Por Ana Kleya Visgueira Teixeira*

Desde o início do isolamento social, muitos profissionais foram desafiados a redimensionar sua prática. A verdade é que não estávamos preparados para uma mudança tão repentina! O primeiro questionamento para muitos foi: “E agora, como vou atender as crianças portadoras de deficiências? Como vou inserir conteúdos acadêmicos no atendimento e ter certeza de que essa criança está compreendendo? Se está evoluindo no processo de alfabetização? que estratégias, ferramentas poderei utilizar?”.
Estabelecer objetivos e ensinar repertórios acadêmicos a crianças portadoras de alguma Necessidade Educativa Específica (NEE) de forma presencial já é desafiador, imagine por teleatendimento. Antes de qualquer tomada de decisão, precisamos ter convicção de que estamos experimentando um momento bem atípico e que a família apesar da sobrecarga de tarefas, continua sendo uma parceira imprescindível. Uma outra coisa que não podemos deixar de citar é o conhecimento que o profissional deve ter a respeito do seu aluno: seus interesses, potencialidades, dificuldades e quais objetivos e repertórios são realmente relevantes para serem ensinados nesse momento.
O público-alvo da educação inclusiva é bem diversificado, principalmente no que diz respeito às condições e limitações de cada um deles, o que torna o teleatendimento ainda mais desafiador. Talvez um recurso que seja eficaz para o João não seja para o José. Ou o José tenha um tempo de atenção melhor em frente ao computador e o João não. O João utiliza a comunicação alternativa para se comunicar, o José se comunica verbalmente. E por essa rota de alinhamento, segue-se estruturando um plano ou programa específico e individualizado considerando o contexto coletivo desse aluno. Mas espera aí, como fica a questão do currículo e o Plano de Ensino Individualizado desses alunos? Como vou fazer para seguir e atingir objetivos antes propostos?
Esse “rearranjo” que está acontecendo no sistema educacional está nos fazendo investir de forma decisiva e incisiva a respeito das condições de acesso ao currículo e ao ensino.
Os princípios norteados pela LDB 9394/1996 (Lei Diretrizes e Bases da Educação) esclarecem uma mobilização na estruturação de ações e recursos necessários que promovam esse acesso ao ensino e respeitando as especificidades da aprendizagem de cada um. E a adequação curricular tem significado de flexibilidade podendo haver alterações e/ou modificações no programa desse aluno. E é só isso? Claro que não!
Os redimensionamentos nos teleatendimentos começam com o fortalecimento do diálogo com a família, planejamento pedagógico prevendo objetivos relevantes, estratégias, recursos visuais, etc. À medida em que forem testando esses elementos podem também ir surgindo outros desafios, mas lembrem-se da flexibilização que o currículo nos permite e vão ajustando. É importante ter um olhar sensível à realidade em que estamos vivendo e a oportunidade de expor esse aluno ao aprendizado mesmo que seja de forma remota. Mas que tipo de propostas podemos utilizar com essas crianças com NEE’s?
Dentre muitas estratégias e recursos podemos citar: vídeos, imagens de interesse da criança; jogos que incluam alguma habilidade em desenvolvimento (atenção, memória, escrita, raciocínio, comunicação e linguagem, entre outros); construção de recursos em colaboração com a família; utilização de plataformas digitais que favoreçam compartilhamentos de telas e controles do mouse/cursor pelo aluno. Mas isso não é regra.
Cada criança corresponde ao uso desses recursos de forma diferenciada e o profissional precisa discernir e redirecionar isso. Alguns desses alunos necessitarão de pranchas visuais de Comunicação Alternativa (CA)**, de ferramentas de controle ocular, de apoio ou de assistente terapêutico para realizar esse teleatendimento.
O olhar colaborativo de todas as pessoas envolvidas nesse processo fará muita diferença nesse tempo de ensino e processo de aprendizagem. Valorizar as potencialidades, o bem-estar desse “ser integral” e respeitar seus limites são aspectos a serem considerados em todas as ações a serem propostas.
Aproveito para compartilhar aqui com vocês uma experiência de teleatendimento com uma criança com NEE’s. O aprendente, portador de Paralisia Cerebral com movimentos motores e comunicação verbal bastante limitados, para responder (de forma visual) utiliza alguns recursos de CA: Ipad e também possui o software de rastreamento ocular no seu notebook. Porém, o primeiro atendimento foi tímido e receoso. Pensava que seria impossível fazer uma sessão em que pudesse ser satisfatória pela plataforma zoom e só utilizamos o Ipad para respostas de SIM e NÃO. Mas eu passei a semana inquieta e, então, no segundo atendimento resolvi testar (sem acreditar muito) no compartilhamento de tela o controle do mouse para ele (que, no caso dele, suporte de controle ocular). Planejei antecipadamente o conto de uma história e algumas questões de compreensão e interpretação onde as respostas estavam organizadas em arranjo de dois estímulos para facilitar o rastreio dele e a minha observação também. Depois de explicar a proposta e solicitar a ele que escolhesse a resposta correta, fui surpreendida. Nossa!!! Eu vibrei de felicidade ao verificar o mouse sendo controlado por ele e ainda, respondendo de forma correta ao que eu havia solicitado! A partir de então, ele passou a realizar suas avaliações também pelo mesmo processo. Os arquivos são salvos antecipadamente no seu computador pela acompanhante terapêutica e eu e a professora acompanhamos e avaliamos as respostas! Formidável, não é?
Gosto de relatar esse fato sempre que tenho a oportunidade, sabe por quê? Porque, muitas vezes, limitamos nossas ações por medo e insegurança sem ao menos tentar! Sempre vamos encontrar desafios, uns menores e outros muito maiores. Talvez estes sejam os que estejamos precisando para mudar de rota, dinâmica ou estratégia e crescermos como profissionais. Ensinar repertórios acadêmicos exige de nós criatividade, planejamento, mas também persistência, constância! Acreditar que é possível e perceber que alguém do outro lado da telinha vai se beneficiar disso te impulsiona a buscar novas estratégias. Claro que nem sempre vamos obter êxito, porque existem muitas variáveis que mudam conforme o ambiente, mas até o “não foi dessa vez” que nos deparamos, é uma resposta positiva a nosso favor. Assim, percebemos que não somos super-heróis e que precisamos do suporte e conexões com outros profissionais de áreas afins, da equipe multidisciplinar para nos construirmos como pessoas e nos ajudar em nosso fazer! Ter um coração e mente ensináveis nos deixam mais vulneráveis e capacitados para ajudar outras pessoas, também!

*Ana Kleya Visgueira Teixeira é Pedagoga pela UFPI, Especialista em Psicopedagogia (UVA) e Análise do Comportamento Aplicada (Faculdade Inspirar). Trabalha como terapeuta na clínica Singular, psicopedagoga na sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE) em escola particular da Rede Jesuíta de Educação (DIOCESANO INFANTIL) e professora de graduação e pós-graduação de uma faculdade local. Áreas de estudos, aperfeiçoamento e interesses: Educação inclusiva, PECS, Tecnologia Assistiva, Adaptação Curricular, Ensino Estruturado, Plano de Ensino Individualizado- PEI.
REFERÊNCIAS: BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nova LDB (Lei n. 9.394). Rio de Janeiro: Ed., 1997.
**Nota: Há variações em relação à comunicação alternativa. Em algumas regiões, pesquisadores e profissionais utilizam CAA (Comunicação Alternativa e Ampliada), em outras, o termo mais usado é CSA (Comunicação Suplementar Alternativa). Por isso, consideramos todas as variações corretas.