
A música é utilizada para diversas finalidades, seja para ajudar na concentração de quem precisa estudar, seja como estímulo para a prática esportiva, seja para trazer a sensação de tranquilidade e paz para processos meditativos ou simplesmente para animar o ambiente entre amigos. Porém, apesar de ser ainda vista pela grande maioria das pessoas como entretenimento ou apenas uma ferramenta de alívio de estresse ou para gerar animação, a música com a finalidade terapêutica traz inúmeros benefícios que ainda são pouco conhecidos e, portanto, pouco valorizados.
A musicoterapeuta Queila de Oliveira, Especialista em Intervenção em Neuropediatria e Educação Musical, formada na Abordagem Plurimodal de Musicoterapia e Abordagem Biomédica de Musicoterapia, fellow em Musicoterapia Neurológica, explica que os resultados da modalidade são bastante evidentes em pessoas que apresentam enfermidades neurológicas com disfunções cognitivas sensoriais e motoras. “A Musicoterapia Neurológica foi desenvolvida por Michael Thaut, por meio de pesquisas realizadas sobre o efeito da música no ser humano e como isso pode influenciar em condutas não-musicais, como a fala, por exemplo. No processamento cerebral existem áreas específicas para funções motoras, sensoriais, de linguagem, entre outros. Mas, sabemos que a música age em várias regiões do cérebro, fazendo com que haja processos musicais paralelos, similares ou compartilhados em áreas responsáveis pela fala, mas de modo independente de onde a lesão neurológica ocorreu. É por isso que o paciente pode responder à música e criar novas conexões cerebrais (neuroplasticidade), o que explica o que acontece muitas vezes com a Musicoterapia em pacientes com Alzheimer, que podem resgatar memórias ao ouvir determinadas músicas que tiveram algum significado emocional à pessoa, pois as memórias musicais podem estar preservadas e a terapia com música ajuda a resgatá-las, mesmo que por alguns instantes”, diz a especialista.
Queila ressalta ainda a importância do atendimento do musicoterapeuta juntamente com as demais áreas que estiverem envolvidas no atendimento ao paciente. “As respostas motoras diante do uso da música se tornam mais estáveis e, por esse motivo, faz todo sentido o atendimento interdisciplinar entre Fisioterapia e Musicoterapia, por exemplo, em um trabalho com marcha (movimento de andar do paciente). O musicoterapeuta tornará o atendimento mais eficaz, pois encontrará, por meio do ritmo, o tempo certo que contribuirá para a melhor organização da marcha”, esclarece.
A terapeuta enfatiza ainda os benefícios da Musicoterapia Neurológica às pessoas com deficiência na fala: “Na área de linguagem vemos ótimos resultados com afásicos, pois apesar da lesão estar no hemisfério esquerdo (onde estão as funções relacionadas à linguagem), a melodia é processada no hemisfério direito e, por isso, a Musicoterapia acessa áreas que não foram lesionadas e, consequentemente, ajuda o paciente a falar. Exemplo disso pode ser observado em gagos, que apresentam o problema na hora de falar, mas deixam de gaguejar quando cantam alguma melodia. Além disso, a terapia com música é excelente para trabalhar a cognição, melhorando a atenção de crianças com distúrbios de aprendizagem e hiperatividade”, diz a especialista.
Queila explica ainda que apesar de hoje haver maior reconhecimento da terapia por parte das famílias de pacientes com necessidades complexas de comunicação, existe ainda uma confusão entre Musicoterapia e educação musical ou da Musicoterapia como terapia de entretenimento. “Ao meu ver isso também é responsabilidade do musicoterapeuta de divulgar mais o seu trabalho e mostrar resultados para os pais e profissionais com quem trabalha, conquistando reconhecimento e respeito aos poucos. Já escutei até mesmo de profissionais de outras áreas com quem trabalhava em conjunto, que a Musicoterapia era boa, porque enquanto a profissional atendia, eu distraía a criança. Simplesmente fui mostrando o meu trabalho aos poucos e essa profissional foi a que passou a indicar mais pacientes para o setor, pois viu os resultados”, explica.
