Lembre-se de quando você aprendeu a ler. Naquela fase, você já tinha reunido muitos conhecimentos de alfabetização pelos seus primeiros anos de vida. Você olhava para imagens para reforçar o entendimento do significado. Você usava sua fala para pronunciar os sons das letras, para separar palavras e juntá-las outra vez. Você brincava de rimar (flor, cor, calor, amor). Mesmo hoje em dia, você talvez pronuncie palavras mentalmente ou em voz alta quando se depara com uma que ainda não conhece. A fala pode ser uma ferramenta útil quando se está lendo e quando se está aprendendo a ler.
Light and McNaughton (2009) resumiram pesquisas disponíveis e notaram que pessoas com dificuldades severas de comunicação que usam Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) não tiveram, historicamente, o benefício do ensino à leitura. Estas pessoas tipicamente leem e escrevem em níveis bem menos desenvolvidos, e muitas nem sequer têm habilidades básicas de alfabetização. Esta informação nos leva a perguntar o seguinte:
Pessoas com dificuldades severas de comunicação podem aprender habilidades de alfabetização?
Sabemos que a habilidade de brincar com sons e palavras em voz alta é benéfica no aprendizado da leitura. Sabemos também que comunicação, linguagem e habilidades de alfabetização se desenvolvem em cooperação mútua (Sturm & Clendon, 2003). Mas será que tais fatores são suficientes para impedir que alguém com dificuldades severas de comunicação aprenda a ler e a escrever?
A resposta é fácil: não! Por todo o mundo, existem pessoas que aprenderam a ler e a escrever mesmo com alguma dificuldade severa de comunicação. Estes indivíduos falam idiomas diferentes e estão em condições diferentes, mas todos têm habilidades de comunicação que os possibilitam ter empregos e se formar na universidade – que os possibilitam ser funcionais de maneira independente. Estas pessoas usam a leitura diariamente para o aumento de sua participação e potencial.
Já que é possível para estas pessoas ler e escrever de maneira independente, devemos olhar para outros fatores para entender o motivo da diferença de alfabetização entre elas e pessoas sem dificuldades severas de comunicação. Há dois fatores que contribuem para tal contraste: diferentes oportunidades ao ensino da alfabetização e o tipo de instrução oferecido.
Koppenhaver’s (2000) resume três estudos que indicam que “o aprendizado da alfabetização inicial das crianças pareceu muito menos dependente da capacidade cognitiva do que das oportunidades de aprendizagem, de modelagem de possíveis usos de materiais impressos e símbolos de comunicação, e acesso a texto e tecnologias de suporte”. Abordar as oportunidades de instrução à leitura para pessoas com dificuldades severas de comunicação é uma questão além deste texto. Entretanto, podemos dizer que em muitos países isto está melhorando, e ainda há espaço para crescimento.
Vamos considerar o tipo de instrução oferecido. A Dra. Janice Light e o Dr. David McNaughton (2012a, 2012b) fizeram isso enquanto desenvolviam o currículo do Accessible Literacy Learning (ALL, em breve disponível no Brasil). Usaram instruções de alfabetização baseadas em evidências e as ajustaram às necessidades de pessoas com dificuldades severas de comunicação – ao eliminar a necessidade de respostas faladas; ao proporcionar análise sistemática de erros (o que é normalmente feito com base em respostas verbais); e ao oferecer métodos para compensar a falta de oralidade/treino. A pesquisa que fizeram mostrou que pessoas de diferentes faixas etárias e habilidades obtiveram ganhos significativos nas seguintes áreas (usando os métodos de ensino/instrução prescritos no ALL):
- Correspondência entre letra e som
- Habilidades de fonologia (mistura de sons, fonemas, segmentação)
- Decodificação de palavras avulsas
- Leitura de palavras repetitivas (‘ele’, ‘ela’, ‘com’, etc)
- Generalização do uso das habilidades de decodificação em atividades de leitura compartilhada
Isto nos mostra que pessoas com dificuldades severas de comunicação podem adquirir habilidades de alfabetização. O Core First Learning é uma abordagem única, porque ele tem o foco de aumentar o desenvolvimento da linguagem e da alfabetização. E foi construído sobre uma estrutura de práticas baseadas em evidências – e a ênfase de que o aprendizado da alfabetização e da linguagem conceitualmente reforçam um ao outro. (Erickson & Koppenhaver 1997)
Apesar de muitos fatores influenciarem o progresso individual da alfabetização, a pesquisa de Light and McNaughton responde à nossa pergunta. Sim, pessoas com dificuldades severas de comunicação podem adquirir habilidades de alfabetização.
Referências
Koppenhaver, D.A. (2000). Literacy in AAC: What should be written on the envelope we push?. Augmentative and Alternative Communication, 16, 270-279.
Light, J. & McNaughton, D. (2009). Addressing the literacy demands of the curriculum for conventional and more advanced readers and writers who require AAC. In G. Soto & C. Zangari (Eds.), Practically Speaking: Language, Literacy, & Academic Development for Students with AAC Needs (pp. 217-246). Baltimore, MD: Brookes Publishing.
Light, J. & McNaughton, D. (2012a). Literacy instruction for individuals with autism, cerebral palsy, Down syndrome and other disabilities: Research results. Retrieved at: http://aacliteracy.psu.edu/index.php/page/show/id/12/index.html.
Light, J. & McNaughton, D. (2012b). Literacy instruction for individuals with autism, cerebral palsy, Down syndrome and other disabilities: Student success stories. Retrieved at: http://aacliteracy.psu.edu/index.php/page/show/id/2/index.html.
National Institute for Child Health and Development (NICHD) (2000) Report of the National
Reading Panel: Teaching children to read (Report of the Subgroups). Bethesda, MD:
National Institutes of Health.
Sturm, J.M., & Clendon, S.A., (2003). Augmentative and alternative communication, language and literacy. Topics in Language Disorders, 24 (1), 76-91.