
Hoje, 15 de fevereiro, é o Dia Internacional da Síndrome de Angelman, uma disfunção neurogenética rara que acomete um em cada quinze mil nascimentos, aproximadamente. São características típicas da síndrome o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, dificuldades de aprendizado, pouca ou nenhuma fala e questões ligadas ao movimento e equilíbrio.
Em resumo e para facilitar a compreensão, a Síndrome de Angelman é causada por um acidente genético no gene UBE3A, na região do cromossomo 15 materno, e foi identificada pela primeira vez em 1965 por um pediatra britânico, Dr Harry Angelman, daí a origem do nome da síndrome. O Dr. Angelman notou similaridades entre um pequeno grupo de crianças sem diagnóstico definido que estavam sob seus cuidados, indicando que elas tinham dificuldades semelhantes.
Como se trata de uma síndrome rara, muitas pessoas e até mesmo médicos não têm conhecimento da Síndrome de Angelman. Carol Aguiar, mãe de Liora, 12 anos (completará 13 em março), sabe bem as dificuldades do diagnóstico. Uma das referências sobre a Síndrome de Angelman no Brasil e no exterior, Carol enfrentou um difícil caminho desde os 4 meses de idade de Liora, quando os primeiros sinais começaram a aparecer. “Mas o pediatra nos acalmava, dizendo que eram normais, que o Zion, meu filho mais velho tinha sido muito precoce no desenvolvimento e que não tinha nada demais com a Liora. Porém, aos 9 meses, ela apresentava atrasos mais evidentes: sentava sem apoio, mas ainda não se sentava sozinha, entre outros”, relata. Mas os médicos ainda não conseguiam fechar um diagnóstico com exatidão. Aos 10 meses, Liora foi diagnosticada com hipotonia e começou a fisioterapia. Com 13 meses, a neurologista chegou ao diagnóstico de Atraso Global do Desenvolvimento e encaminhou a pequena para uma geneticista. Havia a suspeita de Síndrome de Willians, porque Liora era muito sorridente. “Comecei a pesquisar as diversas síndromes que causavam atraso global de desenvolvimento e então eu já não tinha dúvidas que era a Síndrome de Angelman o que ela tinha. Sugeri que ela testasse então para essa síndrome e em 2011, logo após ela completar 2 anos, a geneticista me ligou e disse “parabéns, você diagnosticou a sua filha””, diz Carol, que é mãe também de Ben.

Ao longo desses anos, Carol, que escolheu o nome de Liora após seu nascimento e que significa ‘minha luz’, diz não ser por acaso a escolha, que hoje ela tem certeza que revela a sua missão de vida: “A Liora é a minha luz e foi perdida no diagnóstico dela que eu acabei me encontrando”, revela Carol, que leva todo o seu conhecimento sobre a Síndrome de Angelman às pessoas por meio de grupos de discussão, workshops, cursos e palestras, além de oferecer informação e suporte a todas as famílias também sobre Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), fundamental para proporcionar a autonomia de pessoas com necessidades complexas de comunicação. “E nesses anos todos, eu aprendi e me ‘especializei’ em genética, terapias, Síndrome de Angelman e comunicação alternativa, ajudando pais, famílias, médicos e profissionais a melhor apoiarem pessoas que convivem com a síndrome”, explica Carol, que também é uma das co-fundadoras da Associação Angelman Brasil e atual presidente.
Em 2017, por conta do Dia Internacional da Síndrome de Angelman, Carol participou do programa Encontro com Fátima Bernardes, por sugestão do seu ex-cunhado, o rapper Marcelo D2, como pauta, que foi muito bem recebida pela apresentadora. Confira:
https://globoplay.globo.com/v/5654672/
Comunicação Aumentativa e Alternativa
“No final de 2010, quando ainda estávamos em investigação do diagnóstico da Liora, esperando o resultado dos exames para a Síndrome de Angelman, eu me conectei com várias famílias de Angelman do mundo todo por meio de um fórum on-line e de uma lista de e-mails. Em um desses grupos, conheci Mary-Louise Berthram, professora de educação especial australiana, que tinha quatro alunos com Síndrome de Angelman em sua turma, e todos usavam um livro PODD para se comunicar. Ela compartilhava suas experiências com seus alunos na nossa lista de e-mail. A partir dali comecei a me conectar com outras famílias que estavam começando a usar a CAA”, diz Carol. Além disso, em 2011, ela participou de um congresso de comunicação alternativa no Rio de Janeiro, promovido pela ISAAC-Brasil e, então, associou-se à entidade. “Fui a primeira familiar de uma pessoa que usa CAA a se associar ao capítulo brasileiro da ISAAC. Desde então comecei a fazer diversos treinamentos e a participar de várias conferências onde a CAA era abordada. Fui conhecendo grandes nomes da comunicação alternativa no mundo todo. Hoje eu chamo muitos desses profissionais de mentores e amigos”.