A especialista ressalta que a música deve ser trabalhada com cuidado, ao contrário do que muitas famílias imaginam ao pensarem que basta colocar qualquer música em casa para a criança, que estará aplicando Musicoterapia. “A música envolve fatores biopsicossocial e emocional. Por isso, o musicoterapeuta realiza uma entrevista sonoro-musical, pois além dos conhecimentos sobre as funções neurológicas da música, há o fator da vivência emocional de cada pessoa”, ressalta. Queila compartilha também um acontecimento para alertar as pessoas sobre a importância do uso da música com muita cautela: “Lembro-me que quando me formei atendi um caso de uma criança com deficiência que estava bem chorosa e agoniada no dia, parecia estar com dor. Lembrei-me que na faculdade aprendemos sobre o uso de sons de água e batimento cardíaco para levar a pessoa a um estado uterino e relaxar. Já havia aplicado essa técnica e havia sido super funcional, mas quando fui aplicar nessa criança ela piorou, tendo a sensação de falta de ar. Tive que modificar a técnica e tentar organizá-la de outra forma. Depois, conversando com a mãe, descobri que ela havia tentado abortar várias vezes durante a gestação, ou seja, ao invés de ajudar a paciente, acabei agravando a situação por não ter perguntado à mãe sobre como tinha sido a gestação daquela criança. Ou ainda: se estou com uma criança que sofreu uma lesão e está com aparelhos respiratórios, tenho que observar a frequência cardíaca e a respiração para aplicar a música correta, observando as reações dela à música de forma que não traga uma hiperventilação ou anoxia, por exemplo. É o caso também de pacientes espásticos, que, dependendo da música, o padrão de espasticidade pode ser reforçado. Exatamente por isso que os pais precisam ter cuidado e não acreditar que colocar qualquer música ou ritmo em casa será benéfico à criança”, ressalta.
Musicoterapia e Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): uma combinação funcional
Queila diz que passou a utilizar a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) em 2015, quando começou a atender uma criança com Síndrome de Rett. “Tive o primeiro contato com os recursos da alta tecnologia, por meio da Tobii Dynavox e, na época, a paciente, que tinha 2 anos, havia acabado de iniciar o uso do PODD. Dali em diante é que eu passei a me envolver cada vez mais com a tecnologia assistiva por acreditar que ela pode dar mais autonomia aos meus pacientes”, explica.
E desde então, passou a utilizar cada vez mais recursos de alta tecnologia em seus atendimentos: “Com o uso da música junto a tecnologia assistiva, eu consigo despertar o aumento de alerta na atividade através de uma aprendizagem ativa onde mesmo o paciente não-verbal consegue cantar, acompanhando a letra com o olhar, com o dedo ou mesmo utilizando algum programa que aciona a canção por meio de algum acionador ou do controle ocular, por exemplo, de forma motivadora”.
E complementa: “Vale lembrar que a música é uma constante na vida da criança e que a maioria delas, antes de falar, começa a cantoralar e dançar assistindo seus vídeos musicais prediletos. Quando falamos de desenvolvimento normal da linguagem, as crianças também começam a cantar os finais das frases das canções e, algumas vezes, têm dificuldades de falar uma palavra que na música ela consegue normalmente. Da mesma forma acontece com crianças com deficiência, como autistas, por exemplo, que aprendem a cantar músicas inteiras antes de falar funcionalmente”, explica a especialista.
“Gabriel nasceu de 6 meses, tem paralisia cerebral nível IV, e é muito consciente da deficiência e das dificuldades que ele possui, o que não o impede de correr atrás dos seus objetivos. Uma das maiores dificuldades que Gab tinha era a concentração, porque ele não conseguia se concentrar mais de um minuto, o que gerava um déficit de aprendizagem muito grande. Foi quando conhecemos a Queila e iniciamos a Musicoterapia e a mudança foi inacreditável, além de rápida e prazerosa. Ele melhorou na escola, nas atividades físicas, nas terapias, em tudo. Hoje assistimos a filmes inteiros, brincamos com jogos e mesmo sem a fala, através da comunicação alternativa, temos longas conversas. E, com certeza, atribuo toda essa melhora de concentração ao resultado das sessões de Musicoterapia!”, diz a mãe de Gabriel, Elaine Lacerda dos Santos.

Andrea Magalhães da Costa, mãe do Joaquim Magalhães Pinto, também relata os benefícios da terapia com música em seu filho: “A Musicoterapia utiliza de sons, ritmos, melodia e harmonia para aguçar a sensibilidade e interação do Joaquim com o mundo. Através do olhar ele consegue fazer escolhas, tocar notas musicais e se comunicar com a gente através do computador. A musicoterapeuta Queila é bem versátil e utiliza vários recursos terapêuticos, como: instrumentos musicais, cores, símbolos, computador e juntamente com a terapeuta ocupacional fazem um trabalho multi sensorial com o meu filho, deixando-o mais alerta, prestando atenção e ajudando no humor e até na intenção de movimentos com os braços e cabeça. É uma terapia muito rica e importante pro desenvolvimento neuro psico motor e para a reabilitação do Joaquim”, diz.
