
Se o tema sexualidade já é um tabu na sociedade de forma geral, é menos abordada ainda com pessoas com deficiências durante os atendimentos terapêuticos. “É fundamental que o terapeuta ocupacional aborde a questão em seu atendimento, porque, segundo a Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA), a atividades sexual é uma das atividades da vida diária, que é um dos focos da nossa profissão e também o que nos direciona para o levantamento das demandas básicas do paciente. Além disso, por sexualidade entende-se que não é só o ato sexual em si, mas tudo o que envolve a interação com o outro, como as carícias, o afeto e as relações sociais”, explica a terapeuta ocupacional Letícia Caroline Kaspchak de Sá*.
De acordo com ela, é comum os próprios profissionais da reabilitação excluírem a sexualidade dos atendimentos a pacientes com deficiências, principalmente porque, muitas vezes, não se sentem preparados e à vontade para lidar com a temática. Porém, pelo fato da sexualidade ser intrínseca à qualidade de vida do indivíduo, é preciso que, se o profissional sente insegurança com o assunto, busque estudar a fundo sobre a temática antes dos atendimentos para garantir maior autoconfiança e, então, conduzir o tratamento com os pacientes. “Além disso, é preciso ter também discernimento para saber qual o momento mais adequado para abordar a questão, como, por exemplo, se o paciente está com uma lesão recente, que é considerada a fase aguda, claro que deve-se aguardar o paciente conseguir ressignificar esse momento, pois a prioridade é que ele consiga lidar com a sua condição. Vale ressaltar que o terapeuta saberá a hora certa de abordar o tema da sexualidade quando criar um vínculo com o paciente, que se sentirá também mais à vontade e confortável para relatar ao profissional as temáticas mais delicadas”, orienta a terapeuta.
De acordo com Letícia, o que é preciso entender é que, mesmo que haja algum tipo de prejuízo físico, seja decorrente de alguma deficiência congênita, seja por alguma lesão causada por acidente, a pessoa não deixa de ser sexualizada. “Ela tem desejos de se relacionar como qualquer outra pessoa e essa vontade deve ser respeitada, ao invés de ser privada dessa vivência, pois faz parte do seu bem estar. E no processo terapêutico, a sexualidade deve ser ressignificada e adaptada da melhor forma a cada condição e cabe ao profissional mostrar e estudar os avanços da medicina em relação a fármacos, posições mais confortáveis, dispositivos e equipamentos que melhorem a experiência dos pacientes e, assim, proporcionar mais qualidade de vida em relação à sua vida sexual”, explica a especialista.
Para ela, a presença e a participação dos companheiros e familiares no processos é de suma importância. “Caso o paciente tenha esposa ou namorada, por exemplo, a compreensão sobre a condição do parceiro e as novas possibilidades de explorar novos caminhos sexuais juntos contribui de forma muito positiva ao tratamento e à satisfação não apenas do paciente, mas do casal”, orienta Letícia.
É o caso de um jovem de 19 anos com lesão medular devido a um ferimento por arma de fogo atendido pela terapeuta: junto com a namorada, conseguiu ressignificar a nova condição, de modo a poderem explorar de forma diferenciada regiões com sensibilidade e condição motora preservadas e, assim, manterem a atividade sexual do casal.
A especialista relata ainda que atendeu também um paciente com Mielomeningocele, que é uma malformação congênita da medula espinhal, que afeta as funções motoras e sensoriais de membros inferiores e também pode causar alterações no sistema urinário e genital. “Foi feito um longo processo de vínculo, porque o paciente tinha dificuldades de se relacionar com as mulheres, com receio de como iriam compreender a especificidade da sua condição, além da questão da autoaceitação. Então o que trabalhei foi um profundo autoconhecimento de exploração primeiro do próprio corpo: quais regiões ele gostava de ser tocado, quais regiões eram mais sensíveis, como ele gostava de ser tratado, quais posições seriam melhores para ele, como iria lidar com a questão de uma possível perda urinária durante o ato sexual e outros fatores que iriam surgindo com o tempo. E, a partir disso, foi possível que ele pudesse ter uma motivação e autoconfiança para que ele pudesse dar passos além para poder ter segurança de falar para a pessoa com quem se envolvia sobre a sua condição e a forma como tudo poderia funcionar para que fosse bom para ambos”, explica Letícia.
Segundo ela, vale frisar que os terapeutas ocupacionais devem também direcionar os pacientes, quando necessário, a fisiatras e urologistas, que também estão aptos a ajudar esses pacientes. “Oriento ainda que os terapeutas encaminhem os pacientes aos psicólogos para que tenham um atendimento completo para essa área tão importante e presente em todos as pessoas que é a sexualidade, compreendendo que eles também têm o direito de poder vivenciá-la e melhorar o seu desempenho diariamente como qualquer pessoa, independente da sua condição física”, ressalta.

*Letícia Caroline Kaspchak de Sá é graduada em Terapia Ocupacional pela UFPR, com pós-graduação em Neurologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Atende em Curitiba pacientes neurológicos em todas as fases da vida.