Para entender ainda mais sobre a CAA e sempre empenhada em se aprimorar, Carol fez o curso introdutório com a Gayle Porter, criadora do método PODD, e com Linda Burkhart em 2013. E não parou por aí. A mãe de Liora organizou em 2017 o workshop introdutório com a Gayle no Brasil: “Foi nesse workshop que formamos as treinadoras brasileiras do método PODD no Brasil, as fonoaudiólogas Alessandra Buosi e Mariane Alves Graciano”.
Mesmo utilizando há um tempo, ela conta que a família está continuamente se adaptando à CAA. “O uso da comunicação alternativa não é natural ou intuitivo. Estamos sempre aprendendo como podemos apoiar a comunicação multimodal e autônoma da Liora da melhor forma. Hoje nós vivemos longe da nossa família por morarmos nos Estados Unidos, por isso eles participam menos desse processo e têm mais dificuldade em usar o sistema de CAA da Liora. E em casa, apesar de já termos evoluído muito enquanto parceiros de comunicação, ainda temos muito o que melhorar. Eu uso o sistema dela o dia todo. O irmão caçula ajuda muito e curte usar o sistema também. Mas em casa ela prefere se comunicar com gestos, sinais e outras formas não apoiadas de comunicação e acho que isso acaba influenciando na “preguiça” de modelar do resto da família”, esclarece.
Quanto aos recursos utilizados para facilitar a comunicação, Liora tem um iPad dedicado para seu sistema de comunicação, enquanto Carol utiliza um iPad dedicado para modelagem e ainda há o aplicativo de CAA instalado em um terceiro iPad, além de vários livros PODD impressos e outros recursos, como pranchas de vocabulário essencial que ficam espalhadas pela casa em pontos estratégicos.
Mentorias, grupos, treinamentos e cursos
Carol brinca que passou a ensinar a CAA de forma “acidental”. “Em 2020, numa live do ComunicaTEA, a fonoaudióloga americana Deanna Wagner mencionou o treinamento Model as a MASTER PAL, desenvolvido pela Tabitha Jones-Wohleber, também fono. O material do treinamento está disponível de forma gratuita no blog PrAACtical AAC. Eu já tinha visto o material antes, mas nunca tinha explorado a fundo. Então montamos um grupo de estudos e eu traduzi todo o material e fiz a facilitação. Era pra ser uma brincadeira entre amigas, mas uma convida a outra, que convida a outra e acabei montando dois grupos simultâneos, que eram uma mistura de profissionais de diversas áreas, a grande maioria eram fonoaudiólogas, além de muitas famílias. A ideia inicial era que eu facilitaria os dois primeiros grupos e depois, novos facilitadores montariam outros, sempre de forma gratuita. Porém, ao final dos dois grupos, ninguém se prontificou a facilitar novas turmas. Então, em 2021 muita gente me procurou perguntando se teriam novas turmas do grupo de estudos e foi assim que comecei a ensinar CAA. Hoje, apesar de ainda seguir o roteiro do MASTER PAL original, eu acrescentei muito material suplementar que não estava na versão inicial. Compartilho também muito da minha vivência com a Liora e nossos anos de experiência com a CAA, além de abordar assuntos como inclusão, direito da pessoa com necessidades complexas de comunicação e capacitismo. Eu ainda compartilho muito o que aprendo na minha militância no grupo JUntos, do qual sou coordenadora”, explica.
Dessa forma, Carol, que mora com a família em San Diego (EUA), precisa se desdobrar entre a rotina dos cuidados da casa e da família, com a agenda para facilitar os diversos grupos de estudos, como o Modele como um MASTER PAL, além de organizar encontros de famílias em parceria com o ComunicaTEA, no Projeto TroCAA, e promover workshops internacionais, também em parceria com o ComunicaTEA, no Projeto CAApacitação. Além disso, está preparando um novo curso com foco nas famílias com previsão de lançamento para o segundo semestre deste ano. Os interessados para mais informações: @agentesecomunicaa/
Ela é também uma das co-fundadoras da Associação Angelman Brasil, da qual é atual presidente. “Começamos promovendo pequenos simpósios informais sobre a síndrome e em 2019, no segundo encontro que promovemos, decidimos formalizar a associação para expandir nossas ações”, diz. Conheça a associação:
https://angelmanbrasil.org.br/
https://www.instagram.com/angelmanbrasil/
Com toda a sua expertise em tudo que envolve a Síndrome de Angelman (SA) e em CAA, Carol deixa uma mensagem às mães que receberam o diagnóstico recente de um filho com SA: “Não espere! Comece a usar a CAA hoje! Nunca é cedo demais e nunca é tarde demais para começar! Acredite no potencial do seu filho e ofereça oportunidades que com certeza ele vai te surpreender!”.
No dia 17/2, às 14h, a Carol participará de uma live pelo Instagram da Civiam para falar sobre a Síndrome de Angelman e contar mais sobre a sua história e da Liora. Participe!