Além disso, segundo Queila, os benefícios com a Musicoterapia, muitas vezes, são observados na rotina dos pacientes e não apenas durante a sessão da terapia com música. Ela compartilha alguns casos relatados em seus atendimentos: “Fico muito feliz quando os pais chegam até mim e dizem perceber que a Musicoterapia contribuiu para melhora da atenção do filho na escola, mudança notada até pela professora que chega a perguntar para a mãe o que os pais mudaram na rotina da criança e, então, eles falam do início da Musicoterapia. Outro caso é de um menino de 5 anos que havia tido um tumor cerebral e, após a cirurgia, apresentou dificuldades em organizar a fala, brincar, comer, entre outros. Por meio da improvisação musical começamos a organizar as palavras e a sequência das atividades que ele fazia cantando. A mãe um dia me contou que ele estava conseguindo fazer as coisas em casa através da música. Anos depois os reencontrei e descobri que ele tinha ganhado uma bateria e estava estudando. Outro paciente foi considerado surdo profundo nos exames que havia feito e na Musicoterapia ele começou a responder através de som, inclusive conseguindo falar algumas palavras e cantar o trecho final da música de forma afinada, comprovando que não era surdo profundo e hoje utiliza o PODD para se comunicar. Outro caso é de uma paciente que não gostava de andar na esteira. Comecei a trabalhar com ela a improvisação cantada sobre os seus sentimentos em relação à esteira e começamos a modificar a letra até que ela aceitou fazer a atividade no equipamento. Hoje trabalhamos a organização da marcha no tempo da música com participação ativa da paciente, que até faz encenações caminhando na esteira! São inúmeros os exemplos que eu poderia dar sobre os benefícios da Musicoterapia e costumo dizer que quanto mais cedo a intervenção acontecer, melhor será para o paciente, pois a música é, sim, uma ferramenta maravilhosa para o desenvolvimento do cérebro, pois é ele que comanda tudo o que fazemos”, enfatiza a especialista.

A musicoterapeuta faz atendimento domiciliar e os interessados devem entrar em contato pelo WhatsApp (11) 96775-6650. Ela atende também na Clínica Viva Neuroreabilitação, localizada na Avenida Ibirapuera, 680, em Moema, São Paulo. Instagram: @mt.queila
Musicoterapia: uma terapia que beneficia todos
Na visão do musicoterapeuta Pedro Della Rosa, que cursa pós-graduação em Neurociência e Psicologia Aplicada, a Musicoterapia deveria ser reconhecida pelas pessoas com a mesma importância que a terapia convencional, com psicólogos. “Pelos benefícios que a Musicoterapia traz, acredito que as pessoas também deveriam buscá-la como forma de trabalhar a saúde emocional, assim como as demais terapias que normalmente são buscadas. Afinal, a Musicoterapia acessa, de forma holística e até espiritual, estados emocionais de uma forma lúdica, utilizando outros recursos, como a imaginação, a dança, às vezes o desenho e a arte”, explica.
Por esse lado terapêutico da música, que Pedro escolheu a carreira. “Desde pequeno eu sempre gostei de música e sempre tive disposição para querer ajudar as pessoas, por eu ter uma certa empatia com o próximo. Quando eu descobri a Musicoterapia e um método chamado Sound Healing (cura através do som), eu me identifiquei ainda mais com a profissão. A partir daí, fui buscar outros conhecimentos na área, como outro método com o qual eu também trabalho hoje em dia, chamado massagem de som, de Peter Hess, que utiliza os sons e as vibrações de Taças Terapêuticas que levam seu nome. E fui vendo quão bonito é o propósito da Musicoterapia e, principalmente, o seu potencial para ajudar e fazer a diferença na vida das pessoas”, explica o musicoterapeuta.

Atualmente Pedro trabalha atendendo pessoas com deficiência. “Por eu ver diariamente os benefícios da Musicoterapia e as melhoras na evolução de pacientes autistas, com paralisia cerebral, com síndromes ou doenças degenerativas, entre outros, é que eu sou ativista de que todas as pessoas – as neurotípicas também – deveriam buscar essa terapia como ferramenta de desenvolvimento pessoal”, enfatiza.
Assim como Queila, Pedro ressalta a importância da atuação da Musicoterapia juntamente com as demais terapias aos pacientes e o reconhecimento de sua importância por parte das famílias: “Às vezes a criança faz quarenta horas semanais de clínica e quando chega na Musicoterapia, ela continua trabalhando as questões que precisa para o seu desenvolvimento, mas por meio da diversão com a música, seja cantando, seja dançando. E esse é o lado mais bonito da Musicoterapia, que, na grande maioria dos casos, acelera os resultados das demais terapias, mas com leveza, pois, muitas vezes, essa criança já está cansada da rotina incessante de terapias. É aí que as famílias passam a entender que a Musicoterapia é tão importante quanto os outros atendimentos, pois, por meio da música, nós também acessamos e trabalhamos estímulos, ritmo, coordenação motora, movimento e, por isso, reforço também a importância do trabalho em conjunto com os outros profissionais envolvidos no atendimento do paciente”, explica.

O musicoterapeuta atualmente atende na Clínica RNA (Reabilitação Neurológica & Aquática), localizada na Avenida Onze de Junho, 1380, na Vila Clementino, em São Paulo. Tel (11) 2532-0272 e WhatsApp (11) 98123-0800.