupacional pelas Faculdades Salesianas de Lins (2001), Especialização em Terapia Ocupacional uma Visão Dinâmica em Neurologia (2004), em Psicopedagogia (2004), em Terapia de Mão (2006) e em Processos Educacionais na Saúde (2014). Certificate in Ayres Sensory Integration Collaborative for Leadership in Ayres Sensory Integration, CLASI, Estados Unidos (2017). Atua principalmente nos seguintes temas: Transtorno do Espectro Autista, Integração Sensorial, Tecnologia Assistiva, Comunicação Suplementar e Alternativa, Educação Especial, o processo de Inclusão numa perspectiva coletiva na comunidade e a formação de serviços em saúde e educação.

Redação Civiam

Entrevistas, histórias reais e conteúdo sobre diversos aspectos ligados às Tecnologias Assistivas e à educação na saúde.

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